Loja que aceita cartão com senha sem exigir identificação não pode ser responsabilizada por uso indevido

O estabelecimento comercial que aceita cartão bancário com senha como forma de pagamento, sem exigir documento de identificação do portador, não pode ser responsabilizado pelos prejuízos na hipótese de uso indevido do cartão por quem não seja seu verdadeiro proprietário. Isso porque não há lei federal que torne obrigatória a exigência de documento no caso de cartões com senha.

O entendimento foi adotado pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao rejeitar recurso de um correntista que pretendia responsabilizar o estabelecimento comercial por não ter exigido a identificação do portador do cartão, permitindo assim que fossem feitas despesas indevidas em seu nome.

No processo, o correntista alegou que seu cartão de débito – utilizado indevidamente em uma compra de R$ 1.345 – foi furtado de sua residência junto com a senha. Segundo ele, o estabelecimento, ao aceitar o pagamento sem exigir comprovação de identidade, agiu de má-fé, devendo responder pelo prejuízo. O pedido foi rejeitado em primeira e segunda instâncias.

Para o relator do recurso no STJ, ministro Villas Bôas Cueva, os transtornos decorrentes do pagamento mediante a apresentação de cartão com senha, feito por terceiros, enquadram-se na hipótese do inciso II do parágrafo 3º do artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor (CDC).

“Não há como responsabilizar o estabelecimento comercial por dano moral suportado pelo autor em virtude da utilização de seu cartão com senha porque tal dano, caso existente, decorreu de uma falha no seu dever de guarda, não possuindo nenhuma relação de causalidade com a atividade comercial do réu” – explicou o ministro ao caracterizar a hipótese como fortuito externo, nos termos do CDC.

Risco assu​​mido

Villas Bôas Cueva destacou que a responsabilização do estabelecimento também dependeria da demonstração de que o dano é resultado de falha na prestação do serviço, o que não ocorreu.

“A despesa contestada pelo autor foi realizada com a apresentação física do cartão de débito e mediante o uso da senha pessoal do titular. Ao guardar o cartão e a senha juntos, o autor assumiu o risco de que, caso encontrados por terceiro, fossem utilizados sem sua autorização, causando-lhe dano.”

O ministro lembrou que não há lei federal que obrigue o comerciante a exigir documento de identidade do portador do cartão no ato do pagamento, “sobretudo na hipótese em que a utilização do cartão é vinculada a senha pessoal, não havendo como concluir que o réu foi negligente e cometeu ato ilícito ao aceitar o pagamento”.

A exigência do uso de senha para a efetivação do pagamento, de acordo com o relator, gera uma “presunção” para o estabelecimento comercial de que o portador do cartão, mesmo que não seja o seu titular, está autorizado a usá-lo. “Logo, ainda que se analise a situação dos autos sob essa perspectiva, não há como imputar uma falta de dever de cuidado ao comerciante”, concluiu o ministro ao rejeitar o recurso.

O recurso ficou assim ementado:

RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. ESTABELECIMENTO COMERCIAL. COMPRA. REALIZAÇÃO POR TERCEIRO. PAGAMENTO. APRESENTAÇÃO DO CARTÃO. USO MEDIANTE SENHA PESSOAL DO CORRENTISTA. TITULAR DO CARTÃO. DEVER DE GUARDA. FURTO. FORTUITO EXTERNO. DOCUMENTO DE IDENTIFICAÇÃO. EXIGÊNCIA. OBRIGAÇÃO LEGAL. INEXISTÊNCIA. ATO ILÍCITO DO ESTABELECIMENTO. NÃO CONFIGURAÇÃO. DEVER DE INDENIZAR. AFASTAMENTO.
1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3⁄STJ).
2. Cinge-se a controvérsia a definir se o estabelecimento comercial que aceita a utilização de cartão bancário com senha como forma de pagamento, sem exigir documento de identificação do portador, é responsável pelo dano moral sofrido pelo titular do cartão.
3. Não há falar em negativa de prestação jurisdicional se o tribunal de origem motiva adequadamente sua decisão, solucionando a controvérsia com a aplicação do direito que entende cabível à hipótese, apenas não no sentido pretendido pela parte.
4. Danos decorrentes de pagamento mediante a apresentação de cartão bancário de uso mediante senha, por terceiro, amoldam-se à hipótese estabelecida no art. 14, § 3º, II, do Código de Defesa do Consumidor, não podendo ser imputado ao estabelecimento comercial.
5. Não comete ato ilícito o estabelecimento comercial que deixa de exigir documento de identidade no momento do pagamento mediante cartão com uso de senha, porquanto inexiste lei federal que estabeleça obrigação nesse sentido.
6. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, não provido.

Leia o acórdão.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1676090

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