Primeira Seção vai delimitar efeitos da lei que altera o exercício da jurisdição federal delegada

Por unanimidade, a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) referendou a admissão do Incidente de Assunção de Competência 6 (IAC 6), originado do Conflito de Competência 170.051, que trata do exercício da jurisdição federal delegada, prevista no artigo 109, parágrafo 3°, da Constituição Federal.

A tese a ser fixada vai delimitar os “efeitos da Lei 13.876/2019 na modificação de competência para o processamento e julgamento dos processos que tramitam na Justiça estadual no exercício da competência federal delegada”. O que está em discussão é se, em razão da mudança legislativa, os processos sobre matéria previdenciária em andamento na Justiça estadual, no exercício da competência delegada, devem ser remetidos desde logo para a Justiça Federal.

A seção manteve a imediata suspensão, em todo o território nacional, de qualquer ato destinado à redistribuição de processos pela Justiça estadual (no exercício da jurisdição federal delegada) para a Justiça Federal, até o julgamento definitivo do IAC.

Segundo o relator, ministro Mauro Campbell Marques, o incidente trata de tema de “absoluta relevância jurídica e repercussão social”, uma vez que a competência federal delegada foi recentemente objeto de reforma pela Emenda Constitucional 103, de 12 de novembro de 2019.

Mudança legislativa

O ministro explicou que o inciso III do artigo 3° da Lei 13.876/2019 alterou a redação do artigo 15 da Lei 5.010/1966, introduzindo a regra segundo a qual as causas em que forem parte instituição de previdência social e segurado – e que se referirem a benefícios de natureza pecuniária – poderão ser processadas e julgadas na Justiça estadual apenas quando a comarca de domicílio do segurado estiver localizada a mais de 70 quilômetros de município sede de vara federal.

Ele observou que os parágrafos 1° e 2° do artigo também possibilitaram aos juízes e auxiliares da Justiça Federal praticar atos e diligências processuais no território de qualquer município abrangido pela seção, subseção ou circunscrição da respectiva vara federal, bem como atribuíram ao respectivo Tribunal Regional Federal a competência de indicar as comarcas que se enquadram no critério de distância previsto no inciso III.

Mauro Campbell assinalou que a nova lei definiu no artigo 5º, I, que a modificação do artigo 3º somente terá vigência “a partir do dia 1º de janeiro de 2020”.

De acordo com o ministro, em razão dessas alterações legislativas, juízos estaduais que exercem jurisdição federal delegada estão encaminhando aos juízos federais os processos que tratam do tema – tendo sido registrado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que são cerca de 1,5 milhão de processos em trâmite –, “o que tem proporcionado significativas discussões no âmbito jurídico, potencialmente capazes de originar milhares de conflitos de competência dirigidos ao STJ”.

“Em tal contexto, entendo existir relevante questão de direito de inequívoca repercussão social relacionada à interpretação dos artigos 3º e 5º da Lei 13.876/2019, no sentido de estabelecer se a referida norma federal autoriza a imediata remessa dos processos ajuizados em tramitação na Justiça estadual no exercício da jurisdição federal delegada para a Justiça Federal, ou se a nova legislação somente surtirá efeitos no âmbito da competência a partir da vigência estabelecida na referida lei”, declarou.

Sobre o IAC

Nos termos do artigo 947 do Código de Processo Civil de 2015, “é admissível a assunção de competência quando o julgamento de recurso, de remessa necessária ou de processo de competência originária envolver relevante questão de direito, com grande repercussão social, sem repetição em múltiplos processos”, bem como “quando ocorrer relevante questão de direito a respeito da qual seja conveniente a prevenção ou a composição de divergência entre câmaras ou turmas do tribunal”.

No julgamento de recurso, de remessa necessária ou de processo de competência originária, poderá ser proposto o incidente pelo relator ou pelo presidente, de ofício ou a requerimento da parte, do Ministério Público ou da Defensoria Pública, na forma prevista pelo artigo 271-B do Regimento Interno do STJ.

O recurso ficou assim ementado:

INCIDENTE DE ASSUNÇÃO DE COMPETÊNCIA NOS AUTOS DO CONFLITO DE COMPETÊNCIA. AÇÕES DE NATUREZA PREVIDENCIÁRIO, EXCETO AS DE ÍNDOLE ACIDENTÁRIA. JUÍZOS FEDERAL E ESTADUAL INVESTIDO NA JURISDIÇÃO DELEGADA. ART. 109, §3º, DA CF. EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 103⁄2019. LEI FEDERAL Nº 13.876⁄2019.
1- Trata-se de incidente de assunção de competência, instaurado com fulcro nos arts. 947, § 2º, do CPC⁄2015 e 271-B do RISTJ, que visa examinar o campo de vigência das alterações promovidas pela Emenda Constitucional 103⁄2019 e pela Lei nº 13.876⁄2019 no instituto da competência delegada previsto no § 3º do artigo 109 da Constituição Federal de 1988.
2- O presente incidente foi proposto nos autos do conflito negativo de instaurado entre o Juízo Federal da 21ª Vara da Seção Judiciária do Estado do Rio Grande do Sul e o Juízo de Direito da 1ª Vara Cível de Guaíba⁄RS, em autos de ação previdenciária, ajuizada em 4⁄5⁄2018, por segurado em face do Instituto Nacional do Seguro Social, objetivando o restabelecimento de aposentadoria por invalidez com o adicional de grande invalidez.
3- A controvérsia em questão está afeta ao instituto da competência delegada conferida, pelo texto constitucional, à Justiça Estadual para o julgamento de causas envolvendo o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, as quais, dada a natureza jurídica envolvida e os interesses tutelados na lide, deveriam ser julgadas pela Justiça Federal.
4- É fato que os Juízes Estaduais, por determinação constitucional, recebem, excepcionalmente por delegação, e não por assunção, competência previdenciária de matéria federal. Tanto é assim que o art. 109, § 4º, da CF c⁄c 108, II da CF⁄88 traz clara previsão de que o recurso cabível contra decisão da Justiça Estadual será sempre encaminhado à jurisdição do Tribunal Regional Federal na área de jurisdição do juiz de primeiro grau. Nesse sentido, CC 114.650⁄SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, DJe 17⁄05⁄2011.
5- Outra importante observação, extraída de abalizada corrente de processualistas capitaneado por Dinamarco, está no fato de a hipótese tratar-se foros concorrentes, sendo de exclusivo arbítrio do autor a propositura de ação no local de sua preferência e sem possibilidade de a escolha ser impugnada pelo adversário. Consequências dessa asserção:
5.1 Sendo a Justiça Federal organizada em Seções e Subseções, o Juiz Federal com competência incidente sobre o domicílio da parte – ainda que não haja uma sede de Vara Federal – terá competência originária para julgamento da causa. E caso essa localidade não seja sede de Vara Federal, o Juiz Estadual terá competência delegada para julgamento da causa, não cabendo, pois, ao INSS se insurgir contra a opção feita pelo autor da ação.
5.2 Haverá competência do Juízo Estadual somente quando não existir sede de Vara Federal na localidade em questão. Estar a comarca abrangida pela jurisdição de vara federal não é o mesmo que ser sede de vara federal. Sobre o ponto, nos autos do leading case CC 39.324⁄SP, Rel. Ministro Castro Meira, julgado em 24⁄09⁄2003, esta Corte firmou compreensão no sentido de que ulterior instalação de vara federal extingue a competência delegada.
6- A questão de direito a ser dirimida restou assim delimitada: “Efeitos da Lei nº 13.876⁄2019 na modificação de competência para o processamento e julgamento dos processos que tramitam na Justiça Estadual no exercício da competência federal delegada”. A propósito, cita-se a nova redação do dispositivo: ” § 3º Lei poderá autorizar que as causas de competência da Justiça Federal em que forem parte instituição de previdência social e segurado possam ser processadas e julgadas na justiça estadual quando a comarca do domicílio do segurado não for sede de vara federal.”
7- Tese da Associação Brasileira dos Advogados Previdenciários que na qualidade de amicus curiae, aponta a ocorrência de inconstitucionalidade à Lei nº 13.876⁄19 rejeitada. Conforme voto de Sua Excelência Ministra Maria Thereza de Assis Moura, proferido em procedimento administrativo no Conselho da Justiça Federal do SEI 0006509-2019.4.90.8000 e que deu origem à Resolução CJF 603⁄2019, enquanto tal argumento exige a ocorrência de modificação de competência absoluta prevista em norma constitucional originária; a hipótese encerra apenas a delimitação de seu alcance, permanecendo, pois, hígida, a jurisdição da Justiça Federal.
8- As alterações promovidas pela Lei nº 13.876⁄19 são aplicáveis aos processos ajuizados após a vacatio legis estabelecida pelo art. 5º, I. Os feitos em andamento, estejam eles ou não em fase de execução, até essa data, continuam sob a jurisdição em que estão, não havendo falar, pois, em perpetuação da jurisdição. Em consequência, permanecem hígidos os seguinte entendimentos jurisprudenciais em vigor: i) quando juiz estadual e juiz federal entram em conflito, a competência para apreciar o incidente é do Superior Tribunal de Justiça (CF, art. 105, I, d, in fine); ii) se o conflito se estabelece entre juiz estadual no exercício da jurisdição federal delegada e juiz federal, competente será o Tribunal Regional Federal.
9- Nos termos da Resolução 603⁄2019, CJF: i) definição de quais Comarcas da Justiça Estadual se enquadram no critério de distância retro referido caberá ao respectivo TRF (ex vi do art. 3º da Lei nº 13.876⁄2019), através de normativa própri; ii) por questão de organização judiciária, a delegação deve considerar as áreas territoriais dos respectivos TRFs. Consequentemente, à luz do art. 109, § 2º, da CF, o jurisdicionado não pode ajuizar ação na Justiça Federal de outro Estado não abrangido pela competência territorial do TRF com competência sobre seu domicílio. Ainda que haja vara federal em até 70km dali (porém na área de outro TRF ), “iii) observadas as regras estabelecidas pela Lei n. 13.876, de 20 de setembro de 2019, bem como por esta Resolução, os Tribunais Regionais Federais farão publicar, até o dia 15 de dezembro de 2019, lista das comarcas com competência federal delegada.” e iv)”As ações, em fase de conhecimento ou de execução, ajuizadas anteriormente a 1º de janeiro de 2020, continuarão a ser processadas e julgadas no juízo estadual.”
10- Tese a ser fixada no incidente de assunção de competência: “Os efeitos da Lei nº 13.876⁄2019 na modificação de competência para o processamento e julgamento dos processos que tramitam na Justiça Estadual no exercício da competência federal delegada insculpido no art, 109, § 3º, da Constituição Federal, após as alterações promovidas pela Emenda Constitucional 103, de 12 de novembro de 2019, aplicar-se-ão aos feitos ajuizados após 1º de janeiro de 2020. As ações, em fase de conhecimento ou de execução, ajuizadas anteriormente a essa data, continuarão a ser processadas e julgadas no juízo estadual, nos termos em que previsto pelo § 3º do art. 109 da Constituição Federal, pelo inciso III do art. 15 da Lei n. 5.010, de 30 de maio de 1965, em sua redação original.”
11- Dispositivo: Como a ação fora ajuizada em 4⁄5⁄2018 deve ser reconhecida a competência do Juízo de Direito da 1ª Vara Cível de Guaíba – RS, o suscitado, para processar e julgar a ação.

Leia mais:

IAC vai delimitar alterações legislativas que tratam do exercício da jurisdição federal delegada

Leia o acórdão.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): CC 170051

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