Justiça do Trabalho não vai julgar ação de aprendiz que sofreu acidente em curso do Senai 

Não havia relação de trabalho entre o aprendiz e a instituição

A Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho decidiu que não compete à Justiça do Trabalho julgar o pedido de indenização por dano moral e material formulado por um aprendiz da Produtos Erlan S.A., de Uberlândia (MG), contra o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), em razão de acidente ocorrido durante curso de aprendizagem. Segundo o colegiado, o reconhecimento da responsabilidade exclusiva do Senai pelo acidente afasta a competência da Justiça do Trabalho, pois não havia relação de trabalho entre o aprendiz e a instituição.

Acidente

O aprendiz, na época menor de idade, fora matriculado pela Erlan no curso de aprendizagem industrial de usinagem mecânica do Senai e, ao participar de aula prática, sofreu acidente em que perdeu parte de um dedo da mão direita. Segundo ele, o motivo fora a imprudência de outro aprendiz, que havia saído de seu posto e, sem autorização, acionado a máquina em que ele trabalhava. Ele ajuizou a reclamação trabalhista contra a empregadora e o Senai, com pedido de indenização por danos morais e materiais e pelo período de estabilidade.

Culpa

O juízo da 3ª Vara do Trabalho de Uberlândia condenou apenas o Senai a pagar indenizações por danos morais e estéticos, danos materiais e despesas com médicos, hospitais e remédios. De acordo com a sentença, o acidente não fora causado por terceiro, mas pela própria instituição, que supervisionava e instruía a aprendizagem e, no momento do acidente, era a responsável por zelar pela incolumidade física do aprendiz. Ainda, segundo o juiz, o Senai é notoriamente reconhecido como idôneo para ministrar a aprendizagem, o que afasta a possível culpa da empresa na escolha da instituição.

Com o afastamento de sua responsabilidade, a Erlan foi condenada apenas ao pagamento da indenização substitutiva relativa à estabilidade acidentária. A decisão foi inteiramente mantida pelo Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (MG).

Conflito de competência

O relator do recurso de revista do Senai, ministro Renato de Lacerda Paiva, observou que a Justiça do Trabalho é competente para julgar ações de indenização por acidente de trabalho do empregado contra seu ex-empregador. Diante dos fatos descritos pelo TRT, entretanto, não há como reconhecer sua competência para condenar apenas o Senai.

Embora o aprendiz tenha ajuizado a ação também contra sua ex-empregadora, a exclusão da Erlan da condenação pelas instâncias anteriores acarretou mudança do estado de direito que afetou a competência da Justiça do Trabalho, que se consolida em razão da relação de emprego ou de trabalho. “No estado atual do processo, não se verifica nenhuma relação de trabalho subjacente entre o aprendiz e o Senai”, assinalou.

Para o relator, ao não reconhecer a responsabilidade concomitante da empresa, o juiz esvaziou a competência da Justiça do Trabalho para impor condenação autônoma ao Senai. Em casos idênticos de ações ajuizadas contra as entidades do Sistema S, há decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que reconhecem a competência da Justiça Comum, por entender que os direitos não decorrem do contrato de trabalho, mas têm natureza civil, equiparados à relação de consumo. Por fim, o ministro registrou que fica mantida a competência da Justiça do Trabalho somente em relação à condenação da Erlan ao pagamento da indenização substitutiva.

O recurso ficou assim ementado:

RECURSO DE REVISTA. INTERPOSIÇÃO EM FACE DE ACÓRDÃO PUBLICADO ANTES DA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014. ACIDENTE OCORRIDO DURANTE CURSO DE APRENDIZAGEM – CONDENAÇÃO EXCLUSIVAMENTE DO SENAI – INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO . (violação aos artigos 114, incisos I a IX, da Constituição Federal, 428 e 429 da Consolidação das Leis do Trabalho e divergência jurisprudencial) A questão alusiva à competência da Justiça do Trabalho para decidir ações envolvendo o pedido de indenização por danos morais e matérias decorrentes de acidente do trabalho sempre foi controvertida, tanto na doutrina, quanto na jurisprudência. Mesmo após o advento da EC nº 45/2004, o Supremo Tribunal Federal chegou a proferir decisão no sentido de que cabia à Justiça Comum julgar tais matérias, sobretudo em decorrência do princípio da “unidade de convicção” (RE nº438.639). Contudo, a discussão foi encerrada por ocasião do julgamento do Conflito de Competência nº 7.204-1 , suscitado pelo Tribunal Superior do Trabalho, no qual o STF decidiu que é da Justiça do Trabalho a competência para julgamento das ações de indenização por acidente o trabalho. Da leitura do referido precedente, verifica-se que o STF reconheceu a competência desta Justiça Especializada para julgar a ação de indenização por acidente do trabalho do empregado em face do seu ex-empregador . No caso concreto , o TRT deixou claro que ” Incontroverso ainda o acidente sofrido pelo autor em 08/09/2011 nas dependências do SENAI, durante o desempenho de suas atividades de aprendizagem. Diante disso, concluiu que o 2º reclamada (SENAI) ” é a única culpada pelo evento, que ocorreu em suas dependências, cabendo-lhe supervisionar e instruir a aprendizagem do autor “, razão pela qual manteve a sentença que condenou tão somente a segunda ré pelo infortúnio, afastando a responsabilidade solidária da 1ª reclamada, empresa empregadora. Logo, no tema em apreço, só se discute a responsabilidade do SENAI, uma vez que a responsabilização da empresa contratante foi julgada improcedente, estando acobertada pela coisa julgada. No entanto, não há como se reconhecer a competência da Justiça do Trabalho para condenar apenas o SENAI em indenização por dano moral e material, em razão de infortúnio ocorrido nas suas dependências durante curso de aprendizagem. Isso porque, na hipótese, não se observa a existência de relação de trabalho entre o reclamante e o SENAI. É bem verdade que o reclamante ajuizou ação contra sua ex-empregadora e o SENAI, de modo a responsabilizá-las solidariamente pelo acidente, e, ainda, que, conforme a regra da perpetuatio jurisdictionis , prevista no art. 87 do CPC/73 (atual art. 43 do CPC/2015), a competência é definida no momento da propositura da ação. Todavia, conforme se verifica da própria norma jurídica, a perpetuatio jurisdictionis comporta exceções, como na hipótese da alteração do estado de fato ou de direito, ” quando suprimirem o órgão judiciário ou alterarem a competência em razão da matéria ou da hierarquia “. Assim, a meu ver, a exclusão da 1ª reclamada – ex-empregadora -, da condenação pela indenização por danos morais e materiais, acarretou mudança do estado de direito que afetou a competência material absoluta da Justiça do Trabalho. Isso porque a competência em razão da matéria desta Justiça Especializada se consolida em razão das pessoas que ocupam os polos da demanda (empregado e empregador), e, com o advento da Emenda Constitucional nº 45/2004, também na ocasião em que se constatar “relação de trabalho” entre o trabalhador (pessoa física) e a figura do tomador do serviço. Sucede que, no caso vertente, no atual estado da lide, não vislumbra qualquer relação de trabalho subjacente entre o reclamante e o SENAI a justificar a competência material desta Justiça do Trabalho. Em suma, ao não reconhecer a responsabilidade concomitante da ex-empregadora, o juízo a quo esvaziou a competência material da Justiça do Trabalho para impor condenação autônoma à 2ª reclamada pelo acidente de trabalho ocorrido, frise-se, em suas dependências e durante o curso de treinamento. Além disso, em casos idênticos, colhem-se decisões do Superior Tribunal de Justiça em conflito de competência, nas quais os Ministros daquela Corte vem se manifestando no sentido de reconhecer que compete à Justiça Comum dirimir tais ações ajuizadas em face dos serviços sociais autônomos ligados ao Sistema “S”, por não se vislumbrar postulação de direitos decorrentes de um contrato de trabalho, mas pretensão de natureza civil equiparada à relação de consumo. Por fim, cumpre registrar que remanesce a competência desta Justiça Especializada somente em relação à condenação imposta à 1ª ré, consubstanciada no pagamento da indenização substitutiva pela estabilidade provisória, matéria já preclusa. Recurso de revista conhecido e provido.

(CASO REJEITADA A PRELIMINAR) ACIDENTE DE TRABALHO – CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA E CULPA DE TERCEIRO – CONFIGURAÇÃO. (violação ao artigo 5º, II, XXXV e LV, da Constituição Federal) O recurso de revista não logra conhecimento, visto que, a par de o artigo 5º, incisos II, XXXV e LV, da Constituição Federal não guardarem estrita pertinência com a questão de fundo, verifica-se, ainda, que o TRT não examinou a matéria à luz do cerceamento do direito de defesa, não tendo o recorrente oposto embargos de declaração a fim de prequestionar o tema, pelo que incide o teor da Súmula/TST nº 297. Recurso de revista não conhecido.

A decisão foi unânime.

Processo: RR-787-85.2012.5.03.0103

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