Ela continuou a trabalhar após a extinção da delegação, quando o estado assumiu a unidade
A Quinta Turma do Tribunal Superior do Trabalho reconheceu a responsabilidade do Estado do Rio Grande do Sul pelo pagamento dos débitos trabalhistas devidos a uma funcionária de um cartório que permaneceu no cargo após a extinção da delegação concedida à titular do estabelecimento. Segundo o colegiado, como não houve nova delegação nem foi realizado concurso público até o fim do contrato da tabeliã, o serviço retornou à titularidade do estado.
Extinção da delegação
Na reclamação trabalhista, a cartorária disse que prestara serviços ao 2º Tabelionato de Caxias do Sul entre junho de 2012 e janeiro de 2016. O cartório tinha a mesma tabeliã desde 1990, e, em novembro de 2015, a delegação foi extinta. Desligada sem receber as verbas rescisórias e outras parcelas, ela pedia o pagamento dessas e de outras parcelas.
Responsabilidade do Estado
O juízo da 2ª Vara do Trabalho de Caxias do Sul entendeu que tanto a tabeliã quanto o estado eram responsáveis diretos e imediatos pelos créditos trabalhistas – a titular até a extinção da delegação, e o estado no restante do contrato. A sentença foi mantida pelo Tribunal Regional do Trabalho da 4º Região (RS).
Segundo o TRT, o cartório funcionava por delegação do Estado do RS e sua administração era exercida em caráter privado. Entretanto, com a doença e o falecimento da tabeliã, a delegação estatal foi extinta, e o serviço notarial retornou à responsabilidade do estado, sem que houvesse a investidura de novo titular. Para tanto, seria necessário realizar concurso público, nos termos do artigo 14 da Lei dos Cartórios (Lei 8.935/1984).
Vacância da titularidade
No recurso de revista, o estado sustentou que os serviços notariais e de registro são exercidos sempre em caráter privado e que o gerenciamento financeiro dos cartórios é da responsabilidade exclusiva do respectivo titular.
Contudo, o relator, ministro Breno Medeiros, assinalou que, com o falecimento da titular do cartório, a responsabilidade retornou ao Município de Caxias do Sul (RS). Dessa forma, o espólio da ex-tabeliã não poderia ser responsabilizado pelo período posterior à extinção da delegação.
O ministro observou que, como os serviços notariais têm natureza privada, o estado não pode ser responsabilizado pelos contratos de trabalho firmados pelos titulares. Entretanto, o caso trata de vacância da titularidade, e, até que seja assumida por novo delegado, a serventia retorna à responsabilidade estatal, que fica responsável pela fiscalização do exercício da atividade e, também, das relações jurídicas existentes.
O recurso ficou assim ementado:
RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017. EMPREGADO DE SERVIÇO NOTARIAL. EXTINÇÃO DA DELEGAÇÃO. RESPONSABILIDADE DIRETA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PELO PAGAMENTO DOS DIREITOS TRABALHISTAS DA RECLAMANTE. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA RECONHECIDA . Trata-se de matéria nova no âmbito desta Corte, razão pela qual se evidencia a existência da transcendência jurídica. A partir dos elementos fáticos consignados na decisão recorrida, depreende-se que a reclamante foi admitida pela Sra. Jussara Luz Balen (tabeliã) para prestar serviços ao 2º Tabelionado de Caixas do Sul/RS e que permaneceu trabalhando mesmo após a extinção da delegação conferida à então titular da referida Serventia Notarial. Considerando que os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, sob a forma de delegação (art. 236 da CF), não há falar em responsabilização do Estado pelo inadimplemento das obrigações trabalhistas decorrentes dos contratos de trabalho firmados pelos titulares de Cartórios. Entretanto, conforme registrado no acórdão regional, após a extinção da delegação em favor da Sra. Jussara Luz Balen não houve nova delegação da atividade notarial (não tendo havido realização de concurso público até o fim do contrato laboral em questão) , de forma que, a partir de então, o serviço notarial retornou à responsabilidade do Estado. Quando da vacância da titularidade das serventias até a assunção da respectiva unidade por um novo delegado, a serventia retorna à responsabilidade estatal, a quem compete fiscalizar não apenas o exercício da atividade, como também as relações jurídicas decorrentes do serviço (p. ex. contratos de trabalho dos empregados do Tabelionato). Desta maneira, a decisão Regional que, mantendo a sentença de origem, reconheceu a responsabilidade (integral e exclusiva) do Estado do Rio Grande do Sul pelo serviço notarial no período após a extinção da delegação até o fim do contrato laboral , condenando-o, diretamente, ao pagamento das parcelas salariais devidas à reclamante, não ofende os dispositivos apontados. Assim, em que pese a transcendência jurídica da matéria, não há como prosseguir o recurso de revista. Recurso de revista não conhecido. FAZENDA PÚBLICA. REGIME DE PAGAMENTO POR MEIO DE PRECATÓRIOS OU REQUISIÇÃO DE DÍVIDA DE PEQUENO VALOR (RPV). ART. 100 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA RECONHECIDA . O e. TRT, apesar de reconhecer a responsabilidade direta do Estado do Rio Grande do Sul pelo adimplemento das verbas trabalhistas devidas à reclamante, \” que prestou serviços em proveito do ente público \”, concluiu pela inaplicabilidade, ao caso, do regime de precatórios/RPV para pagamento dos débitos, sob o fundamento de que o serviço notarial é de caráter privado e a \”obrigação\” não ser oriunda diretamente de ato Estatal. Contudo, da leitura do texto constitucional (art. 100, §§ 1º, 3º e 4º) infere-se que os pagamentos devidos pela Fazenda Pública, em razão de sentença judicial transitada em julgado, são efetuados, sem exceção , por meio de Precatório ou de Requisição de Pequeno Valor (RPV). Importante registrar que, nos termos da Súmula nº 655 do STF, sequer os créditos de natureza alimentar, como no caso, comportam exceções ao regime de execução próprio da Fazenda Pública. Recurso de revista conhecido e provido. AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. MULTA POR EMBARGOS DE DECLARAÇÃO PROTELATÓRIOS. Fica prejudicado o exame do agravo de instrumento, em face do provimento do recurso de revista, com a consequente exclusão da multa por embargos de declaração considerados protelatórios.
A decisão foi unânime.
Processo: RRAg-21052-18.2016.5.04.0402