REsp 1.610.844-BA, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Corte Especial, por unanimidade, julgado em 15/06/2022. (Tema IAC 12)
DIREITO CIVIL
Penhora de saldo em conta corrente conjunta. Extensão. Presunção relativa de rateio em partes iguais. Integralidade dos valores. Pessoa física ou jurídica distinta da instituição financeira mantenedora. Demonstração dos valores que integram o patrimônio de cada um. (Tema IAC 12/STJ).
A) É presumido, em regra, o rateio em partes iguais do numerário mantido em conta corrente conjunta solidária quando inexistente previsão legal ou contratual de responsabilidade solidária dos correntistas pelo pagamento de dívida imputada a um deles.
B) Não será possível a penhora da integralidade do saldo existente em conta conjunta solidária no âmbito de execução movida por pessoa (física ou jurídica) distinta da instituição financeira mantenedora, sendo franqueada aos cotitulares e ao exequente a oportunidade de demonstrar os valores que integram o patrimônio de cada um, a fim de afastar a presunção relativa de rateio.
A controvérsia está em definir a possibilidade ou não de penhora integral de valores depositados em conta bancária conjunta, na hipótese de apenas um dos titulares ser sujeito passivo de processo executivo movido por pessoa – física ou jurídica – distinta da instituição financeira mantenedora da conta corrente.
Há divergência atual entre julgados das Turmas de Direito Privado e de Direito Público sobre o tema que envolve, basicamente, a interpretação da norma inserta no artigo 265 do Código Civil, segundo o qual “a solidariedade não se presume; resulta da lei ou da vontade das partes”.
Com efeito, os precedentes das Turmas da Primeira Seção assentam que, ainda que só um dos titulares da conta conjunta seja responsável pela dívida executada, a penhora deve atingir a integralidade do saldo depositado se não houver prova da titularidade exclusiva ou parcial dos valores, ante a presunção de que os co-correntistas pactuaram a ausência de exclusividade da disponibilidade do numerário.
Por sua vez, os acórdãos das Turmas da Segunda Seção adotam a exegese de que, em se tratando de execução movida por pessoa (física ou jurídica) distinta da instituição financeira mantenedora da conta bancária coletiva, deve ser franqueada aos cotitulares a comprovação dos valores que integram o patrimônio de cada um, sendo certo que, na ausência de provas nesse sentido, presume-se a divisão do saldo em partes iguais, razão pela qual a penhora não poderá atingir a integralidade do numerário, mas apenas a cota-parte do correntista executado.
O exercício do aludido poder-dever do juiz – no âmbito da execução forçada direta – encontra limite político no princípio da responsabilidade patrimonial, enunciado nos arts. 591 e 592 do CPC/1973 (reproduzidos nos arts. 789 e 790 de CPC/2015), que versam sobre a sujeição dos bens do “devedor obrigado” (responsabilidade primária) e do “terceiro não obrigado” (responsabilidade secundária) à demanda executória.
Depreende-se que, em regra, somente os bens integrantes do patrimônio do devedor – a um só tempo obrigado e responsável – estão sujeitos à excussão destinada a obter soma em dinheiro apta ao adimplemento da prestação (pecuniária ou de dar coisa) encartada em título judicial ou extrajudicial.
A conta-corrente configura instrumento contratual que viabiliza outras operações bancárias, a exemplo do depósito, do empréstimo e da abertura de crédito. Tal contrato bancário alberga duas espécies: (i) a conta-corrente individual ou unipessoal, que possui um único titular, detentor do poder de movimentá-la, o qual pode ser outorgado a procurador devidamente constituído; e (ii) a conta-corrente conjunta ou coletiva, na qual há mais de um titular com poder de movimentação da conta.
Em se tratando de “conta conjunta solidária”, sobressai a solidariedade ativa e passiva na relação jurídica estabelecida entre os cotitulares e a instituição financeira mantenedora, o que decorre diretamente das obrigações encartadas no contrato de conta-corrente, em consonância com a regra estabelecida no art. 265 do CC/2002.
Por outro lado, a obrigação pecuniária assumida por um dos correntistas perante terceiros não poderá repercutir na esfera patrimonial do cotitular da “conta conjunta solidária”, caso inexistente disposição legal ou contratual atribuindo responsabilidade solidária pelo pagamento da dívida executada.
Nessa perspectiva, há julgados desta Corte que, com base na Lei n. 7.357/1985, entendem que os cotitulares da aludida espécie de conta conjunta não ostentam a condição de devedores solidários nem sequer perante terceiros portadores de cheques emitidos, sem provisão de fundos, somente por um dos correntistas.
Nessa ordem de ideias, infere-se que o saldo mantido na chamada “conta conjunta solidária” caracteriza bem divisível, cuja cotitularidade, nos termos de precedentes desta Corte, atrai as regras atinentes ao condomínio, motivo pelo qual se presume a repartição do numerário em partes iguais entre os correntistas quando não houver elemento probatório a indicar o contrário, consoante disposto no parágrafo único do art. 1.315 do CC/2022 (REsp n. 819.327/SP, relator Ministro Humberto Gomes de Barros, Terceira Turma, DJ de 08/05/2006).
Consequentemente, à luz do princípio da responsabilidade patrimonial do devedor – enunciado nos arts. 591 e 592 do CPC/1973 (reproduzidos nos arts. 789 e 790 do CPC/2015) -, a penhora eletrônica de saldo existente em “conta conjunta solidária” não poderá abranger proporção maior que o numerário pertencente ao devedor executado, devendo ser preservada a cota-parte dos demais correntistas.
Sob tal ótica, por força da presunção do rateio igualitário do saldo constante da “conta coletiva solidária”, caberá ao “cotitular não devedor” comprovar que o montante que integra o seu patrimônio exclusivo ultrapassa o quantum presumido. De outro lado, poderá o exequente demonstrar que o devedor executado é quem detém a propriedade exclusiva – ou em maior proporção – dos valores depositados na conta conjunta.
Desse modo, quando existente prova de titularidade exclusiva dos valores depositados por aquele que não figura no polo passivo da execução de obrigação pecuniária não solidária, afigurar-se-á impositiva a desconstituição da penhora.
Saiba mais:
AgInt no AgInt no REsp 653.774-DF, Rel. Min. Gurgel de Faria, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 14/06/2022
DIREITO PROCESSUAL CIVIL
Despacho de citação. Prazo. Embargos. Matéria controvertida. Inexistência. Art. 471 do CPC/1973.
O prazo estabelecido pelo juiz no despacho de citação não configura matéria controvertida entre as partes a demandar a prolação de uma decisão, não se apresentando insuscetível de novo pronunciamento.
Na hipótese, o tribunal de origem deu provimento à apelação interposta pela Fazenda Nacional, a fim de reformar a sentença que rejeitou os embargos à execução, por considerá-los intempestivos. Afastou a alegação de ofensa à coisa julgada relativamente à decisão que reconhecera o prazo de 10 (dez) dias para oposição dos embargos, ao fundamento de que o agravo de instrumento interposto contra a referida decisão teve seguimento negado, em razão do descumprimento do disposto no art. 526, § 1º, do CPC/1973.
O juízo da execução, por sua vez, exarou decisão fixando o prazo de 10 (dez) dias para o oferecimento dos embargos. Interposto agravo de instrumento, o Tribunal a quo dele não conheceu, por ausência de cumprimento da determinação contida no art. 526, § 1º, do CPC/1973. O acórdão, então, transitou em julgado.
Posteriormente, o juízo da execução proferiu sentença em que reafirmou esse entendimento, qual seja, de que o prazo para oferecimento dos embargos à execução seria de 10 (dez) dias, o que foi objeto de apelação interposta pela Fazenda Nacional. O Tribunal de origem, no acórdão recorrido, deu-lhe provimento, a fim de reconhecer a tempestividade dos embargos.
O Superior Tribunal de Justiça tem assegurado tratamento individualizado no que se refere à questão de eventual prejudicialidade de agravo de instrumento quando sobrevém prolação da sentença, diante da vasta possibilidade do conteúdo decisório envolvido.
Ademais, doutrina lembra que “coisa julgada material (auctoritas rei iudicatae) é qualidade que torna imutável e indiscutível o comando que emerge da parte dispositiva da sentença de mérito não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário”.
Relativamente à preclusão, leciona o entendimento doutrinário, ao comentar o art. 471 do CPC/1973, que a “norma proíbe a redecisão de questão já decidida no mesmo processo, sob o fundamento da preclusão (coisa julgada formal). As questões dispositivas decididas no processo não podem ser reapreciadas pelo juiz (…). O caput do dispositivo comentado impede que o juiz, no mesmo processo, decida novamente as questões já decididas”.
No caso, sob essa ótica, o Juízo da execução, no despacho que ordenou a citação, fixou o prazo de 10 (dez) dias para a Fazenda Nacional oferecer embargos à execução e, posteriormente, reafirmou essa compreensão na sentença, de modo que não há que falar em coisa julgada ou preclusão a impedir o manejo de apelação, assim como a reforma desse prazo estabelecido inicialmente, que fora objeto de agravo de instrumento não conhecido.
Portanto, o prazo estabelecido pelo juiz no despacho de citação não configura matéria controvertida entre as partes a demandar a prolação de uma decisão, porquanto nem sequer havia manifestação delas (partes) a respeito disso, de modo que o tema não se apresenta insuscetível de novo pronunciamento.
REsp 1.650.844-SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Rel. Acd. Min. Herman Benjamim, Segunda Turma, por maioria, julgado em 07/06/2022.
DIREITO TRIBUTÁRIO, DIREITO PROCESSUAL CIVIL
Decreto-Lei 1.510/1976. Isenção. Imposto de renda. Transmissão causa mortis de participação societária.
O art. 4º, ‘b’, do Decreto-Lei n. 1.510/1976 concedeu isenção apenas para transmissão da participação acionária ‘mortis causa‘, não ampliando a sua abrangência para momento posterior – ressalvada, exclusivamente, a hipótese em que a própria aquisição por herança se desse durante a vigência do Decreto-Lei n. 1.510/1976 e o sucessor permanecesse na respectiva posse pelo período de cinco anos, necessariamente anteriores à revogação do benefício pela Lei n. 7.713/1988, e depois promovesse a sua alienação onerosa.
A controvérsia delimita-se na discussão relativa à isenção de Imposto de Renda na operação de transferência, pelo sucessor causa mortis, de participação acionária.
A jurisprudência do STJ é pacífica no sentido de que a isenção tributária compreende apenas a transmissão por sucessão, de modo que a posterior alienação da participação acionária, pelo herdeiro, realizada em momento no qual a isenção havia sido previamente revogada (pela Lei n. 7.713/1988) encontra-se sujeita à incidência de Imposto de Renda.
A alteração no art. 4º, “b”, do Decreto-Lei n. 1.510/1976, se deu pelo Decreto-Lei n. 1.579/1977. Registra-se que, desde 1977, a legislação tributária expressamente indicou que o benefício da isenção abrange tanto (i) as alienações “promovidas após decorrido o período de cinco anos da data da subscrição ou aquisição da participação” (art. 4º, “d”) como (ii) as transmissões “mortis causa” (art. 4º, “b”).
A discussão a respeito da existência de contraprestação, ou de onerosidade, não afeta a disciplina concedida à específica situação das transmissões “mortis causa” – isto é, este fato autônomo (transmissão mortis causa, em contraposição à alienação inter vivos) atrai a aplicação de norma específica do regime isentivo.
Ainda nesse ponto (transmissão “mortis causa“), convém esclarecer que há dois momentos distintos a serem considerados: a) o da transmissão em razão do falecimento do titular das cotas sociais, em que pode haver ganho de capital (em benefício do sucessor); e b) a data da alienação com ganho de capital, promovida pelo sucessor.
A esse respeito, o art. 4º, “b”, do Decreto-Lei n. 1.510/1976, seja em sua redação original (alienação “mortis causa“), seja na redação que entrou em vigor um ano após (redação conferida pelo Decreto-Lei n. 1.579/1977 – transmissão “mortis causa“), expressamente concedeu isenção em favor do herdeiro naquele primeiro momento (naturalmente, ante a hipótese de que, nesse evento, houvesse ganho de capital).
Diferentemente, a citada legislação, em momento algum, prescreveu que na segunda operação de transferência de titularidade da participação acionária seria mantido o benefício da isenção. Paralelamente a tal constatação, tem-se, que a Lei n. 7.713/1988 expressamente revogou o benefício da isenção.
É imperioso ter em consideração que os efeitos tributários podem diferir do tratamento dado pela lei civil (art. 109 do CTN), excetuada a hipótese em que se pretender, para alterar a competência tributária, modificar institutos, conceitos e formas de direito privado utilizados diretamente na Constituição Federal, na Constituição Estadual ou nas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios.
Dito isso, é irrelevante discutir, segundo a interpretação isolada e literal dos dispositivos do Código Civil, se os direitos transmitidos por sucessão causa mortis preservam o caráter original ou não, pois a questão diz respeito não à disciplina civil do fato jurídico, mas aos efeitos tributários, os quais, em respeito ao princípio da legalidade, devem necessariamente ser disciplinados por lei específica (lei tributária).
E, nesse ponto, é inquestionável que a legislação tributária, enquanto vigente, concedeu o benefício da isenção, em relação à sucessão causa mortis, somente para o ganho de capital apurado na primeira alteração da titularidade (isto é, na transmissão do de cujus para o seu sucessor). Mesmo na vigência da citada norma, não havia previsão concedendo isenção para a segunda operação de transferência (a alienação onerosa, do herdeiro para terceiros, da participação acionária).
Portanto, tratando-se de isenção tributária, o art. 111, II, do CTN impõe a técnica de interpretação literal, não sendo possível aplicar por analogia a disciplina atribuída pela legislação cível para dispor, contra legem, a respeito dos efeitos tributários.
Saiba mais:
REsp 1.738.657-DF, Rel. Min. Moura Ribeiro, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 14/06/2022.
DIREITO CIVIL
Contrato de seguro de vida. Administração de bens ou interesses de terceiros. Não ocorrência. Ausência de interesse processual.
Nos contratos de seguro, o valor de indenização a ser recebido na hipótese de ocorrência do evento segurado é estabelecido previamente no contrato e, por isso, não há a “guarda” dos prêmios.
Esta Corte, desde há muito, compreende que aquele que administra bens ou interesses alheios está obrigado a prestar contas da administração, do mesmo modo que aquele que tenha seus bens ou interesses administrados por outrem tem direito a exigir as contas correspondentes à gestão (REsp 1.561.427/SP, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Segunda Seção, DJe 2/4/2018).
Nos seguros de vida, o valor de indenização a ser recebido na hipótese de ocorrência do evento segurado é estabelecido previamente no contrato e, por isso, não há a “guarda” dos valores produtos da arrecadação, ou seja, dos prêmios.
Nesse cenário, de fato, falta ao segurado, bem como ao eventual beneficiário, interesse processual para promover a ação de exigir contas decorrente do contrato de seguro porque, nessa hipótese, tratando-se de negócio aleatório, falta à pretensão a premissa fática essencial, qual seja, a existência da administração de bens ou interesses de terceiros.
Por conseguinte, não é devida a prestação de contas em relação ao valor recebido pela segurada, a título do evento saúde, que a afastou de suas atividades laborais.
Em outras palavras , não é o caso de exigir a prestação de contas dos valores recebidos da seguradora, tendo em vista que a sua obrigação jamais foi a de investir ou administrar o valor recebido, mas sim o de pagar ao segurado, quando do evento “saúde”, o valor previamente delineado na apólice.
REsp 1.987.853-PB, Rel. Min. Marco Buzzi, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 14/06/2022, DJe 20/06/2022.
DIREITO ADMINISTRATIVO
Ação de cobrança do seguro DPVAT. Requerimento administrativo. Aplicação analógica do entendimento firmado pelo STF no RE 631.240.
A lesão ou ameaça de lesão a direito aptas a ensejar a necessidade de manifestação judiciária do Estado se caracterizam em demandas de cobrança do seguro DPVAT, salvo exceções particulares, após o prévio requerimento administrativo, consoante aplicação analógica do entendimento firmado pelo STF no RE 631.240, julgado em repercussão geral.
O seguro DPVAT, sigla comumente utilizada para designar o Seguro Obrigatório de Danos Pessoais causados por veículos automotores de via terrestre, ou por sua carga, a pessoas transportadas ou não, não é uma modalidade de benefício previdenciário.
Evidentemente, o STF, em repercussão geral, não cuidou dessa questão, dado que o precedente tem como base fática pretensão previdenciária reclamada junto ao INSS e a regra de transição lá estabelecida tinha aplicabilidade restrita às hipóteses envolvendo postulações de benefícios previdenciários junto ao INSS.
Em virtude disso, a utilização da compreensão estabelecida pelo STF para demandas de cunho não previdenciário tem se dado de forma analógica, tal como a que ocorreu no caso dos autos e tem sido aplicada, inclusive por esta Corte Superior, em determinados julgados, para pretensões de pagamento de seguro DPVAT.
É absolutamente razoável que se pretenda a desjudicialização dos direitos, principalmente quando os indivíduos podem, inclusive, por força do determinado em lei, alcançar o deferimento dos pedidos formulados na sede administrativa.
No entanto, apesar do estabelecimento de condições para o exercício do direito de ação ser compatível com o princípio do livre acesso ao Poder Judiciário, previsto no art. 5º, XXXV da Constituição Federal, tal como deliberado pelo STF no julgamento do RE 631.240/MG, a ameaça ou lesão a direito aptas a ensejar a necessidade de manifestação judiciária do Estado acerca de determinado conflito não podem ficar adstritas, sempre e apenas se realizado o prévio requerimento administrativo, notadamente quando a situação efetivamente vivenciada denota, por si só, existir inegável motivação para o ingresso em juízo dado o caráter controvertido do pleito formulado.
Nesse sentido, a recusa e a resistência de Seguradora inegavelmente evidenciadas denotam ser absolutamente impertinente falar em prévio requerimento administrativo em casos concretos pretéritos.
É oportuno dizer que todas as interpretações analógicas que são realizadas no âmbito judiciário não podem negar o efetivo direito da parte, notadamente quando não há jurisprudência sedimentada sobre a questão, sendo, ainda, absolutamente inviável aplicar a compreensão hoje encaminhada em um determinado sentido para casos ocorridos no passado, sob pena de fulminar direitos nascidos em momento no qual inexistiam requisitos postos para a formulação das pretensões em juízo.
Assim, em que pese seja viável estabelecer condições ao exercício de ação, essas não podem afastar a autoridade da jurisdição quando evidenciada a absoluta impertinência, no caso concreto, da exigência atinente ao prévio requerimento administrativo, principalmente quando evidenciada a resistência da parte adversa, a excessiva onerosidade atrelada ao pedido ou o descumprimento de dever ínsito à relação jurídica mantida entre as partes (tal como o de prestar contas).
REsp 1.936.743-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, por maioria, julgado em 14/06/2022.
DIREITO CIVIL, DIREITO DO CONSUMIDOR
Responsabilidade civil objetiva. Concessionária de serviços públicos de transporte. Queda de passageiro em via férrea de metrô, por decorrência de mal súbito. Nexo de causalidade entre a conduta da concessionária e o evento danoso. Inexistência. Não adoção de tecnologia moderna “portas de plataforma” (Platform Screen Doors – PSD). Irrelevância. Caso fortuito externo caracterizado.
Considera-se fortuito externo a queda de passageiro em via férrea de metrô, por decorrência de mal súbito, não ensejando o dever de reparação do dano por parte da concessionária de serviço público, mesmo considerando que não houve adoção, por parte do transportador, de tecnologia moderna para impedir o trágico evento.
A questão controvertida principal consiste em saber se a queda de passageiro em via férrea de metrô, por decorrência de mal súbito, enseja o dever de reparar os danos, considerando que não houve adoção, por parte do transportador, de tecnologia moderna (portas de plataforma) para impedir o trágico evento.
No caso, e à luz da própria causa de pedir da demanda, é incontroverso que o lamentável e fatídico acidente decorre de caso fortuito (mal súbito, convulsão por epilepsia), consubstanciando fortuito externo que, segundo o curso normal das coisas, não se tinha como antever ou prevenir que a passageira caísse justamente na linha férrea.
Na hipótese em exame, a presença de funcionário na estação, não teria o condão de evitar o acidente, por não ser factível que estivesse ao lado de cada um dos passageiros, ainda mais de passageira jovem, de apenas 29 anos de idade, que, em linha de princípio, não estaria a precisar de nenhum auxílio específico para ingressar na composição do metrô.
Segundo a doutrina, o fato de tratar-se de responsabilidade objetiva “não elimina a necessidade de demonstrar-se a presença do dano e do nexo causal entre o dano e a qualidade de agente público do autor do dano, ou a conexão com a prestação do serviço público. Desse modo, as situações que servem para afastar o nexo de causalidade, como o caso fortuito, a força maior, a culpa exclusiva da vítima e a culpa exclusiva de terceiro, da mesma forma servem para exonerar a responsabilidade do Estado pelos danos sofridos por particulares. Não basta, assim, que haja falha de conduta atribuível ao Estado ou a seus agentes. É necessário que se verifique no processo causal, claramente, a relação entre a atuação atribuída ao Estado e o dano do que se reclama indenização”.
O nexo de causalidade é o fator aglutinante que permite que o risco se integre na unidade do ato.
Não há, portanto, no caso, como considerar, à luz da teoria da causalidade adequada, a conduta da ré causa específica e determinante para o evento danoso, pois o risco de a passageira cair na linha férrea, sem que seja por fatores ligados à própria organização do serviço (v.g. tropeço pelo piso estar molhado ou escorregadio, tumulto por desorganização no embarque e desembarque da composição), é fortuito externo, isto é, risco não está abrangido pela esfera imputável objetivamente à concessionária de serviço público.
Ademais, não é compatível com o CDC o entendimento de que há um “dever específico de prevenir o evento letal por todos os meios de que possa conceber o conhecimento humano e de que esteja à sua altura fazê-lo e desde que ainda não seja caso de impossibilidade material”.
O defeito a que alude o art. 14, § 1º, do CDC consubstancia-se em falha que se desvia da normalidade, capaz de gerar uma frustração no consumidor ao não experimentar a segurança que ordinariamente se espera do produto ou serviço.
Assim, o defeito previsto no artigo não pode dizer respeito a um risco inerente do serviço ou produto de gerar danos, presente na generalidade dos transportes públicos que utilizam do mesmo modal, mas a algo que escapa do razoável, discrepante do padrão de outros serviços congêneres ou de outros exemplares do mesmo produto.
Além do mais, como máxima de experiência, não é a regra que trens de metrôs, inclusive em países com altíssimo nível de desenvolvimento econômico e social, tenham as denominadas “portas de plataforma” (Platform Screen Doors – PSD).
O recente art. 20 da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro, incluído pela Lei n. 13.655/2018, explicitou o dever do magistrado de considerar as consequências práticas da decisão.
Ao considerar o serviço defeituoso, estar-se-ia tacitamente a impor o dever, em violação da tripartição de poderes, de a Companhia instalar imediatamente a tecnologia mais moderna de segurança, sem qualquer necessário criterioso exame das repercussões econômicas e dos efeitos externos da decisão, como eventual abrupto aumento do preço da tarifa de transporte.
Mutatis mutandis, o Enunciado n. 446, da V Jornada de Direito Civil do CJF, propõe que a responsabilidade civil prevista na segunda parte do parágrafo único do art. 927 do CC deve levar em consideração não apenas a proteção da vítima e a atividade do ofensor, mas também a prevenção e o interesse da sociedade.
Por último, cumpre consignar que o caso não guarda nenhuma relação com aquele julgado pela Segunda Seção, em sede de recurso repetitivo, REsp 1.210.064/SP, Tema n. 517.
Isso porque não se trata de “omissão ou negligência do dever de vedação física das faixas de domínio da ferrovia com muros e cercas bem como da sinalização e da fiscalização dessas medidas garantidoras da segurança na circulação da população”, imposta por regulação do serviço público, em que o transeunte, de fato, seguindo o curso normal das coisas, inequivocamente pode vir a ser surpreendido e atropelado pela composição.
Na verdade, quanto à questão das portas de plataforma, que por ora ainda não são usuais na maioria dos metrôs, a questão é diferente, pois o acidente ocorreu bem no momento em que a composição se alinhava à estação e, como é de sabença, nas estações de metrô há faixa amarela de segurança, paralela à via férrea (atrás da qual, no mínimo, devem permanecer os usuários, ainda mais sentindo incontroverso mal-estar), sendo certo que a aproximação do usuário da composição/linha férrea deve ocorrer apenas após o efetivo alinhamento da composição à estação, seguido de abertura de portas do trem e, em regra, de aviso sonoro.
Portanto, cabe ressalvar que o caso é diverso daquele que foi solucionado pelo recurso repetitivo, e que não se adota o fundamento de culpa exclusiva da vítima da sentença, mas de fortuito externo, sem relação de causa e efeito com a organização do serviço.
REsp 1.998.206-DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 14/06/2022.
DIREITO CIVIL, DIREITO DO CONSUMIDOR
Inadimplemento contratual. Direito subjetivo da revisão contratual diante dos efeitos advindos da pandemia da Covid-19. Redução proporcional do valor das mensalidades escolares. Continuidade da prestação dos serviços. Equilíbrio econômico e financeiro. Inviabilidade na redução do valor da mensalidade.
A situação decorrente da pandemia pela Covid-19 não constitui fato superveniente apto a viabilizar a revisão judicial de contrato de prestação de serviços educacionais com a redução proporcional do valor das mensalidades.
A solução da controvérsia passa pela análise das regras e princípios em torno do inadimplemento contratual (ainda que parcial), sobretudo no âmbito das relações de consumo, indagando-se se, em tal cenário, se é possível ao consumidor invocar o direito subjetivo da revisão contratual diante dos efeitos advindos da pandemia da Covid-19, como fundamento para autorizar a redução proporcional do valor das mensalidades escolares.
Cabe anotar, inicialmente, que há consenso doutrinário no sentido de que as relações contratuais privadas são regidas, em linha de princípio, por três vertentes revisionistas, quais sejam a) teoria da base objetiva do contrato, aplicável, em regra às relações de consumo (art. 6º, inciso V, do CDC); b) a teoria da imprevisão (art. 317 do CC) e; c) a teoria da onerosidade excessiva (art. 478 do CC)
Para a revisão do contrato com base na teoria da imprevisão ou da onerosidade excessiva, previstas no CC, exige-se ainda que o fato (superveniente) seja imprevisível e extraordinário, e que deste fato, além do desequilíbrio econômico e financeiro, decorra situação de vantagem extrema para uma das partes, relacionando-se, portanto, à vedação do enriquecimento ilícito.
No caso da pandemia causada pelo coronavírus, dúvida não há quanto aos efeitos nefastos causados na economia mundial e nas relações privadas.
Considerando o arcabouço normativo sobre o tema, embora os efeitos decorrentes da pandemia revelem-se supervenientes e capazes de alterar as bases objetivas em que celebrado o contrato, não parece evidenciado o desequilíbrio excessivo na relação jurídica apta a autorizar a redução do valor das mensalidades.
Sobressai como ponto central a ideia de que a revisão dos contratos em razão da pandemia não consiste em decorrência lógica ou automática, devendo-se levar em conta, sobretudo, a natureza do contrato e a conduta, tanto no âmbito material como na esfera processual das partes envolvidas.
A análise do desequilíbrio econômico e financeiro deve ser realizada, portanto, com base no grau do desequilíbrio e nos ônus a serem suportados pelas partes, na específica situação de o evento superveniente não se encontrar na esfera de responsabilidade da atividade econômica do fornecedor, como ocorre no caso em análise.
Ademais, como visto, os princípios da função social dos contratos e da boa-fé, deverão ser sopesados com especial rigor, a fim de bem delimitar as hipóteses em que a onerosidade sobressai como fator de inviabilidade absoluta do negócio – situação que deve ser reequilibrada, tanto pelas como pelo Poder Judiciário – e aquelas que revelem ônus moderado ou mesmo situação de oportunismo para uma das partes.
Nesse contexto, embora os serviços não tenham sido prestados da forma como contratado, não há se falar em falha do dever de informação ou desequilíbrio econômico financeiro imoderado para a consumidora.
A mera alegação de redução de condições financeiras da recorrente, por sua vez, e o incremento dos gastos com serviços de tecnologia, não inviabilizaram a continuidade da prestação dos serviços.
A afirmação de que teria havido diminuição dos custos da escola, por outro lado, além de não se evidenciar como requisito à revisão com base na quebra da base objetiva do contrato, não é a tônica da revisão com fundamento na quebra da base objetiva do negócio, não se compatibiliza com os princípios da boa-fé objetiva e da função social do contrato, na especial conjuntura econômica e social que a todos assolava o país à época.
A diretriz da boa-fé deveria ser observada, portanto, especialmente quando os ônus suportados pelo consumidor não se revelaram desmesurados ou impeditivos do alcance da função do contrato.
É ainda a mesma diretriz responsável pela interpretação da situação da pandemia, no caso concreto, como hipótese de fortuito externo, apto a afastar a responsabilidade da escola.
REsp 1.854.818-DF, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, Rel. Acd. Min. Marco Buzzi, Quarta Turma, por maioria, julgado em 07/06/2022.
DIREITO PREVIDENCIÁRIO
Entidade fechada de previdência privada. Equiparação à instituições financeiras. Impossibilidade. Contratos de mútuo. Cobrança de juros remuneratórios. Limite legal. Capitalização. Periodicidade anual.
Nos contratos de mútuo celebrados pelas entidades fechadas de previdência complementar com seus beneficiários, é ilegítima a cobrança de juros remuneratórios acima do limite legal, autorizada a capitalização de juros somente na periodicidade anual, desde que pactuada, após a entrada em vigor do Código Civil de 2002.
Cinge-se a controvérsia principal à averiguação da possibilidade de entidade fechada de previdência privada atuar como instituição financeira e, consequentemente, nas relações creditícias mantidas com seus beneficiários, cobrar juros capitalizados, em qualquer periodicidade.
As entidades fechadas de previdência complementar (EFPC) são organizações mantidas para a administração dos fundos de pensão, sendo necessariamente organizadas sob a forma de fundação (privada) ou sociedade civil, sem fins lucrativos (LC 109/2001, art. 31, § 1º, e LC 108/2001, art. 9º, parágrafo único), ao passo que, para as entidades abertas, foi prevista sua organização sob a forma de sociedades anônimas, regidas pela Lei n. 6.404/1076.
Isso porque, enquanto as entidades abertas visam precipuamente ao lucro, os fundos de pensão não podem, por expressa previsão legal, perseguir tal objetivo. Assim, sua principal atividade é gerenciar/administrar a previdência privada dos funcionários de determinada empresa ou profissionais associados a alguma entidade de classe.
Ao contrário das entidades abertas – que se aproximam mais das instituições financeiras em seus fins, nada obstante, pelo desenho constitucional estabelecido (art. 202), também se submetam ao mesmo regime jurídico dos fundos de pensão -, as entidades fechadas de previdência complementar não têm natureza comercial, e a elas não se aplica o Código de Defesa do Consumidor, consoante já sedimentado por esta Corte Superior nos termos do enunciado sumular n. 563/STJ.
Assim, o Código de Defesa do Consumidor não incide à relação jurídica mantida entre a entidade fechada de previdência privada e seus participantes/beneficiários/assistidos, porquanto o patrimônio da entidade e respectivos rendimentos revertem-se integralmente na concessão e manutenção do pagamento de benefícios, prevalecendo o associativismo e o mutualismo, o que afasta o intuito lucrativo, ou seja, referidas entidades têm por finalidade a atividade protetivo-previdenciária, e não de fomento ao crédito. Desse modo, o fundo de pensão não se enquadra no conceito legal de fornecedor, pois apenas administra os planos (consoante o art. 34, inciso I, da LC n. 109/2001), havendo, conforme dispõe o artigo 35 da referida norma, gestão compartilhada entre representantes dos participantes e assistidos e dos patrocinadores nos conselhos deliberativo (órgão máximo da estrutura organizacional) e fiscal (órgão de controle interno), ou seja, o participante tem postura ativa na gestão do fundo de pensão.
Dessa forma, em razão da mesma lógica dedutiva e jurídica, amparada nas características inerentes à entidade fechada de previdência complementar, notadamente o associativismo, o mutualismo, a solidariedade entre os seus participantes, não se pode conceber que eventuais empréstimos de dinheiro realizados pela instituição (mera gestora/administradora), com os beneficiários do plano possa ser admitido/concebido nos moldes daqueles realizados pelas instituições financeiras. Afinal, os valores alocados ao fundo comum obtido, na verdade, pertencem aos participantes e beneficiários do plano, existindo explícito mecanismo de solidariedade, de modo que todo excedente do fundo de pensão é aproveitado em favor de seus próprios integrantes.
Faz-se breve digressão para salientar que, com a edição da Lei n. 8.177/1991, houve grande discussão no mercado de previdência complementar, pois ao tempo pretendeu o legislador enquadrar e equiparar as duas modalidades de entidades de previdência às instituições financeiras, conforme enunciado no artigo 29.
Contra tal dispositivo, foi manejada Ação Direta de Inconstitucionalidade, junto ao Supremo Tribunal Federal (ADI 504-9/DF, de relatoria do eminente Ministro Paulo Brosssard), tendo o STF, na data de 18/12/1991, suspendido liminarmente a aplicação do referido artigo, por entendê-lo inconstitucional, porém, o julgamento do mérito restou prejudicado por força da entrada em vigor da LC 109/2001 a qual, obedecendo ao comando do artigo 202 da Constituição Federal, com a redação introduzida pela Emenda Constitucional n. 20/98, tornou-se a nova Lei da Previdência Privada.
Conquanto tenha havido um movimento para integrar as entidades de previdência privada ao sistema financeiro nacional, em nossos dias, além de estarem mantidas na Ordem Social Constitucional, apenas as entidades abertas de previdência complementar são equiparadas às instituições financeiras, estando autorizadas, por esse motivo a realizar as mais diversas operações, visto que não submetidas à Lei de Usura (Decreto n. 22.626/33) e às determinações legais posteriores a ela inerentes.
Contrariamente, não estando as entidades fechadas de previdência equiparadas a instituições financeiras, e não sendo considerada fornecedora, está submetida, nas operações creditícias que realiza à lei usurária, a qual estabelece, de forma expressa no artigo 1º estipular em quaisquer contratos taxas de juros superiores ao dobro da taxa legal e no artigo 4º ser proibido contar juros dos juros.
Por sua vez, o Código Civil de 2002 estabeleceu que os juros remuneratórios, quando não convencionados entre as partes, deverão ser fixados nos termos da taxa que estiver em vigor para o pagamento de impostos da Fazenda Nacional, permitindo, contudo, a capitalização anual.
Inegavelmente, em regra, não há proibição legal para empréstimo de dinheiro entre pessoas físicas ou pessoas jurídicas que não componham o sistema financeiro nacional. Há vedação, entretanto, para a cobrança juros, comissões ou descontos percentuais sobre dívidas em dinheiro superiores à taxa permitida por lei, cuja inobservância pode configurar crime nos termos da Lei de Usura.
No caso do mútuo firmado entre particulares ou pessoa jurídica não integrante do sistema financeiro nacional, tal como a hipótese ora em foco, o limite da taxa de juros remuneratórios segundo entendimento consolidado é de 1% (Código Civil, arts. 591, 406; e Código Tributário Nacional, art. 161, §1º), sendo viável a capitalização anual, desde que expressamente pactuada.
Esse é o ponto nodal de todo o sistema diferenciado das entidades de previdência complementar, sendo que, com base nessas distinções, a jurisprudência do STJ, há muito vem edificando compreensão no sentido de que, por serem as entidades fechadas de previdência complementar instituições sem fins lucrativos, não equiparáveis a instituições financeiras desde a LC n. 109/2001 e destinadas à proteção previdenciária de seus participantes, nos contratos de mútuo celebrados com seus participantes, estão inviabilizados de cobrar juros remuneratórios acima do limite legal e, somente após a entrada em vigor do Código Civil de 2002, capitalização de juros na periodicidade anual dos seus mutuários.
Por óbvio, tendo em vista que as entidades de previdência fechada não integram o sistema financeiro nacional, inviável dizer pudessem cobrar capitalização de juros de seus participantes nos contratos de crédito que entabulava com base nos artigos 5º da MP n. 1963-17/2000 e posterior MP n. 2.170-36 de 2001, pois tais dispositivos, por expressa disposição apenas se aplica às “operações realizadas pelas instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional”.
Assim, não há apenas a proibição legal à obtenção de lucro pelas entidades fechadas (art. 31, § 1º da LC 109/2001 e art. 9º, parágrafo único da LC 108/2001), mas, também, expressa vedação, estabelecida na própria lei, para a cobrança de juros remuneratórios acima da taxa legal e capitalização em periodicidade diversa da anual (art. 1º do Decreto n. 22.626/33, arts. 406 e 591 do CC/2002 e art. 161, § 1º do CTN), já que não são equiparadas ou equiparáveis a instituições financeiras.
Saiba mais:
AgRg no HC 737.657-PE, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 14/06/2022.
Medidas cautelares diversas da prisão. Retenção do passaporte e proibição de deixar o país. Circunstâncias do caso concreto. Alegação de excesso de prazo. Irrazoabilidade.
Não há disposição legal que restrinja o prazo das medidas cautelares diversas da prisão, as quais podem perdurar enquanto presentes os requisitos do art. 282 do Código de Processo Penal, devidamente observadas as peculiaridades do caso e do agente
Trata-se da manutenção de medidas menos gravosas que a prisão decretadas com a presença de fundamentos concretos e contemporâneos aos fatos imputados.
Isso porque as circunstâncias do caso concreto, em que a paciente é acusada de reiteradamente internalizar mercadorias importadas, de alto valor, sem o correspondente pagamento de tributos, no contexto de transnacionalidade, justificam a manutenção da medida cautelar de retenção do passaporte.
Conquanto a paciente esteja cumprindo as referidas medidas cautelares há tempo considerável, não é possível se reconhecer a existência de retardo abusivo e injustificado, de forma a caracterizar desproporcional excesso de prazo no cumprimento da medida.
Vale destacar que não há disposição legal que restrinja o prazo das medidas cautelares diversas da prisão, as quais podem perdurar enquanto presentes os requisitos do art. 282 do Código de Processo Penal, devidamente observadas as peculiaridades do caso e do agente.
Doutrinahttps://youtu.be/V-VNZBWxXAw
REsp 1.972.098-SC, Rel. Min. Ribeiro Dantas, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 14/06/2022, DJe 20/06/2022.
DIREITO PROCESSUAL PENAL
Proposta de alteração da jurisprudência. Súmula 545/STJ. Pretendido afastamento da atenuante da confissão, quando não utilizada para fundamentar a sentença condenatória. Descabimento. Ausência de previsão legal. Princípios da legalidade, isonomia e individualização da pena. Interpretação do art. 65, III, “d”, do CP. Proteção da confiança (vertrauensschutz) que o réu, de boa-fé, deposita no sistema jurídico ao optar pela confissão.
O réu fará jus à atenuante do art. 65, III, ‘d’, do CP quando houver admitido a autoria do crime perante a autoridade, independentemente de a confissão ser utilizada pelo juiz como um dos fundamentos da sentença condenatória, e mesmo que seja ela parcial, qualificada, extrajudicial ou retratada.
Trata-se de proposta do Ministério Público para interpretação a contrario sensu da Súmula 545/STJ para concluir que, quando a confissão não for utilizada como um dos fundamentos da sentença condenatória, o réu, mesmo tendo confessado, não fará jus à atenuante respectiva.
Contudo, tal compreensão, embora esteja presente em alguns julgados recentes desta Corte Superior, não encontra amparo em nenhum dos precedentes geradores da Súmula 545/STJ. Estes precedentes instituíram para o réu a garantia de que a atenuante incide mesmo nos casos de confissão qualificada, parcial, extrajudicial, retratada, etc. Nenhum deles, porém, ordenou a exclusão da atenuante quando a confissão não for empregada na motivação da sentença, até porque esse tema não foi apreciado quando da formação do enunciado sumular.
Nesse sentido, o art. 65, III, “d”, do CP não exige, para sua incidência, que a confissão do réu tenha sido empregada na sentença como uma das razões da condenação. Com efeito, o direito subjetivo à atenuação da pena surge quando o réu confessa (momento constitutivo), e não quando o juiz cita sua confissão na fundamentação da sentença condenatória (momento meramente declaratório).
Ademais, viola o princípio da legalidade condicionar a atenuação da pena à citação expressa da confissão na sentença como razão decisória, mormente porque o direito subjetivo e preexistente do réu não pode ficar disponível ao arbítrio do julgador. Afinal, se a lei condicionasse a atenuação da pena à menção da confissão na sentença condenatória, haveria um pressuposto adicional que mudaria o momento constitutivo do direito subjetivo do réu. Da mesma forma, caso o art. 65, III, “d”, do CP impusesse à confissão pressupostos adicionais, não previstos para as demais atenuantes, ou exigisse que a confissão produzisse certos efeitos práticos sobre a investigação criminal, não haveria que se falar em legítima expectativa à redução da pena por parte do acusado que não cumprisse todos os requisitos legais.
Essa restrição ofende também os princípios da isonomia e da individualização da pena, por permitir que réus em situações processuais idênticas recebam respostas divergentes do Judiciário, caso a sentença condenatória de um deles elenque a confissão como um dos pilares da condenação e a outra não o faça.
Ao contrário da colaboração e da delação premiadas, a atenuante da confissão não se fundamenta nos efeitos ou facilidades que a admissão dos fatos pelo réu eventualmente traga para a apuração do crime (dimensão prática), mas sim no senso de responsabilidade pessoal do acusado, que é característica de sua personalidade, na forma do art. 67 do CP (dimensão psíquico-moral).
Consequentemente, a existência de outras provas da culpabilidade do acusado, e mesmo eventual prisão em flagrante, não autorizam o julgador a recusar a atenuação da pena, em especial porque a confissão, enquanto espécie sui generis de prova, corrobora objetivamente as demais.
O sistema jurídico precisa proteger a confiança depositada de boa-fé pelo acusado na legislação penal, tutelando sua expectativa legítima e induzida pela própria lei quanto à atenuação da pena. A decisão pela confissão, afinal, é ponderada pelo réu considerando o trade-off entre a diminuição de suas chances de absolvição e a expectativa de redução da reprimenda.
É contraditória e viola a boa-fé objetiva a postura do Estado em garantir a atenuação da pena pela confissão, na via legislativa, a fim de estimular que acusados confessem; para depois desconsiderá-la no processo judicial, valendo-se de requisitos não previstos em lei.
Por tudo isso, o réu fará jus à atenuante do art. 65, III, “d”, do CP quando houver confessado a autoria do crime perante a autoridade, independentemente de a confissão ser utilizada pelo juiz como um dos fundamentos da sentença condenatória.
Saiba mais:
AgRg no HC 732.642-SP, Rel. Min. Jesuíno Rissato (Desembargador convocado do TJDFT), Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 24/05/2022, DJe 30/05/2022.
DIREITO PROCESSUAL PENAL
Pedido de reconhecimento de nulidade. Oitiva de testemunha sem a presença do paciente. Nulidade relativa. Ausência de demonstração do prejuízo. Preclusão. Vício só alegado em revisão criminal. Nulidade de algibeira. Impossibilidade.
É inadmissível a chamada “nulidade de algibeira” – aquela que, podendo ser sanada pela insurgência imediata da defesa após ciência do vício, não é alegada, como estratégia, numa perspectiva de melhor conveniência futura.
Trata-se de discussão em que a defesa técnica compareceu ao ato de oitiva de testemunha e não alegou nulidade. Tampouco suscitou a suposta nulidade em fase anterior ao ajuizamento da revisão criminal. Nesse contexto, convém expressar que “esta Corte Federal firmou já entendimento no sentido de que, tratando-se de nulidade relativa, a ausência do réu na audiência de inquirição de testemunhas, além de requisitar a demonstração do efetivo prejuízo, deve ser argüida na primeira oportunidade, sob pena de preclusão. Precedentes” (HC n. 28.127/SP, Sexta Turma, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, DJ de 06/02/2006, p. 325).
Além disso, a jurisprudência dos Tribunais Superiores não tolera a chamada “nulidade de algibeira” – aquela que, podendo ser sanada pela insurgência imediata da defesa após ciência do vício, não é alegada, como estratégia, numa perspectiva de melhor conveniência futura. Observe-se que tal atitude não encontra ressonância no sistema jurídico vigente, pautado no princípio da boa-fé processual, que exige lealdade de todos os agentes processuais.
IAC no CC 187.276-RS, Rel. Min. Gurgel de Faria, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 31/05/2022, DJe 13/06/2022
DIREITO PROCESSUAL CIVIL
A Primeira Seção admitiu o Incidente de Assunção de Competência nos Conflitos de Competências n. 187.276/RS, 187.533/SC e 188.00/SC, a fim de uniformizar o entendimento a respeito da seguinte controvérsia: tratando-se de medicamento não incluído nas políticas públicas, mas devidamente registrado na ANVISA, analisar se compete ao autor a faculdade de eleger contra quem pretende demandar, em face da responsabilidade solidária dos entes federados na prestação de saúde, e, em consequência, examinar se é indevida a inclusão da União no polo passivo da demanda, seja por ato de ofício, seja por intimação da parte para emendar a inicial, sem prévia consulta à Justiça Federal.
AgRg na APn 973-RJ, Rel. Min. Benedito Gonçalves, Corte Especial, julgado em 15/06/2022.
DIREITO PENAL
Foro por prerrogativa de função. Vice-governador. Período remanescente na mesma unidade federativa. Competência. Pedido de vista.
Cinge-se a controvérsia a definir o alcance do foro por prerrogativa de função no STJ por eventuais infrações penais praticadas pelo vice-governador empossado em período remanescente do cargo de governador na mesma unidade federativa.
O Sr. Ministro Relator Benedito Gonçalves declinou da competência. Ressaltou que, em suma, supostas infrações penais praticadas pelo então Vice-Governador, hoje Governador do Estado do Rio de Janeiro, naquela primeira condição, não atraem a competência originária do STJ, pois não ocupava o cargo de Governador à época dos fatos em apuração; tampouco atraem a competência do Tribunal de Justiça, porquanto hoje não mais ocupa o cargo de Vice-Governador.
Por seu turno, em seu voto-vista, o Sr. Ministro Luis Felipe Salomão suscitou questão de ordem, no sentido de reconhecer a competência do Superior Tribunal de Justiça para processar e julgar o feito em relação ao atual Governador do Estado do Rio de Janeiro, e, subsidiariamente, caso não acolhida a proposta, reconhecer a competência do Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro para processar e julgar o feito em relação ao mesmo investigado.
Pediu vista regimental o Sr. Ministro Relator.