Augusto Aras manifestou-se em ADPFs de partidos políticos que questionaram ato do presidente da República
O decreto de graça é ato politico da competência privativa do presidente da República, que tem ampla liberdade para definir os critérios de concessão. A partir desse entendimento o procurador-geral da República, Augusto Aras, manifestou de forma contrária a quatro Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) que questionaram ato que beneficiou o deputado federal pelo Rio de Janeiro Daniel Silveira (sem partido), condenado pelo Supremo Tribunal Federal (STF). A manifestação foi enviada na noite desta quarta-feira (25) à ministra Rosa Weber, relatora das ações. Na manifestação, Aras pontua que os efeitos do instrumento restringem-se à condenação penal, não atingindo eventual responsabilização em outras esferas, como a eleitoral.
Na manifestação, Augusto Aras esclarece que o exercício do poder de graça não interfere na suspensão dos direitos políticos, após o trânsito em julgado da ação. Também não alcança eventuais decisões quanto à perda de mandato político e, como consequência, não interfere em possível inelegibilidade decorrente da condenação. Segundo destacou, esses efeitos são decorrentes de apreciação do caso pela Justiça Eleitoral. “A graça e o indulto não eximem seus beneficiários de eventual responsabilização nas searas cível, administrativa, eleitoral ou nas demais esferas do direito em que possa repercutir a prática do fato delituoso”, reiterou.
Inelegibilidade – Aras lembra que compete à Justiça Eleitoral avaliar, no momento de pedido de registro de candidatura, se os candidatos reúnem as condições de elegibilidade para que possam disputar o pleito. Segundo ele, aceitar os pedidos apresentados pelas legendas – para que o parlamentar tenha os direitos políticos suspensos – seria converter a decisão da ADPF “em um pronunciamento declaratório de efeitos jurídicos que não podem ser reconhecidos no âmbito das ações de controle concentrado de constitucionalidade”.
O decreto que beneficiou o parlamentar foi editado pelo presidente Jair Bolsonaro no dia 21 de abril, um dia após a decisão do STF, que condenou o parlamentar a 8 anos e 9 meses pelos crimes de coação no curso do processo e incitação da prática de tentar impedir ou restringir com emprego de violência ou grave ameaça o exercício dos poderes constitucionais. Quatro partidos políticos – PDT, Rede Sustentabilidade, PSOL e Cidadania apresentaram ADPF com o objetivo de invalidar o ato. Ao analisar os pedidos, o PGR destacou a natureza jurídica do instrumento questionado, lembrando que graça (de caráter individual) e indulto (coletivo) são meios pelos quais “o Estado manifesta renúncia ao ius puniendi, oferecendo perdão ao cometimento de infrações penais”. O resultado de ambos é a extinção da punibilidade.
Outro aspecto destacado na manifestação é o histórico do instrumento que, como lembra o PGR, sempre constou dos textos constitucionais brasileiros e cuja competência, na era republicana, é reservada ao chefe do Poder Executivo. De acordo com Aras, o poder de clemência do Estado materializado na concessão do indulto ou da graça tem razões políticas e transcendem o caráter humanitário, podendo abarcar as mais diversas razões institucionais e sociais. “No exercício do poder de graça soberana, o presidente da República desempenha atribuição política que tem, como predicado essencial, a máxima discricionariedade”.
O documento rebate ainda a alegação de desvio de poder ou de finalidade no ato que concedeu a graça ao parlamentar. Para o procurador-geral, por tratar-se de ato discricionário de natureza política, o ato de clemência soberana não está sujeito a controle jurisdicional. O parecer cita decisão tomada pela Suprema Corte tomada em maio de 2019 quando a maioria dos ministros “ afastou a possibilidade de o Judiciário adentrar no mérito do indulto coletivo, isto é, de proceder a uma reavaliação do juízo político de conveniência e oportunidade da concessão do benefício”.
A manifestação do PGR é no sentido de que uma das ações, a ADPF 964, não seja conhecida por questão processual, e que as demais sejam conhecidas e no mérito consideradas improcedentes.
O parecer ficou assim ementado:
ARGUIÇÕES DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. PENAL E CONSTITUCIONAL. DECRETO DE 21.4.2022 DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA. GRAÇA CONSTITUCIONAL (INDULTO INDIVIDUAL) A PARLAMENTAR CONDENADO POR CRIMES NÃO HEDIONDOS A PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE E A MULTA ANTES DO TRÂNSITO EM JULGADO DA CONDENAÇÃO. PRELIMINAR DE NÃO CONHECIMENTO. PETIÇÃO ASSINADA POR ADVOGADA IMPEDIDA. ATO NULO. MÉRITO. DECRETO CONCESSIVO DA GRAÇA. ATO DE CARÁTER EMINENTEMENTE POLÍTICO DA COMPETÊNCIA PRIVATIVA DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA. AMPLA LIBERDADE PARA DEFINIÇÃO DOS CRITÉRIOS DE SUA EMANAÇÃO. REVISÃO JUDICIAL RESTRITA AOS CONDICIONAMENTOS CONSTITUCIONAIS EXPRESSOS (CF, ARTS. 5º, XLIII, E 84, XII E PARÁGRAFO ÚNICO). POSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DE GRAÇA ANTES DO TRÂNSITO EM JULGADO DA CONDENAÇÃO. ALCANCE DOS INSTITUTOS DA GRAÇA E DO INDULTO LIMITADO AO ÂMBITO DO DIREITO PENAL. NÃO INCIDÊNCIA SOBRE OS EFEITOS EXTRAPENAIS DA CONDENAÇÃO. PARECER PELO NÃO CONHECIMENTO DA ADPF 964 E PELA ADMISSÃO DAS DEMAIS ARGUIÇÕES, E, NO MÉRITO, PELA IMPROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS; 1. Configura impedimento ao exercício da advocacia por servidor público federal a atuação em processo de controle concentrado em face de decreto do Presidente da República, por se tratar de ato praticado no âmbito da mesma pessoa de direito público que o remunera (União), na forma do art. 30, I, da Lei 8.906/1994 (Estatuto da OAB); 2. Por força do art. 4º, parágrafo único, da Lei 8.906/1994 (Estatuto da OAB), é nula de pleno direito a petição inicial de ADPF subscrita unicamente por advogada impedida circunstancialmente para atuar contra a pessoa jurídica de direito público União, da qual emana o ato do Poder Público questionado nesta arguição; 3. O poder de clemência soberana do Estado, de que é espécie a graça ou indulto individual, como expressão de competência constitucional qualificada por politicidade máxima, manifesta-se em atos políticos caracterizados pela mais ampla margem de avaliação política, e não se sujeitam, por isso mesmo, às limitações que incidem sobre os atos administrativos em geral, mesmo os especialmente qualificados por uma dilatada discricionariedade; 4. A graça e o indulto, por configurarem atos políticos dotados de ampla liberdade de conformação, revelam- se insuscetíveis de avaliação judicial quanto aos destinatários, ao conteúdo, às razões, aos motivos determinantes e aos fins políticos que tenham por escopo, somente se expondo a controle jurisdicional em caso de manifesta afronta às limitações materiais explícitas que gravam sobre essa espécie de ato político ou a exigências de cunho procedimental, encontradas nos arts. 5º, XLIII, e 84, XII e parágrafo único, da Constituição Federal; 5. Não afronta os arts. 5º, XLIII, e 84, XII e parágrafo único, da Constituição Federal decreto concessivo de graça a parlamentar condenado pelo Supremo Tribunal Federal como incurso nas penas do art. 18 da Lei 7.170/1983 e do art. 344 do Código Penal, editado no exercício de competência presidencial expressamente prevista na Constituição da República; 6. O poder de clemência soberana do Estado, expresso em ato de graça ou de indulto, pode alcançar títulos judiciais não definitivos, não se deparando, na Constituição da República, com exigência, a que supostamente se condicionariam a válida emanação e ou a eficácia do ato, de trânsito em julgado da condenação. Precedente: ADI 5874/DF; 7. No Direito brasileiro, o exercício do poder de graça não interfere na suspensão dos direitos políticos, após o trânsito em julgado, em decorrência da condenação, e, tampouco, no que venha a ser ou tenha sido decidido quanto à perda de mandato político. Nenhuma interferência surte, ademais, no tocante a eventual inelegibilidade decorrente da condenação; – Parecer, preliminarmente, pelo não conhecimento da ADPF 964, e pela admissibilidade das demais arguições de descumprimento de preceito fundamental, e, no mérito, pela improcedência dos pedidos.
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