Somente se aplica a Convenção de Haia quando demonstrada a ilicitude da transferência de menor para outro país, decide TRF1

Por verificar que ambos os genitores têm o direito de decidir sobre o local de residência dos menores, podendo negar consentimento para viagens ao exterior, e que à Justiça Federal não compete decidir sobre a guarda dos menores, mas apenas se devem regressar ao País de onde foram retirados sem o consentimento expresso dos pais, a 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) negou provimento à apelação da União contra a sentença do Juízo da 1ª Vara Federal de Goiás que julgou improcedente o pedido. A ação foi proposta pela União objetivando a busca, apreensão e restituição dos menores a um representante do Estado da França, nos termos da Convenção sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Menores.

Ao analisar o caso, o relator, desembargador federal Souza Prudente, afirmou que ficou plenamente demonstrado nos autos que não houve transferência ilícita dos menores para o Brasil ou retenção indevida a ensejar a aplicação da Convenção de Haia de 1980 sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças, promulgada pelo Decreto n. 3.413/2000. Isso porque, à época da vinda da genitora ao Brasil com os três filhos, inexistia decisão judicial que fixasse a residência dos menores na França, prevalecendo, de acordo com a legislação francesa, a possibilidade de alternância no domicílio de cada um dos pais ou no domicílio de um deles.

Ademais, destacou o relator, extrai-se dos autos que os menores estão muito bem integrados à vida familiar, escolar e social no Brasil, sendo que eventual determinação de retorno à França pode implicar no comprometimento do convívio com a mãe, uma vez que ela exerce cargo público e não possui condições de fixar residência na França. Para o desembargador, tais razões recomendam a manutenção da situação já consolidada, em conformidade com o melhor interesse das crianças, até que o juízo competente, da Vara de Família, se pronuncie definitivamente sobre o direito de guarda e de visitas.

Em assim sendo, concluiu o relator, considerando as circunstâncias do caso, a solução que melhor atende ao interesse dos três menores é a permanência no Brasil, salientando que nada impede que as questões relativas ao direito de guarda, direito de visitas, contatos por meios digitais e pensão alimentícia sejam examinadas pelo juízo competente, da Vara de Família.

O recurso ficou assim ementado:

DIREITO INTERNACIONAL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE BUSCA, APREENSÃO E RESTITUIÇÃO DE MENOR. CONVENÇÃO DA HAIA SOBRE OS ASPECTOS CIVIS DO SEQUESTRO INTERNACIONAL DE CRIANÇAS. RETENÇÃO DE CRIANÇAS NO BRASIL. GENITORA BRASILEIRA NATA. AUSÊNCIA DE RESIDÊNCIA HABITUAL EM PAÍS ESTRANGEIRO. ADAPTAÇÃO AO NOVO AMBIENTE SOCIAL. RISCO DE DANOS PSÍQUICOS E EMOCIONAIS. RESTITUIÇÃO NÃO RECOMENDÁVEL. PEDIDO IMPROCEDENTE. SENTENÇA CONFIRMADA.

I – A Convenção da Haia sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças, promulgada pelo Decreto n. 3.413/2000, tem por objetivo assegurar o retorno imediato de crianças ilicitamente transferidas para qualquer Estado Contratante ou nele retidas indevidamente.

II – Na espécie, restou plenamente demonstrado nos autos que não houve transferência ilícita dos menores para o Brasil ou retenção indevida, a ensejar a aplicação da Convenção de Haia de 1980, sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças, promulgada pelo Decreto nº 3.413/2000, na medida em que, à época da vinda da genitora ao Brasil com os três filhos, inexistia decisão judicial que fixasse a residência dos menores na França, prevalecendo, de acordo com a legislação francesa, a possibilidade de alternância no domicílio de cada um dos pais ou no domicílio de um deles.

III – Ademais, extrai-se dos autos que os menores estão muito bem integrados à vida familiar, escolar e social no Brasil, sendo que eventual determinação de retorno à França pode implicar em grave comprometimento do convívio com a mãe, uma vez que exerce cargo público e não possui condições de fixar residência na França, a recomendar a manutenção da situação já consolidada, em conformidade com o melhor interesse das crianças, até que o juízo competente, da Vara de Família, se pronuncie definitivamente sobre o direito de guarda e de visitas.

IV – Nesse contexto, a espécie dos autos se amolda à previsão da alínea b do art. 13 da Convenção de Haia, que afirma a não obrigatoriedade de a autoridade judicial ou administrativa do Estado requerido ordenar o retorno da criança quando comprovado o risco de lesão física ou psíquica à criança, como se verifica no caso a possibilidade de grave abalo psíquico e emocional de crianças plenamente integradas ao novo meio ambiente familiar e social, desde 2014. Precedentes deste egrégio Tribunal e do colendo Superior Tribunal de Justiça.

V Remessa Necessária e Apelação da União Federal desprovidas. Sentença confirmada. A verba honorária restou fixada em R$ 3.000,00 (três mil reais), nos termos dos §§ 8º e 11 do CPC vigente.

A decisão foi unânime.

Processo 0001209-53.2016.4.01.3500

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