Ele tinha de transitar em roupas íntimas na troca das vestimentas.
A Segunda Turma do Tribunal Superior do Trabalho condenou a Seara Alimentos, de Seara (SC), ao pagamento de indenização a um empregado que tinha de se deslocar em roupas íntimas diante dos demais colegas durante a troca de uniforme, ao passar pela barreira sanitária. Para o órgão, esse fato viola direitos de privacidade e dignidade do trabalhador.
Trajes íntimos
Na reclamação trabalhista, o empregado, que atuava no setor de presuntaria, sustentou que os trabalhadores da empresa eram obrigados a se despir em um ponto do vestuário e a circular seminus diante dos demais colegas até o local onde vestiriam o uniforme, num trajeto de 10 a 15 metros. De acordo com seu relato, quem entrega os uniformes para os homens são mulheres, que os veem apenas de cueca.
Barreira sanitária
Em sua defesa, a Seara argumentou que a troca de roupa, no caso dos frigoríficos, é disciplinada por uma portaria do Serviço de Inspeção Federal (SIF), vinculado ao Ministério da Agricultura, que determina o uso de roupa branca e, consequentemente, veda o uso de roupas comuns. Segundo a empresa, seria “inimaginável” que os empregados pudessem trabalhar com suas próprias roupas e seus próprios costumes (“cabelos longos e não protegidos, bermudas, chinelos, etc.”), o que colocaria em risco a higiene e a sanidade dos produtos fabricados.
Mero aborrecimento
Para o juízo da Vara do Trabalho de Concórdia (SC), a circulação em trajes íntimos durante a troca de uniforme é uma obrigação legal imposta à empresa, que atua no ramo alimentício, e representaria “mero aborrecimento” do empregado, “semelhante à utilização de banheiros públicos ou ida a balneários, nos quais também se circula em trajes menores”.
O Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região (SC) manteve a sentença, por entender que o empregado não havia demonstrado que, ao participar dessa rotina, tenha sido submetido a situação vexatória ou tenha sido alvo de chacotas. Segundo o TRT, a situação não é capaz de atingir a honra, a boa fama ou o relacionamento familiar, funcional ou social do homem comum.
Dignidade humana
A relatora do recurso de revista do empregado, ministra Maria Helena Mallmann, explicou que o fato de os trabalhadores serem obrigados a transitar de roupas íntimas durante a troca de uniforme ou quando ficam despidos na presença de outros colegas durante o uso do chuveiro (sem portas) viola princípios basilares da atual ordem constitucional que dizem respeito à proteção da dignidade humana e da valorização do trabalho humano. Um dos precedentes citados por ela assinala que o fato de a barreira sanitária visar assegurar o processamento de alimentos em ambiente higienizado “não autoriza o desapreço à proteção da intimidade do empregado”.
O recurso ficou assim ementado:
I – AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI N.º 13.015/2014.
HORAS EXTRAS. SOBREAVISO. TEMPO À DISPOSIÇÃO. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DENEGATÓRIA NOS TERMOS EM QUE PROFERIDA. SÚMULA 422, I, DO TST . O recorrente não investe de forma objetiva contra os fundamentos do despacho denegatório do seguimento do recurso de revista, de que o reclamante não preencheu os requisitos do art. 896 da CLT. Incidência da Súmula 422, I, do TST. Agravo de instrumento não conhecido.
INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. RESTRIÇÃO DE USO DO BANHEIRO . Ante possível violação do art. 5º, X, da CRFB/1988, dá-se provimento ao agravo de instrumento.
II – RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO NA LEI N.º 13.015/2014.
INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. BARREIRA SANITÁRIA COLETIVA. EXPOSIÇÃO ÍNTIMA . A decisão do Tribunal Regional está em dissonância com o entendimento desta Corte Superior no sentido de ser incontroverso que o fato de os trabalhadores serem obrigados a transitar de roupas íntimas durante a troca de uniforme quando passam pela barreira sanitária, ou quando ficam despidos na presença de outros colegas durante o uso do chuveiro (sem portas), implica vulneração dos princípios basilares da atual ordem constitucional que dizem respeito à proteção da dignidade humana e da valorização do trabalho humano – art. 1º da CF/88 – ensejando o direito à indenização por danos morais nos termos dos arts. 5º, X, da CF c/c o art. 186 do Código Civil. Precedentes. Recurso de revista conhecido e provido.
DANO MORAL. RESTRIÇÃO DE USO DO BANHEIRO. O Tribunal Regional manteve a sentença em que se indeferiu o pedido de danos morais decorrente da restrição do uso do banheiro, mesmo registrando ser incontroverso que era necessária a solicitação ao supervisor de substituição do posto de trabalho para referido fim. Contudo, a jurisprudência desta Corte Superior entende que a restrição do uso de banheiro expõe indevidamente a privacidade do empregado, ofendendo sua dignidade, bem como evidencia o abuso do poder diretivo do empregador. Demonstrada a violação do art. 5º, X, da CRFB/1988, reforma-se a decisão regional para condenar a reclamada ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais). Precedentes desta Turma quanto ao valor arbitrado. Recurso de revista conhecido e provido.
Por unanimidade, a Turma deu provimento ao recurso e fixou a indenização em R$ 10 mil.
Processo: RRAg-10283-78.2015.5.12.0008