Não havia alarme ou dispositivo com o interior da câmara
A Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho condenou o Frigorífico Aranã, empresa de pequeno porte de Teófilo Otoni (MG), ao pagamento de R$ 50 mil de indenização por danos morais coletivos pelo descumprimento reiterado de normas de saúde e de segurança. Ficou constatado, em duas fiscalizações, que a câmara fria era trancada com cadeado, sem nenhum dispositivo que possibilitasse a abertura da porta pelo interior e sem alarme ou outro recurso que permitisse a comunicação dos empregados que trabalhavam no local. Para o colegiado, houve ofensa à coletividade.
Fiscalização
Na ação civil pública, o Ministério Público do Trabalho (MPT) relatou que o problema fora verificado em fiscalização realizada em 2014 e, novamente, em 2016, assim como outras irregularidades relativas à Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (Cipa) e à área de abate de animais. Segundo o MPT, a Norma Regulamentadora (NR) 36 do Ministério do Trabalho e Emprego, que estabelece medidas de segurança e saúde no trabalho em empresas de abate e processamento de carnes e derivados, exige que as câmaras frias tenham dispositivo que permita a abertura das portas pelo interior sem muito esforço e alarme ou outro sistema de comunicação que possa ser acionado de dentro, em caso de emergência.
Lapso
O juízo de primeiro grau determinou ao frigorífico a correção de suas instalações, especialmente a retirada de cadeados das portas durante o horário de expediente, no prazo de 10 dias, sob pena de multa no valor de R$ 5 mil para cada descumprimento. Rejeitou, porém, o pedido do MPT de pagamento de indenização por dano moral coletivo, por entender que a única infração reiterada decorrera de um lapso do responsável pela retirada dos cadeados no início da jornada, e não pela intenção deliberada de descumprir normas de segurança do trabalho.
Correção
Ao julgar recurso do frigorífico, contudo, o Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (MG) julgou improcedente a ação civil pública. Segundo o TRT, ficou comprovado que as circunstâncias que levaram à atuação da empresa pela auditoria fiscal do trabalho, em 2014 e em janeiro de 2016, foram apontadas como corrigidas em março de 2016.
Conduta lesiva
Para o relator do recurso de revista do MPT, ministro Mauricio Godinho Delgado, o fato de as irregularidades terem sido identificadas em 2014 e, novamente, em 2016 demonstra o descumprimento reiterado das normas de saúde, segurança e higiene do trabalho, o que evidencia a conduta lesiva da empresa em relação aos seus empregados e a existência de dano moral coletivo. Na sua avaliação, as práticas constatadas contrariaram princípios basilares da Constituição Federal, especialmente os que dizem respeito à higidez física, mental e emocional do ser humano e à redução dos riscos inerentes ao meio ambiente do trabalho.
Obrigações
Além de estabelecer a indenização, cujo valor será revertido ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), a Terceira Turma restabeleceu a condenação às obrigações específicas fixadas na sentença. Segundo o relator, a chamada tutela inibitória é um instrumento importante de prevenção de violação de direitos individuais e coletivos ou de reiteração dessa violação, a fim de evitar a prática do ato ilícito.
O recurso ficou assim ementado:
A) AGRAVO DE INSTRUMENTO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO DA 3ª REGIÃO . RECURSO DE REVISTA. PROCESSO SOB A ÉGIDE DA LEI 13.015/2014 E ANTERIOR À LEI 13.467/17. 1. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DESCUMPRIMENTO REITERADO DE NORMAS DE SAÚDE, SEGURANÇA E HIGIENE DO TRABALHO. CONDUTA ILÍCITA. DANO MORAL COLETIVO. CONFIGURAÇÃO. 2. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. TUTELA INIBITÓRIA . ASTREINTES . OBRIGAÇÃO DE FAZER. Demonstrado no agravo de instrumento que o recurso de revista preenchia os requisitos do art. 896 da CLT, dá-se provimento ao agravo de instrumento para melhor análise da arguição de violação dos arts. 5º, X, da CF, e 11 da Lei 7347/85. Agravo de instrumento provido quanto aos temas. 3. NULIDADE DO JULGADO POR NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL . ART. 282, § 2º, DO CPC/2015. Por força do art. 282, § 2º, do CPC/2015, deixa-se de analisar a nulidade por negativa de prestação jurisdicional, ante o possível conhecimento e provimento do recurso de revista. Agravo de instrumento desprovido no aspecto.
B) RECURSO DE REVISTA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO DA 3ª REGIÃO . PROCESSO SOB A ÉGIDE DA LEI 13.015/2014 E ANTERIOR À LEI 13.467/17. 1. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DESCUMPRIMENTO REITERADO DE NORMAS DE SAÚDE, SEGURANÇA E HIGIENE DO TRABALHO. CONDUTA ILÍCITA. DANO MORAL COLETIVO. CONFIGURAÇÃO. Trata-se de ação civil pública em que se pretende a defesa de direitos coletivos e a adequação da conduta da Reclamada para o cumprimento das Normas Regulamentadoras relativas à segurança e medicina do trabalho (art. 7º, XXII, da CF/88). A configuração do dano moral coletivo pressupõe a constatação de lesão a uma coletividade, um dano social que ultrapasse a esfera de interesse meramente particular, individual do ser humano, por mais que a conduta ofensora atinja, igualmente, a esfera privada do indivíduo. Em suma, trata-se de desrespeito a toda uma miríade de bens, valores, regras, princípios e direitos de exponencial importância ao Estado Democrático de Direito que a Constituição quer ver cumprido no Brasil, em benefício de toda a sua população. Esta Corte Superior possui o entendimento de que o descumprimento reiterado de normas referentes à segurança e saúde do trabalho extrapola a esfera individual e atenta contra direitos transindividuais de natureza coletiva, ensejando dano moral coletivo a ser reparado. No caso concreto , o Tribunal Regional assentou que as circunstâncias que levaram à atuação da Ré pela auditoria fiscal do trabalho, em 19.09.2014 – trancamento da câmara fria com cadeado, sem nenhum dispositivo que possibilitasse a abertura da porta pelo seu interior e a ausência de alarme ou outro dispositivo que permitisse a comunicação no interior dessa câmara -, foram novamente identificadas na fiscalização ocorrida em 22.01.2016 , assim como o fato de que as irregularidades apontadas foram corrigidas somente em março de 2016 . Nesse contexto, constata-se que as irregularidades constatadas na ação fiscal no ano de 2014 foram novamente apuradas no ano de 2016, o que demonstra o descumprimento reiterado das normas de saúde, segurança e higiene do trabalho, a evidenciar a conduta lesiva da empresa em relação aos seus trabalhadores e a existência de dano moral coletivo, porquanto as práticas da Ré contrariaram os princípios basilares da Constituição Federal, mormente aqueles que dizem respeito à higidez física e mental, inclusive emocional, do ser humano no ambiente laboral, e à redução dos riscos inerentes ao meio ambiente do trabalho, por meio da observância às normas de saúde, higiene e segurança (arts. 1º, III e IV, e 7º, XXII, da CF/88). Recurso de revista conhecido e provido. 2. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. TUTELA INIBITÓRIA . ASTREINTES . OBRIGAÇÃO DE FAZER. A ação civil pública tem como finalidade proteger direitos e interesses metaindividuais contra qualquer espécie de lesão ou ameaça, podendo envolver, segundo consta do art. 3º da Lei 7.347/85, ” a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer “. Desse modo, com o propósito de tutelar direitos coletivos em sentido amplo (difusos, individuais homogêneos e coletivos em sentido estrito), a ação civil pública, evidentemente, pode veicular pretensão que busque prevenir condutas que repercutam negativamente nos interesses coletivos de uma determinada comunidade laboral. O pedido de tutela inibitória, por meio da concessão de tutela específica (obrigação de fazer ou não fazer), é importante instrumento de prevenção de violação de direitos individuais e coletivos ou a reiteração dessa violação, com o fito de evitar a prática, a repetição ou continuação de ato ilícito. Nesse sentido, a tutela jurisdicional inibitória volta-se para o futuro, prescindindo da ocorrência reiterada do dano, pois visa à efetivação do acesso à justiça como capaz de impedir a violação do direito (arts. 5º, XXXV, da CF e 461 do CPC/73; art. 497 do CPC/2015). Recurso de revista conhecido e provido.
A decisão foi unânime.
Processo: RRAg-10162-52.2016.5.03.0077