Filha de imigrante haitiano pode ingressar no Brasil sem visto

Havendo consentimento da mãe, uma adolescente, filha de um imigrante haitiano que tem autorização de residência, poderá entrar no Brasil sem visto para poder estar com o pai, dada a inoperância do serviço consular haitiano.
O direito foi assegurado pela 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) confirmando a sentença que atendeu ao pedido do pai da menor após examinar a apelação interposta pela União. 
No recurso, a União afirmou que a concessão do visto pela via judicial quebra a isonomia entre os demais interessados em obter o documento. Sustentou que a filha do imigrante não tem direito ao ingresso no território nacional sem observar normas e procedimentos obrigatórios e que como a adolescente não corre risco ou ameaça individual não se justifica a concessão antecipada da autorização. 
Ao analisar o processo, a relatora, desembargadora federal Daniele Maranhão, verificou que desde a data em que imigrou do Haiti para o Brasil, em 2015, o pai realizou várias tentativas de trazer a filha, frustradas pela desorganização consular no país de origem e pelas dificuldades burocráticas encontradas para agendamento do visto por meio do Brasil Visa Application Center (BVAC) — Centro de Solicitação de Vistos para o Brasil —, gerido pela Organização Internacional das Migrações (OIM). 
Crise humanitária – Sendo assim, a União tem a obrigação de atender ao pedido formulado pelo pai da menor em atendimento aos comandos constitucionais da dignidade da pessoa humana, do compromisso com a justiça social e com a proteção à família. A Lei de Imigração (Lei 13.445/2017) estabelece que “o visto ou a autorização de residência para fins de reunião familiar será concedido ao imigrante cônjuge ou companheiro, sem discriminação alguma, e ao filho de imigrante beneficiário de autorização de residência”.  
A desembargadora federal concluiu o voto pela manutenção da sentença dada a comprovada inviabilidade administrativa para assegurar o direito de reunião familiar, “considerada a grave crise humanitária que assola o país de origem desde o terremoto de 2010, ante a completa inoperância do serviço consular no Haiti”, ressaltando a necessidade de concordância da mãe da menor para a viagem. 
O recurso ficou assim ementado:

CONSTITUCIONAL. AÇÃO DE RITO ORDINÁRIO. ACOLHIDA HUMANITÁRIA. AUTORIZAÇÃO DE VIAGEM PARA CIDADÃO DO HAITI.  REUNIÃO FAMILIAR. PAI RESIDENTE LEGAL NO BRASIL.  FILHA MENOR. INCIDÊNCIA DO ART. 3º, I E IV, DA LEI 13.445/17 EXPEDIÇÃO DE VISTO REGULAR. INVIABILIDADE ADMINISTRATIVA.   DIREITO ASSEGURADO. SENTENÇA MANTIDA.

1. Nos termos da Lei 13.445/2017, ao migrante é assegurado o direito à reunião familiar com seu cônjuge ou companheiro e filhos, familiares e dependentes (art. 4º, III). A Lei de migração igualmente estabelece que o visto ou a autorização de residência para fins de reunião familiar será concedido ao imigrante cônjuge ou companheiro, sem discriminação alguma, e ao filho de imigrante beneficiário de autorização de residência. (art. 37, I e II).

2. Por sua vez, nos termos da convenção sobre os Direitos da Criança (1990), à qual o Brasil aderiu, “os Estados Partes se comprometem a assegurar à criança a proteção e o cuidado que sejam necessários para seu bem-estar, levando em consideração os direitos e deveres de seus pais, tutores ou outras pessoas responsáveis por ela perante a lei e, com essa finalidade, tomarão todas as medidas legislativas e administrativas adequadas” (art. 3º).

3. Na espécie dos autos, busca o autor, cidadão haitiano residente legal no Brasil desde 2015 e que exerce atividade laboral lícita e com emprego fixo, sem antecedentes criminais, permitir a entrada no País de sua filha, de 14 anos de idade, também nacional do Haiti, por meio de visto de reunião familiar, independente do aguardo dos trâmites administrativos ordinários de concessão de visto, considerada a grave crise humanitária que assola o país de origem desde o terremoto de 2010, ante a completa inoperância do serviço consular no Haiti.

4. Tal situação fática é corroborada em parecer ofertado pelo Ministério Público Federal na 1ª instância, que, no entanto, ressalta que “os obstáculos infraestruturais decorrentes da crise humanitária e econômica a que submetido o país de origem não servem de justificativa para neutralizar disposições constitucionais e normativas, esvaziando-lhe a eficácia”, não podendo ser condicionada “a análise/concessão do direito reconhecido justamente em razão do estado de calamidade vivenciado no Estado Haitiano à melhoria dessas condições calamitosas.”

5. Por conseguinte, preenchidas as condições jurídicas que conferem à menor incapaz, o direito de autorização de residência para fins de reunião familiar, fato sobre o qual não controverteu a União (Portaria Interministerial nº 10/2018), não merece reparo a sentença que, com a ressalva da necessidade de assentimento da genitora para a viagem da promovente, não merece reparo a sentença que julgou procedente o pedido.

6. Apelação a que se nega provimento.

7. Considerado o baixo valor atribuído à causa (R$ 1.000,00 – mil reais), fixam-se os honorários advocatícios por apreciação equitativa (art. 85, §8º, do CPC), em R$ 2.000,00 (dois mil reais).

Processo: 1081342-98.2021.4.01.3400 

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