Ele havia sido dispensado por abrir sua própria farmácia em outro município
A Oitava Turma do Tribunal Superior do Trabalho rejeitou o exame de recurso da Cooperativa de Usuários de Assistência Médica de Santa Bárbara D’Oeste e Americana (Usimed) contra a condenação ao pagamento de indenização a um farmacêutico dispensado por concorrência desleal por ter aberto uma farmácia em Americana (SP). Conforme o colegiado, não foi constatada nenhuma das violações legais e constitucionais indicadas pela Usimed que permitissem a análise do mérito do recurso.
Drogaria x farmácia
Localizada em Santa Bárbara d’Oeste (SP), a farmácia da cooperativa dispensou o empregado em 2018, por justa causa, após mais de 10 anos de serviço, com o argumento de perda de confiança. Segundo a empresa, ele havia praticado concorrência desleal, porque as duas cidades são limítrofes e se confundem.
O farmacêutico ajuizou a reclamação trabalhista para reverter a justa causa e obter reparação por danos morais diante da acusação, que o teria colocado em situação humilhante perante familiares e colegas de trabalho. Ele sustentou que o seu negócio era em praça diferente, com clientela distinta e de poder aquisitivo diverso.
Outro argumento foi o de que os estabelecimentos tinham atuação e objeto social diferentes: a Usimed fazia comércio varejista de produtos farmacêuticos, com manipulação de fórmulas, enquanto o dele era uma drogaria, que apenas vendia produtos.
Sem prejuízos
Os pedidos foram deferidos pelo Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (Campinas/SP), que considerou que a cooperativa não tinha fins lucrativos, ao contrário da drogaria do empregado. Para o TRT, só esse fato já afastaria a tese de concorrência desleal. Mas, além disso, os estabelecimentos ficavam em lugares diferentes, e não havia indício de que o farmacêutico teria captado clientes da empregadora a ponto de causar-lhe prejuízos.
Além da conversão da justa causa em dispensa imotivada, o TRT fixou indenização por dano moral de R$10 mil.
Ofensa à honra
A relatora do agravo da cooperativa, ministra Delaíde Miranda Arantes, assinalou que a concorrência desleal é uma prática ilícita em que se utilizam técnicas ilegais ou abusivas para angariar clientela, em prejuízo dos concorrentes. A conduta é considerada criminosa na Lei 9.279/1996, passível de pena de três meses a um ano ou multa.
Nesse sentido, lembrou que, de acordo com a Subseção I Especializada em Dissídios Individuais (SDI-1) do TST, a imputação de falta grave de forma leviana e inconsistente ofende a honra do empregado e justifica a indenização. Esse entendimento, segundo a ministra, se aplica à acusação de concorrência desleal.
O recurso ficou assim ementado:
I – AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA DA RECLAMADA INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI 13.467/2017
1 – JUSTA CAUSA. CONCORRÊNCIA DESLEAL. REVERSÃO. MATÉRIA FÁTICA. AUSÊNCIA DE TRANSCENDÊNCIA. Quanto à aplicação da Súmula 126 pelo Tribunal Regional, o acórdão destacou que não havia cláusula de não concorrência no contrato de trabalho, a reclamada trata-se de uma cooperativa, sem fins lucrativos, e a farmácia do reclamante localizava-se em outra cidade , razão pela qual, afastou a concorrência desleal e reverteu a justa causa aplicada em sentença. Diante desse contexto, escorreito o óbice aplicado, uma vez que a revisão do entendimento exarado pelo Tribunal Regional acerca da ausência de ocorrência dos motivos ensejadores para despedida por justa causa demandaria o revolvimento do acervo fático-probatório dos autos, providência sabidamente incompatível com a via estreita do recurso de revista, consoante estabelece a Súmula 126 do TST. Agravo de instrumento não provido.
2 – ÍNDICE DE CORREÇÃO MONETÁRIA. DECISÃO DO TRIBUNAL REGIONAL QUE RELEGOU A APLICAÇÃO DO ÍNDICE À FASE DE EXECUÇÃO. TAXA REFERENCIAL (TR). INCONSTITUCIONALIDADE. TRANSCENDÊNCIA RECONHECIDA. DECISÃO PROFERIDA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL EM SEDE DE CONTROLE CONCENTRADO DE CONSTITUCIONALIDADE. MODULAÇÃO DE EFEITOS. TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA RECONHECIDA. Demonstrada possível violação do art. 406 do Código Civil e em respeito ao entendimento consubstanciado na jurisprudência do STF, dotado de efeito vinculante e eficácia erga omnes , resultante do julgamento da ADC 58, impõe-se o provimento do agravo de instrumento para determinar o processamento do recurso de revista . Agravo de instrumento provido .
3 – DANO MORAL. REVERSÃO DA JUSTA CAUSA. CONCORRÊNCIA DESLEAL. IMPUTAÇÃO INDEVIDA. CABIMENTO. AUSÊNCIA DE TRANSCENDÊNCIA. Trata-se de dano moral em decorrência da atribuição, ao trabalhador, de concorrência desleal. A concorrência desleal constitui prática ilícita de mercado, na qual utilizam-se técnicas ilegais e até mesmo abusivas para angariar clientela, em prejuízo dos seus concorrentes. Constitui conduta considerada criminosa, prevista na Lei 9.279/1996, art. 195, passível de pena de 3 meses a 1 ano, ou multa. A SBSI-1, do TST, firmou entendimento no sentido de que “a mera reversão da justa causa em juízo não caracteriza, por si só, o direito à reparação por dano moral. Todavia, tendo sido demonstrado que a imputação de falta grave ocorreu de forma leviana e inconsistente, especialmente em caso de improbidade, como, há que se reconhecer a ofensa à honra do empregado e condenar o empregador ao pagamento da respectiva indenização”. Tratando-se também a concorrência desleal de imputação de fato grave apto a causar dano moral ao reclamante, entendo que aplica-se analogicamente ao caso o entendimento consolidado, no sentido de que a atribuição, por parte da empresa, de crime não comprovado, pode causar ofensa à honra do reclamante. Assim sendo, a decisão regional mostra-se irretocável, razão pela qual, no tema, não se vislumbram as violações legais e constitucionais indicadas. Agravo de instrumento não provido.
II – RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELO RECLAMADO. RECURSO REGIDO PELA LEI 13.467/2017. TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA RECONHECIDA. ÍNDICE DE CORREÇÃO MONETÁRIA. DECISÃO DO TRIBUNAL REGIONAL QUE RELEGOU A APLICAÇÃO DO ÍNDICE À FASE DE EXECUÇÃO. TAXA REFERENCIAL (TR). INCONSTITUCIONALIDADE. DECISÃO PROFERIDA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL EM SEDE DE CONTROLE CONCENTRADO DE CONSTITUCIONALIDADE. MODULAÇÃO DE EFEITOS. 1. O Supremo Tribunal Federal, em 18/12/2020, no julgamento conjunto das ADCs 58 e 59 e das ADIs 5857 e 6021, concluiu ser inconstitucional a aplicação da Taxa Referencial (TR) para a correção monetária dos débitos trabalhistas, definindo que, enquanto o Poder Legislativo não deliberar sobre a questão, devem ser aplicados os mesmos índices de correção monetária vigentes para as condenações cíveis em geral, isto é, o Índice Nacional de Preço ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E) na fase pré-judicial e, a partir da citação, a taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e Custódia (SELIC). 2. O Supremo Tribunal Federal, a fim de garantir segurança jurídica e isonomia na aplicação do novo entendimento, modulou os efeitos da decisão. 3. No caso, a decisão regional proferida na fase de conhecimento relegou a aplicação do índice de correção monetária à fase de execução. 4. Segundo o critério de modulação fixado pelo STF, em tal hipótese, deve se aplicada de forma retroativa, a taxa Selic (juros e correção monetária), sob pena de alegação futura de inexigibilidade de título judicial fundado em interpretação contrária ao posicionamento do STF (art. 525, §§ 12 e 14, ou art. 535, §§ 5º e 7º, do CPC). Recurso de revista conhecido e parcialmente provido.
Por maioria, a Oitava Turma negou provimento ao agravo de instrumento. Ficou vencido o ministro Aloysio Corrêa da Veiga.
Processo: RRAg-11799-07.2018.5.15.0086