A 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) entendeu que a União deve indenizar a família – esposa e filho – de um militar que faleceu após uma sequência de erros de diagnóstico de profissionais de saúde da Base Aérea, onde ele servia.
A relatora, desembargadora federal Daniele Maranhão, destacou que a responsabilidade da Administração Pública independeria da existência de culpa ou dolo. De acordo com a magistrada, o fato (o erro médico quanto ao diagnóstico inicial), o dano (a perda de uma chance de tratamento correto, eficaz e menos penoso que pudesse combater a doença que levou a óbito o militar) e o nexo causal (o vínculo que liga o efeito à causa) teriam sido devidamente comprovados por meio dos documentos que demonstrariam ter sido tardio o diagnóstico do câncer, quando já detectada metástase no fígado e no pulmão.
Segundo a desembargadora, ocorreram sucessivos erros de diagnóstico de uma lesão que o militar apresentava no dedo do pé, sendo tratada com medicamentos antifúngicos e anti-inflamatórios – somente quase quatro anos depois veio a ser registrada em seu prontuário a hipótese de lesão maligna.
Exame histopatológico – Quando o paciente foi encaminhado ao hospital, prosseguiu a magistrada, o militar apresentava metástase para fígado, pulmão e posteriormente para o cérebro. A médica oncologista, em relatório, afirmou que a lesão certamente já era maligna desde o início dos sintomas, e o material nunca foi encaminhado para exame histopatológico, configurando mais uma falha.
Tais fatos levaram à conclusão da ocorrência de erro médico quanto ao diagnóstico e à não adoção de medidas para se evitar o óbito do pai de família, sendo cabível a responsabilidade civil da União pela perda da chance de cura ou sobrevida, ressaltou a desembargadora Daniele Maranhão, conforme jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
A magistrada somente divergiu quanto ao valor da indenização, que considerou superior às indenizações fixadas pelo STJ e pelo TRF1 em casos de erros médicos. Portanto, a magistrada votou no sentido de reduzir o valor da indenização de R$ 140.550,00 para R$ 100.000,00 para cada autor, com juros remuneratórios e correção monetária.
O recurso ficou assim ementado:
CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL. ERRO MÉDICO. TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE. SERVIÇO MÉDICO DA BASE AÉREA DE ANÁPOLIS/GO. DIAGNÓSTICO TARDIO. NEGLIGÊNCIA COMPROVADA. DANOS MORAIS CONFIGURADOS. INDENIZAÇÃO PELA CHANCE PERDIDA. POSSIBILIDADE. VALOR DA INDENIZAÇÃO. PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE. INOBSERVÂNCIA. REDUÇÃO. CABIMENTO. SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA
1. “No caso de responsabilidade decorrente de prestação de serviço médico, por ser obrigação de meio, faz-se necessária a configuração de conduta negligente por parte do agente. Assim, apenas mediante a comprovação de erro médico que haverá a responsabilização do Estado pelo serviço prestado.” (AC 0003681-33.2012.4.01.3802, Rel. Desembargador Federal Carlos Augusto Pires Brandão, TRF1 – Quinta Turma, e-DJF1 04/10/2019)
2. O Superior Tribunal de Justiça tem entendimento firmado no sentido de que “É plenamente cabível, ainda que se trate de erro médico, acolher a teoria da perda de uma chance para reconhecer a obrigação de indenizar quando verificada, em concreto, a perda da oportunidade de se obter uma vantagem ou de se evitar um prejuízo decorrente de ato ilícito praticado por terceiro.” (AgRg no AREsp n. 553.104/RS, Rel. Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, julgado em 1/12/2015, DJe de 7/12/2015).
3. Hipótese em que os autores, respectivamente filho e esposa do militar falecido, pleiteiam a condenação da União ao pagamento de indenização por danos morais em virtude de possível erro de diagnóstico cometido pelo esquadrão médico da Base Aérea de Anápolis/GO – BAAN, o qual teria ocasionado a perda da chance de, diagnosticado corretamente, ter realizado um tratamento adequado para que pudesse alcançar a cura ou, ao menos, prolongar de sua sobrevida, com uma melhor qualidade nos últimos anos.
4. Do cotejo processual, resta indene de dúvidas que: (i) em razão das queixas no dedo grande do pé, o militar compareceu por diversas vezes junto ao serviço médico da BAAN, desde 2005 até o seu encaminhamento para o Hospital das Forças Armadas em Brasília – HFA, em 2010; (ii) a despeito da continuidade da lesão verificada no segmento do pé do paciente, apenas a partir de consulta realizada em dezembro de 2009 o serviço médico da BAAN veio a concluir pelo insucesso do tratamento antifúngico prescrito, tendo suscitado na ocasião, pela primeira vez, a hipótese diagnóstica de lesão maligna (cf. fl. 45); (iii) em todo esse período, de 2005 a 2009, não foi determinada a realização de qualquer exame para fins de identificação de outras hipóteses diagnósticas, mesmo com os sucessivos retornos do paciente ao serviço médico e os variados indícios de insucesso do tratamento; (iv) realizado o exame histopatológico no HFA, a lesão veio a ser diagnosticada como melanoma maligno, com rápida evolução até a sua morte, em meados de 2012; bem como que (v) o argumento declinado pela União no sentido de que a lesão maligna poderia ter surgido ou evoluído da infecção apenas em momento posterior ao encaminhamento do Suboficial ao HFA, não subsiste diante da prova dos autos, uma vez demonstrado que, tão logo realizado os exames e diagnosticado o câncer, deu-se a constatação da metástase para o fígado e pulmão, em estágio muito avançado. A propósito, no relatório médico elaborado por oncologista clínica do Hospital das Forças Armadas de Brasília – HFA, datado de 12/01/2011, restou consignado que “O diagnóstico histopatológico foi confirmado em março de 2010 apesar de que provavelmente, ou certamente ter se tratado de melanoma acral desde o início do aparecimento dos 1ºs sintomas há 3 anos” (fl. 75). Ademais, a mesma médica especialista também foi categórica ao afirmar que “O paciente apresentava lesão hiperpigmentada em leito ungueal, hálux esq., tendo sido submetido a várias ressecções, porém, sem ter sido enviado material p/ análise histopatológica”, do que também se evidencia mais uma falha na prestação do serviço médico pela BAAN.
5. Nesse contexto, a compreensão de que a hipótese se trata de um típico caso de erro médico se afigura pertinente, sendo certo que, no caso, a Administração não adotou todos os procedimentos adequados para o correto diagnóstico e respectivo tratamento da doença, estando essa negligência evidenciada a contento pela prova dos autos. Tivesse assim procedido e diagnosticado o caráter maligno da lesão em tempo, a prestação de um tratamento médico adequado à moléstia possivelmente teria aumentado as chances de cura, de alguma longevidade ou, ao menos, de uma melhor qualidade de vida ao paciente em seus últimos anos, o que, em qualquer das hipóteses, se refletiria em uma melhor condição da perspectiva emocional dos autores, familiares do militar falecido. Conforme sentenciado, “A perda de uma chance de tratamento correto, eficaz e menos penoso apresenta-se como argumento irrecusável, mesmo em face da gravidade da enfermidade, pois houve prejuízo à qualidade de vida do paciente, no período decorrido desde a descoberta do Melanoma até o óbito.”.
6. Presentes os pressupostos da configuração da responsabilidade civil do Estado – in casu, (i) a conduta da administração, consistente no erro médico que levou ao diagnóstico tardio da doença; (ii) os danos que os autores tiveram que suportar em razão da perda da chance de, com um tratamento eficaz, se ter impedido, retardado ou minorado as consequências da evolução da doença que levou a óbito o parente militar; bem como (iii) o nexo causal, dado que em razão da referida conduta foram subtraídas as possibilidades relacionadas ao tratamento devido – impõe-se à União o dever de indenizar os autores pelos danos morais suportados.
7. À vista dos precedentes colacionados do Superior Tribunal de Justiça (AgInt no AREsp n. 1.938.955/RJ, relatora Ministra Assusete Magalhães, Segunda Turma, DJe de 2/3/2022; AgInt no AREsp n. 1.871.562/TO, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe de 2/12/2021; AgInt nos EDcl no REsp n. 1.934.869/RJ, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe de 11/11/2021; AgInt no AREsp n. 1.853.990/RN, relatora Ministra Assusete Magalhães, Segunda Turma, DJe de 20/9/2021) e deste Tribunal (AC 0012621-47.2013.4.01.3803, Rel. Desembargador Federal Carlos Augusto Pires Brandão, TRF1 – Quinta Turma, PJe 25/08/2021) a respeito de indenizações por danos morais em virtude de erro médico, bem como das particularidades do caso em análise, em que o erro de diagnóstico perdurou por mais de 4 (quatro) anos e subtraiu do ente familiar as melhores chances de combater a grave moléstia que o levou a óbito, à época com 54 (cinquenta e quatro) anos de idade, afigura-se razoável a fixação da indenização por danos morais no montante individual de R$ 100.000,00 (cem mil reais), em favor de cada autor, quantia que se mostra condizente com a necessidade de reparação dos abalos psíquicos envolvidos, além de atender as finalidades punitiva e pedagógica da indenização por dano moral, observando, ainda, o princípio da vedação ao enriquecimento sem causa.
8. Apelação da União a que se dá parcial provimento tão somente para reduzir o valor fixado em sentença, a título de indenização por danos morais, de 140.550,00 (cento e quarenta mil, quinhentos e cinquenta reais) para R$ 100.000,00 (cem mil reais), para cada autor, estabelecendo ainda a incidência dos juros remuneratórios e da correção monetária na forma do Tema Repetitivo nº 905 do STJ e das Súmulas 54 e 362 do mesmo Tribunal.
9. Considerado o disposto no art. 85, §3º, I, fixam-se os honorários advocatícios em favor do procurador da parte autora em 10% (dez por cento) do valor do proveito econômico obtido, correspondente na hipótese ao valor da condenação da União.
O voto da relatora foi acolhido pelo Colegiado por unanimidade.
Processo: 0016821-06.2017.4.01.3400