Falta de prestação de contas só configura ato de improbidade administrativa quando visa ocultar irregularidades

A omissão na prestação de contas por parte de ex-gestor municipal sem comprovação de que tenha sido para ocultar irregularidades não configura mais improbidade administrativa. No caso, uma ex-prefeita de Angical do Piauí foi processada pelo município por ter omitido a prestação de contas em relação ao uso de recursos repassados em sua gestão pela Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf).

Ela pediu ao Juízo da 3ª Vara Federal da Seção Judiciária do Piauí para aplicar retroativamente as novas normas da Lei de Improbidade Administrativa, mas o pedido foi negado.

A agente pública então interpôs agravo de instrumento contra a decisão interlocutória (anterior à sentença) e obteve decisão favorável da 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1).

Relator, o juiz federal convocado Bruno Apolinário, explicou que de acordo com a tese fixada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do Tema 1199, a nova Lei 14.230/2021, que modificou a Lei 8.429/1992, “aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente”.

 

Afirmação genérica – O juiz destacou que o município de Angical do Piauí, que ajuizou a ação de improbidade, não apontou, na petição inicial, irregularidades no emprego do dinheiro repassado pela Codevasf para a gestão da ex-prefeita, mas apenas afirmou genericamente que os recursos não foram corretamente aplicados, sem detalhar ou comprovar que a falta de prestação de contas teve o fim específico de encobrir algum desvio.

O magistrado votou no sentido de atender ao pedido da ex-prefeita e rejeitou a petição inicial do município por não conter nenhum elemento que indique ato de improbidade administrativa. O Colegiado, por unanimidade, acompanhou o voto do relator.

O recurso ficou assim ementado:

PROCESSO CIVIL. AÇÃO DE IMPROBIDADE. FALTA DE PRESTAÇÃO DE CONTAS. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DO ESPECIAL FIM DE OCULTAR IRREGULARIDADES. INEXISTÊNCIA DE IMPROBIDADE. RETROATIVIDADE DA LEI N. 14.230. AGRAVO PROVIDO.

1. O Supremo Tribunal Federal fixou tese, no julgamento do Tema 1199, de que é necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se a presença do dolo, e que as normas benéficas da Lei n. 14.230 somente não se aplicam aos casos já cobertos pelo manto da coisa julgada. Expressamente, assentou que “A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente”.

2. Diante do que decidido pela Suprema Corte, as normas de direito material contempladas na Lei n. 14.230 devem ter aplicação ao presente caso, ainda que o fato imputado à agravante tenha ocorrido na vigência do texto anterior da Lei n. 8.429, já que não há coisa julgada.

3. A ação por improbidade que lastreia este processo foi proposta em 25/2/2021, ainda na vigência da Lei n. 8.429 em sua redação original, que considerava improbidade administrativa a simples omissão no cumprimento do dever de prestação de contas.

4. O tipo infracional no qual se enquadraria a omissão da agravante foi revogado com o advento da Lei n. 14.230/2021, que agora exige a comprovação de que a falta de prestação de contas tenha sido movida pela finalidade de ocultar irregularidades.

5. No caso, o Município de Angical do Piauí não apontou, na petição inicial, irregularidades no emprego do dinheiro repassado pela CODEVASF para gestão da agravante. Afirma, genericamente, que os recursos não foram corretamente aplicados, mas não detalha, concretamente, as supostas irregularidades, nem afirma que a falta de prestação de contas teve o fim específico de encobri-las.

6. Quanto ao ponto, é de extrema importância a Nota Técnica 23/2021 (documento 574874350), da CODEVASF, na qual foram apresentados o histórico do Convênio 760174/2011 e a conclusão pelo correto cumprimento de seu objeto, enquanto esteve vigente. O documento produzido pela Codevasf é conclusivo quanto à inexistência de irregularidade na aplicação da única parcela repassada ao município, sob a gestão da agravante, no valor de R$ 41.800,00.

7. Isto prova que a falta de prestação de contas, ainda que configure o descumprimento de um dever basilar do administrador público, não foi motivada pelo fim especial de ocultar irregularidades. Por consequência, à vista da atual da redação da Lei n. 8.429, não há ato de improbidade administrativa a ser perseguido.

8. Agravo de instrumento provido para rejeitar a petição inicial, com fundamento na norma do artigo 17, § 6°-B, da Lei n. 8.429.

 

Processo: 1013499-97.2022.4.01.0000

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