Falsificação grosseira de documento não tem potencialidade lesiva para configurar crime

Falsificação grosseira da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) é meio absolutamente ineficaz para cometimento de crime de estelionato, e o encontro casual de Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) falsa não utilizada na tentativa de estelionato não é suficiente para configurar o tipo penal descrito no art. 171 do Código Penal (CP). Assim decidiu a 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) ao dar provimento à apelação e absolver o réu da prática do delito de falsificação de documento público.

Na sentença recorrida, o Juízo Federal da 3ª Vara da Seção Judiciária do Piauí (SJPI) reconheceu a atipicidade da conduta (quando a conduta não configura crime) em relação à CNH apresentada para tentar sacar seguro-desemprego na agência da Caixa Econômica Federal por ser crime impossível, dado que a falsificação era muito grosseira. Todavia, condenou o réu pela materialidade e autoria do delito de falsificação de documento público (art. 297 do CP) por ter uma CTPS falsa em seu poder.

Ao formular seu voto, o relator, juiz federal convocado Érico Rodrigo Freitas Pinheiro, explicou que, de acordo com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), quando não estabelecida a autoria do crime de falsificação, o encontro fortuito, na busca policial, de documento falso, não constitui o crime de uso da falsificação para cometimento do crime.

Concluiu o magistrado seu voto no sentido de dar provimento à apelação para absolver o réu da imputação da prática do delito previsto no art. 297 do CP, nos termos do art. 386, III, do Código de Processo Civil (CPP), por não constituir o fato infração penal.

O recurso ficou assim ementado:

PENAL. PROCESSUAL PENAL. FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO PÚBLICO (ART. 297 DO CÓDIGO PENAL). CONDENAÇÃO. CTPS NÃO UTILIZADA NA TENTATIVA DE ESTELIONATO. ABSOLVIÇÃO (ART. 386, III, DO CPP). SENTENÇA REFORMADA. APELAÇÃO PROVIDA.

  1. Apelação interposta pelo réu em face da sentença que julgou parcialmente procedente a denúncia para condená-lo pela prática do crime do delito do art. 297 do CP, às penas de 02 (dois) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa, à razão de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos, substituída a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos. Na sentença o réu foi absolvido da imputação da prática do crime previsto no art. 171, §3º, c/c art. 14, II, ambos do CP, nos termos do art. 386, III, do CPP.

  2. Narra a denúncia que, no dia 26/08/2014, o réu teria apresentado documentos materialmente falsos perante agência da Caixa Econômica Federal – CEF, visando obter vantagem ilícita, consistente na percepção indevida de parcelas do seguro-desemprego, no valor de R$ 2.609,00 (dois mil, seiscentos e nove reais). Relata, ainda, que o crime não teria se consumado por circunstâncias alheias à vontade do acusado, ante as suspeitas levantadas pela empregada da empresa pública. Segundo o MPF o acusado também teria falsificado Carteira Nacional de Habilitação e Carteira de Trabalho e Previdência Social documentos que foram usados perante a CEF, mas não esgotaram sua potencialidade lesiva na tentativa de estelionato, podendo ser utilizados em outros delitos.

  3. Pelo que consta dos autos, ao ser atendido na CEF, o réu apresentou para a funcionária um documento (CNH), a fim de realizar o saque de seguro desemprego que estaria em nome de Domingos Conceição da Silva, tendo a funcionária, imediatamente, identificado a falsidade do documento apresentado pelo réu.

  4. O juízo sentenciante reconheceu a atipicidade material da conduta em relação ao crime previsto no art. 171, § 3º, c/c art. 14, II, ambos do CP, por entender que “o meio empregado pelo agente para o cometimento do crime era absolutamente ineficaz, uma vez que o documento utilizado para a tentativa do saque ilegal do benefício era falsificado de maneira grosseira, em que os erros poderiam e foram facilmente notados, configurando-se, assim, o que a doutrina denomina de tentativa inidônea, prevista no art. 17, do Código Penal”.

  5. Por outro lado, ao analisar a materialidade e a autoria do delito previsto no art. 297 do CP, quanto ao uso da Carteira de Trabalho e Previdência Social – CTPS, o Juízo de origem acolheu os pedidos formulados na denúncia, condenando o réu.

  6. O contexto fático-probatório em que se baseia a condenação evidencia a presunção do dolo, já que o réu, embora portasse o documento falso, não chegou a utilizá-lo no intento criminoso. No entanto, a jurisprudência desta Corte Regional se orienta no sentido de que a configuração do crime de falso depende de potencialidade lesiva, por ser este elemento indispensável ao delito. Precedente.

  7. A jurisprudência do STJ, por sua vez, entende que o encontro casual do documento falso em poder de alguém (como ocorre por ocasião de uma revista policial) não é suficiente para configurar o tipo penal, pois o núcleo é claro: “fazer uso” (CC n. 148.592/RJ, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Terceira Seção, julgado em 8/2/2017, DJe de 13/2/2017.).

  8. O conjunto probatório constante dos autos não oferece elementos hábeis a demonstrar, com a necessária segurança, que o acusado teria praticado ou concorrido, consciente e voluntariamente, para a prática do delito que lhe fora imputado, não sendo, portanto, suficiente para ensejar a condenação.

  9. Apelação provida para absolver o réu da imputação da prática do delito previsto no art. 297 do Código Penal, nos termos do art. 386, III, do CPP.

Processo: 0011331-17.2015.4.01.4000

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