Empresa que extrai minério de forma irregular não pode abater despesas da indenização

A empresa que extrai minério de forma irregular, enriquecendo ilicitamente com a atividade, não pode pretender ser ressarcida pela União dos seus custos operacionais – obtendo um abatimento no valor da indenização a ser paga ao poder público –, sob o argumento de que a falta desse desconto acarretaria enriquecimento sem causa do ente federal.

O entendimento foi estabelecido pela Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao dar provimento a recurso da União e condenar uma empresa a ressarcir integralmente ao poder público o valor obtido com a extração irregular de areia no município de Araranguá (SC). O Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) havia determinado que fossem abatidos do valor da indenização os custos da empresa com a extração mineral, ainda que promovida ilegalmente.

Como consequência do abatimento, o TRF4 condenou a empresa a pagar danos materiais de 50% do valor obtido com a extração irregular de areia. Na ação, a União pleiteava o ressarcimento de mais de R$ 2 milhões.

“Não se mostra plausível a ideia de se premiar o infrator particular com a metade dos ganhos obtidos com a venda do minério por ele irregularmente lavrado, notadamente porque tal compreensão não reflete o princípio da integral reparação do dano, colidindo, ao invés, com o primado de que a ninguém é lícito beneficiar-se da própria torpeza”, apontou o relator do recurso da União, ministro Sérgio Kukina.

TRF4 não poderia fixar ressarcimento com base em proporcionalidade e razoabilidade

O ministro destacou que o TRF4, apesar de reconhecer a prática de extração ilegal de minério, empregou critérios de proporcionalidade e razoabilidade para delimitar a quantia a ser indenizada.

Para Kukina, com esse entendimento, o tribunal regional destoou da jurisprudência do STJ, segundo a qual a indenização deve abranger a totalidade dos danos causados ao ente público, sob pena de frustrar o caráter pedagógico-punitivo da sanção e incentivar a impunidade dos infratores.

O relator considerou inadmissível que a empresa infratora retenha uma parte considerável dos ganhos obtidos com a venda irregular de minério, pois sua conduta antijurídica afasta a proteção legal que ela invocou para defender o abatimento dos custos operacionais.

“Estando o acórdão recorrido em desacordo com o entendimento desta corte, deve ser reformado, condenando-se a empresa ré ao ressarcimento integral do valor obtido com a extração irregular do minério, cujo montante será apurado em liquidação de sentença”, concluiu o ministro.

O recurso ficou assim ementado:

ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA AMBIENTAL. RECURSO ESPECIAL DA EMPRESA PARTICULAR. EXTRAÇÃO ILEGAL DE RECURSO NATURAL (AREIA). PRETENSÃO RESSARCITÓRIA FORMULADA PELA UNIÃO. IMPRESCRITIBILIDADE DA REPARAÇÃO CIVIL DO DANO AMBIENTAL. TEMA 999 DA REPERCUSSÃO GERAL DO STF.
1. No caso concreto, o Tribunal a quo afastou a hipótese de prescrição da pretensão inicial, ao fundamento de que a ação civil pública foi ajuizada dentro do prazo que sucedeu o encerramento do procedimento administrativo instaurado pelo DNPM, para apuração de eventual irregularidade na extração de minérios. Conformidade com a jurisprudência do STJ.
2. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 654.833⁄AC (Relator Ministro ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 20⁄4⁄2020, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO DJe-157 DIVULG 23⁄6⁄2020 PUBLIC 24⁄6⁄2020), sob o rito da repercussão geral, firmou a tese jurídica de que “É imprescritível a reparação civil de dano ambiental” (Tema 999 ).
3. Recurso especial da empresa ré não provido.
ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL DA UNIÃO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. EXTRAÇÃO ILEGAL DE RECURSO NATURAL (AREIA). DEVER DO PARTICULAR DE INDENIZAR. REPARAÇÃO INTEGRAL. VIOLAÇÃO AOS ARTS. 884, 927 e 952 DO CÓDIGO CIVIL. RESSARCIMENTO DOS CUSTOS OPERACIONAIS DA EMPRESA. DESCABIMENTO. PROVIMENTO DO APELO NOBRE.
1. O Tribunal de origem reconheceu a prática de extração ilegal de areia, com o desatendimento às limitações constantes da licença de operação, decidindo, contudo, empregar os critérios da proporcionalidade e da razoabilidade por ocasião da delimitação do quantum indenizatório.
2. Nessa medida, o acórdão recorrido destoou da orientação jurisprudencial deste Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que “a indenização deve abranger a totalidade dos danos causados ao ente federal, sob pena de frustrar o caráter pedagógico-punitivo da sanção e incentivar a impunidade de empresa infratora, que praticou conduta grave com a extração mineral irregular, fato incontroverso nos autos.” (REsp 1.923.855⁄SC, Relator Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, julgado em 26⁄4⁄2022, DJe de 28⁄4⁄2022).
3. Na espécie, a empresa que efetua irregularmente a lavra de minério, enriquecendo-se ilicitamente, não pode pretender o ressarcimento dos custos operacionais dessa atividade contra legem, sob o argumento de que a não remuneração de tais custos ensejaria o locupletamento sem causa da União. Ao invés disso, desponta intuitivo que a prévia conduta antijurídica da mineradora particular afasta a proteção normativa que invoca para si.
4. Recurso especial da União provido para condenar a empresa ré ao ressarcimento integral do valor obtido com a extração irregular do minério, cujo montante será apurado em liquidação de sentença.

Leia o acórdão no REsp 1.860.239.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1860239

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