Homem perdeu velório e enterro do pai
A 17ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo manteve decisão do juiz Marco Antonio Barbosa de Freitas, da 16ª Vara Cível Central da Capital, que condenou empresa de ônibus a indenizar passageiro em R$ 11.156 por danos morais e materiais após falhas na prestação de serviço.
De acordo com os autos, o passageiro comprou bilhete entre São Paulo e Rio de Janeiro e confiou na palavra do vendedor, que indicou plataforma de embarque diversa daquela mencionada no tíquete. Ao embargar, o motorista deixou de conferir a passagem, fazendo com que o autor da ação embarcasse para Curitiba. Ao perceber o equívoco, foi impedido de desembarcar e obrigado a seguir no ônibus por mais três horas. O homem viajava com o intuito de acompanhar o velório e o enterro do pai, mas por conta das falhas de serviço não conseguiu chegar a tempo.
Para o relator do recurso, desembargador Alexandre David Malfatti, a situação do consumidor no momento do embarque era de vulnerabilidade, uma vez que havia acabado de perder o pai. “Era indispensável que o motorista do coletivo tivesse cumprido sua função básica de conferência adequada do bilhete – destino da viagem. Tivesse isso acontecido, insista-se, o evento danoso não aconteceria, isto é, todo acontecimento narrado na petição inicial teria sido evitado”, afirmou.
Ainda segundo o magistrado, “o autor vivenciou situações de desconforto e frustração para além dos aborrecimentos do cotidiano”. O relator destacou “que é direito do usuário ser atendido com urbanidade pelos prepostos da transportadora”, o que não se verificou na postura do motorista, que “não demonstrou empatia com o drama do autor, que acabara de perder seu ente querido e estava se deslocando para local errado. Não se prestou a encontrar uma solução – parada num local permitido ou num posto da polícia rodoviária mais próximo”.
O recurso ficou assim ementado:
AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS. TRANSPORTE RODOVIÁRIO. EMBARQUE DE PASSAGEIRO. ÔNIBUS ERRADO. FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. DANOS MORAIS CONFIGURADOS. CONTRATO DE TRANSPORTE RODOVIÁRIO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA RÉ. DANOS MATERIAIS COMPROVADOS. DANOS MORAIS CONFIGURADOS. Ação de indenização fundada em vício do serviço de transporte rodoviário. Primeiro, mantém-se a conclusão de primeiro grua sobre a falha da ré na prestação do serviço. Observou-se nos autos que o autor (consumidor) confiou na palavra do vendedor que indicou a plataforma de embarque nº 03 e terminou por entrar em ônibus errado. Além disso, o motorista deixou de conferir a passagem e essa falha foi decisiva para que o autor embarcasse no ônibus com destino diverso ao contratado. E de acordo com o Decreto 2.521 de 20 de março de 1998, art 59, inc. IV, era obrigação do motorista identificar o passageiro e adotar as demais medidas pertinentes, no caso concreto, verificar o destino do autor. Ressalta-se que a situação do consumidor, mesmo no momento de embarque, é de vulnerabilidade, mormente, no caso sob julgamento (em que o autor havia acabado de perder o pai). Era indispensável que o motorista do coletivo cumprisse sua função básica de conferência adequada do bilhete – destino da viagem. Tivesse isso acontecido, o evento danoso seria evitado. Daí o nexo causal. E o erro do consumidor (sobre a plataforma e o ônibus) não teria relevância, porque ele teria sido direcionado para o local e coletivo corretos. Daí o reconhecimento do nexo causal. Segundo, não se verificou culpa exclusiva do consumidor capaz de afastar a responsabilidade da ré. Sobre a culpa do consumidor duas ponderações necessárias. Primeiro, a r. sentença já considerou a contribuição (culpa) dele (autor) para ocorrência do evento danoso. Tanto assim que estabeleceu como indenização devida ao final o valor de R$ 11.000,00 (onze mil reais) – metade de R$ 22.000,00 (vinte e dois mil reais). E segundo, pela incidência do Código de Defesa do Consumidor, somente a culpa exclusiva do consumidor seria capaz de afastar por completo o dever de indenização. Isso porque a culpa exclusiva serviria como quebra do nexo causal. Na hipótese vertente, como já dito anteriormente, a ré falhou na prestação de serviços. Naquilo que tinha como principal, no momento de admissão do autor no ingresso do ônibus, cabia ao motorista a conferência da passagem. Essa foi a essência do comportamento inadequado (falha) da prestação de serviços. Terceiro, o autor experimentou danos morais, justificando-se a manutenção do valor da indenização. O autor vivenciou situações de desconforto e frustração para além dos aborrecimentos do cotidiano. O autor pretendia ir para o Rio de Janeiro, acompanhar o velório e o enterro de seu genitor e, em razão da falha do preposto da ré, seguiu viagem para Curitiba. E ainda, ao perceber o equivoco, foi impedido de descer do ônibus e obrigado a seguir viagem por mais 3 horas, causando frustração maior ao autor que não conseguiu presenciar o enterro do pai. Ademais, a Resolução ANTT nº 1.386/06, no seu art. 6º, inc. VIII dispõe que é direito do usuário ser atendido com urbanidade pelos prepostos da transportadora. Entretanto, não foi o que se viu, uma vez que o motorista não agiu com empatia e criou embaraços a pretexto de cumprir as regras. Indenização fixada em R$ 11.000,00, aplicando-se os princípios da razoabilidade e proporcionalidade e dentro dos parâmetros da Turma julgadora. E quarto, o autor também sofreu dano material. Aquisição de nova passagem no valor de R$ 156,00. Ação parcialmente procedente. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO IMPROVIDOS.
O julgamento, de votação unânime, teve a participação dos desembargadores Souza Lopes e Irineu Fava.
Apelação nº 1115057-45.2020.8.26.0100