Emissora de TV do Amapá é condenada por exibir programação imprópria em horário que fere proteção à criança e ao adolescente

O Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) reformou parcialmente a sentença da 6ª Vara Federal do Amapá e determinou o pagamento de indenização por danos morais coletivos no valor de R$20 mil pela emissora Beija-Flor Radiodifusão Ltda, TV Tucuju. O dano foi relativo à transmissão, às 13h, em horário acessível a crianças e adolescentes, de imagens fortes veiculadas no “Bronca Pesada”.

O Ministério Público Federal (MPF) ajuizou a ação civil pública com o objetivo de resguardar normas jurídicas protetoras da criança e do adolescente. Esclareceu o ente público que o referido programa exibiu imagens de pessoas em situação degradante a partir de cenas fortes e inadequadas para o turno vespertino.

Disponibilizou o MPF, no processo, link do vídeo transmitido pela emissora. As imagens mostravam uma mulher buscando atendimento médico de emergência após ter sido vítima de golpes cortantes. Pela cena, observa-se claramente diversos cortes e uma mutilação no corpo da vítima. O MPF também assinalou a postura do apresentador do programa que enaltecia a competência de seus repórteres pela cobertura do fato.

A partir da alegação de que o conteúdo foi totalmente inadequado para crianças e adolescentes, os quais estariam submetidos diariamente a um espetáculo degradante, sustentado pela violência social, o MPF ajuizou a ação. O pedido foi fundamentado nos arts. 3º e 17 da Convenção das Nações Unidas sobre Direitos da Criança, incorporada ao ordenamento jurídico pátrio pelo Decreto nº 99.710/1990, com status supralegal; no art. 221 da Constituição Federal/88; no art. 76 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e em decisão do Supremo Tribunal Federal, no âmbito da ADI 2404 de 2016.

Além disso, o MPF enfatizou a existência da Portaria nº 1.220/2007 do Ministério da Justiça (MJ), que dispõe que os programas de televisão têm restrição quanto ao horário de veiculação de certos assuntos.

Com isso, o ente público defendeu a fixação de uma indenização simbólica e de caráter pedagógico a ser paga solidariamente, no valor de R$100.000,00 destinada à Casa da Hospitalidade de Santana do Amapá, abrigo destinado ao acolhimento de crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social. Além disso, o MPF requereu a condenação da União na condição de outorgante da concessão de execução do serviço televisivo à obrigação de fazer, na efetiva fiscalização do cumprimento, por parte das outorgadas, das normas convencionais, constitucionais e legais referentes à proteção da criança e do adolescente quanto ao teor das programações exibidas.

O Juízo de Primeiro Grau julgou os pedidos improcedentes, pois não houve repetição do fato, e enviou os autos à análise do TRF1 por meio da remessa necessária pelo fato de a União figurar no polo passivo da ação.

A 5ª Turma do TRF1, sob a relatoria da desembargadora federal Daniele Maranhão, analisou o processo. A magistrada destacou não haver possibilidade de condenação solidária da União considerando a ausência de evidência de omissão ou de ineficiência da fiscalização, não podendo o ente se responsabilizar por ato ilícito concretizado por terceiros. “No julgamento da ADI 2404, o Supremo Tribunal Federal concluiu que a União não tem competência para determinar ou impor às emissoras de rádio e televisão a programação a ser exibida, limitando-se a sua intervenção à classificação, para efeito indicativo, dos programas de rádio e televisão”, ressaltou.

Quanto à responsabilidade da emissora, a desembargadora entendeu que a sentença deve ser alterada no ponto em que reconheceu ser insuficiente uma única veiculação no programa das imagens inadequadas para justificar a condenação em danos morais coletivos. “Pontuo que a reiteração serve como parâmetro para se quantificar o dano ou a lesão, mas não para afastá-la”, afirmou.

Em seu voto, a magistrada acolheu a aplicação do dano moral coletivo justificando que a indenização tem caráter repressivo e educativo, não se limitando a evitar a reiteração, mas a própria lesão, que se aperfeiçoa, embora em menor grau, com apenas uma transmissão. “O dano moral coletivo ficou demonstrado pelo descumprimento da legislação que protege a criança e o adolescente de acesso a programas cujo conteúdo venha repercutir negativamente na sua formação”, defendeu.

O recurso ficou assim ementado:

DIREITO CIVIL E ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE (ECA). REEXAME NECESSÁRIO. PROGRAMAÇÃO DE TV. VEICULAÇÃO DE IMAGENS INADEQUADAS POR REFLETIREM VIOLÊNCIA. HORÁRIO IMPRÓPRIO. PROTEÇÃO À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS COLETIVOS. CABIMENTO. SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA.

1. Afasta-se a possibilidade de condenação solidária da União em danos morais coletivos, porquanto não configurada omissão ou ineficácia do serviço de fiscalização, não podendo o ente federal ser responsabilizado por ato ilícito de terceiro, em especial porque se trata de fato isolado. (ADI 2404/DF)

2. A ausência de reiteração da conduta não inviabiliza a condenação da emissora ao pagamento de indenização por danos morais coletivos, decorrentes da transmissão de programa televisivo com imagens inadequadas para o horário, 13h, por ser acessível a crianças e adolescentes.

3. A falta de reiteração ou de permanência da exibição das imagens inapropriadas servem de parâmetro para a quantificação da lesão, mas esses critérios não se prestam a afastar a lesividade.

4. O dano moral coletivo se evidencia pelo descumprimento da legislação que protege a criança e o adolescente do acesso a programas cujo conteúdo venha repercutir negativamente na sua formação, não havendo necessidade de comprovação da dor ou do sofrimento da coletividade, que se presume, de modo a justificar a condenação a esse título, inclusive porque a finalidade da indenização tem caráter repressivo e educativo, não se limitando a evitar a reiteração, mas a própria lesão, que se aperfeiçoa, embora em menor grau, com uma única transmissão. Precedente do STJ (Terceira Turma. REsp 1655731/SC. Relatora Ministra NANCY ANDRIGHI, em 14/05/2019. DJe 16/05/2019)

5. Ressalta-se como suporte à pretensão de condenação em danos morais coletivos o disposto na Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, incorporada ao direito nacional pelo Decreto nº 99.710/90 – art. 17; o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) – artigos 71 e 76; e a Portaria nº 1.220/2007, do Ministério da Justiça – art. 13.

6. A hipótese é de rejeição do pedido de condenação da emissora em obrigação de não fazer relativamente à transmissão de conteúdo violento em horário impróprio, por já constar da legislação pertinente essa obrigação, não sendo necessário o pronunciamento judicial para a obrigatoriedade de sua observância.

7. Mostra-se condizente com a lesão perpetrada, diante da ausência de reiteração e por se tratar de fato isolado, o arbitramento da indenização em R$ 20.000,00 (vinte mil reais).

8. Remessa necessária a que se dá parcial provimento para reformar a sentença e acolher o pedido quanto à condenação em danos morais coletivos, ficando mantida a sentença quanto ao mais.

O Colegiado acompanhou, de forma unânime, o voto da relatora.

Processo nº: 1000387-49.2017.4.01.3100

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