A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reafirmou que, em procedimentos cíveis, é possível a consulta ao Cadastro de Clientes do Sistema Financeiro Nacional do Banco Central do Brasil (CCS-Bacen), pois a pesquisa é apenas mais um mecanismo à disposição do credor na tentativa de satisfazer o seu crédito.
De acordo com o colegiado, a pesquisa no sistema do Bacen é medida que poderá subsidiar futura constrição, alargando a margem de pesquisa por bens, mas não resulta, por si, em bloqueio de ativos do devedor.
Com esse entendimento unânime, a turma deu provimento ao recurso especial em que um credor, na fase de cumprimento de sentença, solicitou a pesquisa de bens em nome dos devedores no CCS-Bacen, com o objetivo de receber seu crédito judicial, de cerca de R$ 228 mil. Antes do pedido, foram infrutíferas todas as tentativas de identificação e constrição de bens dos devedores – via Bacenjud, Renajud, Infojud e pesquisa de imóveis.
O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), porém, indeferiu o requerimento sob o fundamento de que essa seria uma medida excepcional reservada a investigações financeiras no âmbito criminal, não sendo adequada à busca de patrimônio dos executados.
Medidas executivas atípicas
Em seu voto, a ministra Nancy Andrighi lembrou que o artigo 139, inciso IV, do CPC estabeleceu a possibilidade de serem determinadas medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária.
A adoção dessas medidas executivas atípicas, apontou a magistrada, é um \”instrumento importante a viabilizar a satisfação da obrigação exequenda, homenageando o princípio do resultado na execução\”, alcançando as obrigações de pagar quantia certa.
Sobre o CCS-Bacen, a ministra explicou que o sistema de informações registra as instituições financeiras e demais entidades autorizadas pelo Banco Central com as quais o cliente possui algum relacionamento – como conta-corrente, poupança e investimentos –, mas não tem dados relativos a valores, movimentação financeira ou saldos de contas e aplicações.
“O CCS-Bacen, portanto, ostenta natureza meramente cadastral. Não implica constrição, mas sim subsídio à eventual constrição, e funciona como meio para o atingimento de um fim, que poderá ser a penhora de ativos financeiros por meio do Bacenjud”, destacou.
CCS-Bacen pode auxiliar na penhora de bens
A ministra reforçou que medidas como a penhora via Bacenjud podem ser determinadas pelo Poder Judiciário sem o esgotamento das buscas por bens do devedor, pois são meios à disposição da parte exequente para agilizar a satisfação de seu crédito.
Por outro lado, afirmou, o CCS-Bacen é um dos meios de consulta disponíveis para o credor. \”O acesso ao CCS não se confunde com a penhora de dinheiro via Bacenjud, mas, como meio de consulta, pode servir-lhe como subsídio\”, completou.
Na visão da magistrada, alinhada com precedente do STJ (REsp 1.464.714), não seria razoável permitir a medida constritiva por meio do Bacenjud e negar a pesquisa em cadastro meramente informativo, como o CCS-Bacen.
“Dessa forma, não há qualquer impedimento à consulta ao CCS-Bacen nos procedimentos cíveis, devendo ser considerado como apenas mais um mecanismo à disposição do credor na busca para satisfazer o seu crédito”, concluiu Nancy Andrighi ao cassar o acórdão do TJSP e determinar a expedição de ofício ao Banco Central para que efetue a pesquisa requerida pelo credor.
O REsp 1464714 ficou assim ementado:
RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO FISCAL. BUSCA POR BENS PENHORÁVEIS A SEREM CONSTRITOS. REQUERIMENTO DO DEVEDOR PARA ACESSO A CADASTRO DE NATUREZA ADMINISTRATIVA. CADASTRO DE CLIENTES DO SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL (CCS). LEGITIMIDADE DO PLEITO AO JUÍZO DA EXECUÇÃO FISCAL.
1. O Cadastro de Clientes do Sistema Financeiro Nacional (CCS) é um sistema de informações de natureza cadastral que tem por objeto os relacionamentos mantidos pelas instituições participantes com os seus correntistas ou clientes.
2. Revela-se legítimo ao Fisco, como forma de encontrar bens que sejam capazes de satisfazer a execução de crédito público, o requerimento ao juízo da execução fiscal para acesso ao Cadastro de Clientes do Sistema Financeiro Nacional (CCS).
3. Recurso especial provido.
O recurso ficou assim ementado:
RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. VÍCIOS NO ACÓRDÃO RECORRIDO. NÃO OCORRÊNCIA. EXPEDIÇÃO DE OFÍCIO AO CADASTRO DE CLIENTE DO SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL DO BANCO CENTRAL DO BRASIL – CCS⁄BACEN. POSSIBILIDADE.
1- Recurso especial interposto em 26⁄8⁄2020 e concluso ao gabinete em 21⁄6⁄2021.
2- O propósito recursal consiste em dizer se seria possível, após as devidas tentativas de identificação e constrição de ativos financeiros restarem infrutíferas, a determinação de consulta ao CCS-Bacen, com o fim de apurar a existência de patrimônio do devedor, perseguido em cumprimento de sentença, de natureza cível.
3- Na hipótese em exame, é de ser afastada a existência de vícios no acórdão recorrido, à consideração de que as matérias impugnadas foram enfrentadas de forma objetiva e fundamentada no julgamento do recurso, naquilo que o Tribunal a quo entendeu pertinente à solução da controvérsia.
4- O Cadastro de Clientes do Sistema Financeiro Nacional (CCS) é um sistema de informações de natureza cadastral, que tem por objeto os relacionamentos mantidos pelas instituições participantes com os seus correntistas ou clientes, mas não congrega dados relativos a valor, movimentação financeira ou saldos de contas e aplicações.
5- Em suma, o mencionado cadastro contém as seguintes informações sobre o relacionamento dos clientes ou correntistas com as instituições do Sistema Financeiro Nacional: a) identificação do cliente e de seus representantes legais e procuradores; b) instituições financeiras em que o cliente mantém seus ativos ou investimentos; e c) datas de início e, se houver, de fim de relacionamento.
6- O CCS-Bacen, portanto, ostenta natureza meramente cadastral. Não implica constrição, mas sim subsídio à eventual constrição, e funciona como meio para o atingimento de um fim, que poderá ser a penhora de ativos financeiros por meio do BacenJud.
7- Em outras palavras, o acesso às informações do CCS serve como medida que poderá subsidiar futura constrição, alargando a margem de pesquisa por ativos. Não se mostra razoável, assim, permitir a realização de medida constritiva por meio do BacenJud e negar a pesquisa exploratória em cadastro meramente informativo, como é o caso do CCS. Precedente.
8- Dessa forma, não há qualquer impedimento à consulta ao CCS-Bacen nos procedimentos cíveis, devendo ser considerado como apenas mais um mecanismo à disposição do credor na busca para satisfazer o seu crédito; 9- Recurso especial provido.
Leia o acórdão no REsp 1.938.665.