Ela alegou desastre natural para pedir a liberação. No entanto, a pandemia não tem essa característica.
A Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho entendeu que a pandemia da covid-19 não pode ser equiparada a desastre natural para permitir que uma desempregada, em Vitória (ES), possa sacar R$ 6 mil de sua conta vinculada do FGTS. Ela tinha apresentado expedição de alvará judicial à Caixa Econômica Federal (CEF) e buscava, desde maio de 2020, a liberação dos valores. O saque relacionado à pandemia não está previsto na Lei 8.036/1990, que dispõe sobre o FGTS.
Decreto
No pedido à 7ª Vara do Trabalho de Vitória, em maio de 2020, a desempregada defendeu que tinha direito ao levantamento do saldo de sua conta vinculada de FGTS, em razão da decretação do estado de calamidade pública decorrente da pandemia da covid-19. Para ela, a situação, com base no Decreto 5.113/04, que regulamentou a Lei 8.036/90, artigo 20, inciso XVI, alínea “a”, permite que o saque seja feito “em casos de necessidade pessoal, cuja urgência e gravidade decorra de desastre natural”.
Operação do sistema
O caso chegou ao TST após o Tribunal Regional do Trabalho da 17ª Região (ES) indeferir o pedido da desempregada. A possibilidade, segundo o TRT, poderia desestabilizar uma cadeia de programas financiados com os recursos do FGTS. O Regional observou que os recursos são finitos e que a situação da trabalhadora não pode ser analisada individualmente. “Deve ser tomada sob um aspecto mais amplo, voltado à manutenção das condições mínimas de operação do sistema”.
Colapso
O ministro Cláudio Brandão, relator do recurso de revista da trabalhadora ao TST, disse que essa hipótese de saque não está prevista na lei do FGTS. Segundo ele, o decreto que regulamentou a lei – e que define o que se considera desastre natural – não faz referência à situação de pandemia. Brandão lembrou, ainda, que a Medida Provisória 946, de 7/4/2020, dispõe que, enquanto permanecer a pandemia, haverá limite para os valores a serem levantados, “com o objetivo de se evitar um colapso no sistema bancário”.
Alvará
Em seu voto, o relator não reconhece a possibilidade de expedição de alvará judicial, para fins de saque do FGTS, conforme tentou a reclamante. Ele citou precedentes do TST no mesmo sentido e decisões do Supremo Tribunal Federal (STF). Nelas, foram indeferidas liminares com pedido de liberação de saque das contas vinculadas dos trabalhadores no FGTS em decorrência da pandemia da covid-19. Segundo o ministro, “tendo em vista a análise sistemática dos dispositivos, depreende-se que a pandemia da covid-19 efetivamente não se enquadra na conceituação legal de desastre natural”.
O recurso ficou assim ementado:
RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELA PARTE AUTORA. LEI Nº 13.467/2017 . EXPEDIÇÃO DE ALVARÁ PARA SAQUE DO FGTS. IMPOSSIBILIDADE. CALAMIDADE PÚBLICA RECONHECIDA POR DECRETO LEGISLATIVO. COVID-19. HIPÓTESE DE SAQUE NÃO PREVISTA NA LEI Nº 8.036/90. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA CONSTATADA. O cerne da controvérsia diz respeito à possibilidade de enquadramento da pandemia da covid-19 como desastre natural, em face do disposto no artigo 20, inciso XVI, da Lei nº 8.036/1990, com o fim de autorizar o saque integral dos depósitos do FGTS da conta vinculada da trabalhadora. O Decreto nº 5.113/2004, regulamentador do referido dispositivo legal, define o que se considera desastre natural, nos termos nele expressos. Não há referência, entretanto, à situação de pandemia. Por outro lado, a Medida Provisória nº 946, de 07/04/2020, impôs limites aos valores a serem levantados durante sua vigência (isto é, enquanto permanecer a pandemia da COVID-19), não se vislumbrando motivo para que tais balizas da lei não sejam observadas, “conforme cronograma de atendimento, critérios e forma estabelecidos pela Caixa Econômica Federal” , ante o precípuo objetivo de se evitar um colapso no sistema bancário. Releva acrescentar que o STF, nas ADIs 6371 e 6379, da relatoria do Ministro Gilmar Mendes – nas quais se pretendia a liberação de saque das contas vinculadas dos trabalhadores no FGTS em decorrência da pandemia do novo coronavírus – , indeferiu pedido de medida liminar. Considerando que, não obstante em sede liminar, a decisão do STF revela tendência a ser observada, além da legislação regulamentadora do saque do FGTS de forma específica à pandemia causada pela covid-19, não há como deferir a pretensão autoral. Assim, tendo em vista a análise sistemática dos aludidos dispositivos, depreende-se que a pandemia da covid-19 não se enquadra na conceituação legal de desastre natural, não havendo como reconhecer a possibilidade de expedição de alvará judicial, para o saque do FGTS. Há precedentes do TST. Transcendência jurídica reconhecida. Recurso de revista conhecido e não provido.
Processo: TST-RR-407-88.2020.5.17.0007