Para a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o juiz que conduz o inventário só pode exigir que o inventariante preste contas até o momento de sua remoção do processo, sendo vedado ao magistrado, por consequência, determinar a prestação incidental depois da retirada do inventariante.
Após o ato de remoção, contudo, ainda é possível a propositura de ação autônoma de exigir contas por qualquer dos legitimados contra o inventariante removido – observado, nesse caso, o prazo prescricional de dez anos previsto pelo artigo 205 do Código Civil de 2002.
Com base nesse entendimento, o colegiado deu provimento ao recurso especial de uma idosa de 98 anos – única herdeira da irmã, que faleceu em 2006 –, por meio do qual se buscava o reconhecimento da prescrição do prazo de prestação de contas referente à época em que ela era a inventariante.
Em 2019, juiz pediu esclarecimentos sobre alvará judicial expedido em 2006
De acordo com os autos, ainda em 2006, o juízo atendeu ao pedido da inventariante para vender o único imóvel de sua irmã, com a finalidade de quitar as dívidas da falecida. A venda do bem foi concretizada em 2007.
A idosa foi removida da inventariança em 2016, tendo sido nomeado novo inventariante no processo. Em 2019, o juízo determinou que a inventariante removida prestasse contas, especialmente sobre o alvará judicial que autorizou a venda do imóvel.
A decisão de primeira instância foi mantida pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), sob o fundamento de que, nos termos do artigo 618, inciso VII, do Código de Processo Civil, incumbe ao inventariante prestar contas de sua gestão ao deixar o cargo ou sempre que o juiz ordenar.
Expressão “sempre que o juiz determinar” não é irrestrita
A relatora do recurso, ministra Nancy Andrighi, apontou que, consoante o artigo 618, inciso VII, do Código de Processo Civil, na ação de inventário, existe o dever legal do inventariante de demonstrar precisamente a destinação dos bens e direitos sob a sua administração.
Desse modo, a ministra afirmou que o juiz pode, de fato, determinar a prestação de contas da gestão do inventário sempre que verificar a necessidade de examinar os atos praticados ou quando o inventariante deixar o cargo.
Contudo, Nancy Andrighi destacou que a expressão “sempre que o juiz determinar”, contida no artigo 618 do CPC/2015, faz referência somente a períodos anteriores à remoção do inventariante. É vedado ao juiz exigir a prestação de contas incidentalmente no inventário em momento posterior à remoção – inclusive porque, segundo a relatora, uma das consequências da ausência de prestação de contas é, justamente, a remoção do inventariante.
“Desde logo parece não haver dúvida que, de acordo com o legislador processual, é mais adequado que o inventariante preste contas da inventariança exercida no exato momento em que ‘deixar o cargo’, isto é, ao tempo de sua remoção”, ressaltou a ministra.
Ação autônoma de exigir contas ainda é possível
De acordo com a relatora, embora seja inadmissível a exigência de prestação de contas após a remoção do inventariante incidentalmente na ação de inventário, ainda é possível que qualquer dos legitimados em desfavor do inventariante removido proponha de ação autônoma de exigir contas, observado o prazo prescricional decenal previsto no artigo 205 do Código Civil.
“Não se deve confundir a pretensão de prestação de contas, a ser exercida em face de quem administra patrimônio alheio ou comum, a fim de que demonstre a destinação dos bens e direitos, da prestação de contas exigível em virtude de relação de inventariança”, declarou Nancy.
Ao dar provimento ao recurso, Nancy Andrighi apontou que a ordem judicial de prestação de contas foi proferida quase 12 anos após a concretização da venda do imóvel e mais de três anos após a remoção da inventariante.
O recurso ficou assim ementado:
CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE INVENTÁRIO. PRESTAÇÃO DE CONTAS INCIDENTAL DETERMINADA PELO JUIZ. PRAZO PRESCRICIONAL DECENAL DA PRETENSÃO DE EXIGIR CONTAS. INAPLICABILIDADE AO JUIZ. INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA DE DIREITO MATERIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS NO INVENTÁRIO QUE É DEVER LEGAL DO INVENTARIANTE. EXIGIBILIDADE PELO JUIZ A QUALQUER TEMPO, ENQUANTO PERDURAR A INVENTARIANÇA, OU NO MOMENTO DA REMOÇÃO DO INVENTARIANTE. DETERMINAÇÃO JUDICIAL DE PRESTAÇÃO DE CONTAS APÓS A REMOÇÃO. IMPOSSIBILIDADE DE PRESTAÇÃO DE CONTAS INCIDENTALMENTE NO INVENTÁRIO. POSSIBILIDADE, CONTUDO, DE PROPOSITURA DE AÇÃO AUTÔNOMA DE EXIGIR CONTAS POR QUALQUER LEGITIMADO APÓS A REMOÇÃO DO INVENTARIANTE, OBSERVADO O PRAZO PRESCRICIONAL DECENAL.1- Ação distribuída em 20⁄02⁄2006. Recurso especial interposto em 25⁄05⁄2020 e atribuído à Relatora em 09⁄04⁄2021.2- Os propósitos recursais consistem em definir: (i) se se aplica o prazo prescricional de 10 anos na hipótese em que o juiz exige a prestação de contas pelo inventariante removido acerca de atos praticados durante a ação de inventário; (ii) se o prazo para a prestação de contas pelo inventariante também é de 15 dias, aplicando-se, por analogia, o art. 550, § 5º, do CPC⁄15.3- É inaplicável o prazo prescricional decenal relativo à pretensão de exigir contas à hipótese em que se discute a existência, ou não, de prazo para o juiz determinar a prestação de contas pelo inventariante removido em razão de atos praticados ao tempo da inventariança, na medida em que o juiz não é titular de nenhuma relação jurídica de direito material que o coloque em posição de pleitear, sob pena de prescrição, a prestação das contas pelo inventariante.4- Na ação de inventário, há um dever legal do inventariante, por ele assumido quando nomeado, de demonstrar precisamente a destinação dos bens e direitos sob a sua administração, prestando contas de sua gestão ao deixar o cargo ou sempre que o juiz lhe determinar (art. 991, VII, do CPC⁄73; art. 618, VII, do CPC⁄15).5- Pode o juiz determinar a prestação de contas sempre que verificar a necessidade de examinar os atos de administração praticados pelo inventariante ou no momento de sua remoção, não sendo admissível, contudo, exigir a prestação de contas incidentalmente no inventário em momento posterior à remoção.6- O fato de ser mandatório ao juiz determinar a prestação de contas pelo inventariante no momento de sua remoção, sendo-lhe vedado exigi-las em momento posterior, não impede a propositura de ação de exigir contas por qualquer dos legitimados em desfavor do inventariante removido, observado o prazo prescricional decenal previsto no art. 205 do CC⁄2002.7- Na hipótese, a inventariante, idosa com atualmente 98 anos e única herdeira da autora da herança, foi removida em 06⁄04⁄2016 e a determinação judicial de prestação de contas foi dada apenas em 14⁄06⁄2019, relativamente a um ato de alienação de imóvel pertencente ao espólio a terceiro ocorrido em 20⁄07⁄2007, não sendo admissível a prestação de contas incidentalmente no inventário, mas apenas em eventual ação autônoma de exigir contas.8- Recurso especial conhecido e provido, a fim de tornar inexigível a prestação de contas do inventariante removido incidentalmente na ação de inventário, ficando prejudicado o exame da questão relativa ao prazo para cumprimento da ordem judicial de apresentação das contas.
Leia o acórdão no REsp 1.941.686.