Portador de obesidade mórbida e com problemas de saúde que o impediam de exercer atividades que exigissem maiores esforços físicos, um empregado da Petróleo Brasileiro S.A. (Petrobras) conseguiu na Justiça do Trabalho a sua reintegração, após ter sido demitido por justa causa por abandono de emprego. Segundo a empresa, ele não retornou ao trabalho apesar de inúmeras convocações feitas durante meses, após cessar o auxílio doença do INSS e de ter sido negado o seu pedido de reconsideração.
Ao julgar o caso, a Subseção I Especializada em Dissídios Individuais (SDI-1) do Tribunal Superior do Trabalho não proveu agravo em embargos interpostos pela Petrobras. Com isso, prevalece a decisão que reconheceu o direito do trabalhador à reintegração, porque informou, por meio de atestado médico, a necessidade de permanecer afastado para de tratamento de saúde.
Problemas nos joelhos
Aprovado em concurso público e contratado em 1987, o empregado foi auxiliar, inspetor de segurança, operador e motorista, em diversas localidades. Com problemas nos joelhos e na região lombar devido à obesidade mórbida, esteve afastado do trabalho, em gozo de auxílio doença pelo INSS, de julho de 2007 a novembro de 2008.
Até obter licença médica e passar a receber o auxílio previdenciário, ele trabalhava no setor de sondagem, desenvolvendo tanto atividades burocráticas quanto serviços de desmontagem, transporte e montagem de sondas. Cessado o auxílio, seu pedido de reconsideração foi negado pelo INSS, que o considerou apto para o trabalho.
Em novembro de 2008, o médico particular do empregado atestou sua impossibilidade de voltar a assumir suas funções, indicando a necessidade de mais 90 dias de afastamento para tratamento do menisco e do ligamento cruzado do joelho esquerdo. A empresa, no entanto, desprezou essa indicação médica e passou a convocá-lo de volta ao trabalho, informando-o, através de telefonemas, telegramas e visita residencial de assistente social, sobre o registro das faltas injustificadas e de descontos salariais. Sem acatar as ordens de regresso, o trabalhador foi dispensado por justa causa e ajuizou a reclamação trabalhista para obter a reintegração, que foi deferida e cumprida. A Petrobras, porém, questionou a sentença.
Ao examinar o caso, o Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região (RN) destacou que, para a caracterização da justa causa por abandono de emprego, seria necessária a presença concomitante de dois requisitos: o objetivo, que é o tempo de afastamento, e o subjetivo – a intenção de romper o vínculo de emprego. Nesse sentido, entendeu que não foi demonstrado o elemento subjetivo, pois o empregado avisou a empresa do seu estado de saúde e da necessidade de permanecer afastado em decorrência do tratamento. Além disso, o TRT ressaltou que ele estava protegido pela estabilidade provisória de um ano decorrente do auxílio doença, conforme prevê o artigo 118 da Lei 8.213/1991.
Para o TRT-RN, havia relação entre as funções exercidas pelo empregado e a seu problema de artrose nos joelhos, embora não fossem a sua causa direta. Conforme o laudo pericial, ao subir e descer escadas e caminhar, ele estava exposto aos riscos da ação do trauma provocado por repetitividade de movimentos, ferimentos e fadiga, agravado pelo excesso de peso e sedentarismo. O Regional, então, concluiu pela manutenção da sentença quanto à reintegração.
TST
A decisão provocou recursos sucessivos da Petrobras ao TST. A Quarta Turma não conheceu do recurso de revista quanto a esse tema, o que levou a empresa a interpor embargos e agravo à SDI-1, alegando, entre outros pontos, a má aplicação das Súmulas 32 (sobre abandono de emprego) e 378 (sobre estabilidade provisória em acidente de trabalho).
Ao analisar a questão, a relatora, ministra Dora Maria da Costa, entendeu incabível o conhecimento do recurso. Quanto às Súmulas 32 e 378, observou que a Quarta Turma, em sua decisão, “não emitiu tese acerca desses verbetes”, limitando-se a registrar que as alegações da empresa exigiam o reexame de provas, o que era vedado pela Súmula 126 do TST.
O recurso ficou assim ementado:
I – AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. MULTA PREVISTA NO ART. 475-J DO CPC. O Tribunal Regional manteve a sentença em que se determinou a aplicação do art. 475-J do CPC. Segundo dispõe o art. 769 da CLT, a aplicação subsidiária do direito processual comum ao processo do trabalho somente será possível em caso de omissão na CLT, e desde que não haja incompatibilidade com as normas processuais trabalhistas. A execução trabalhista tem regras próprias para instar o devedor a pagar o débito, prevendo que, para tanto, o devedor deverá ser citado para pagar em 48 horas ou garantir a execução sob pena de penhora (arts. 880, 882 e 883 da CLT). Dessa forma, prevendo a legislação trabalhista para a mesma hipótese (não cumprimento da sentença no prazo legal) procedimentos distintos, não cabe falar em aplicação subsidiária do Código de Processo Civil. No processo trabalhista não há a figura da multa pelo não cumprimento da sentença. Inexistindo previsão expressa na CLT acerca de multa pelo não cumprimento da sentença no prazo de 15 dias, a aplicação subsidiária do art. 475-J do CPC implica ofensa ao art. 769 da CLT. Agravo de instrumento a que se dá provimento, a fim de determinar o processamento do recurso de revista, observando-se o disposto na Resolução Administrativa nº 928/2003.
II – RECURSO DE REVISTA. MULTA PREVISTA NO ART. 475-J DO CPC. No processo trabalhista não há a figura da multa pelo não cumprimento da sentença. Inexistindo previsão expressa na CLT acerca de multa pelo não cumprimento da sentença no prazo de 15 dias, a aplicação subsidiária do art. 475-J do CPC implica ofensa ao art. 769 da CLT. Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento. JUSTA CAUSA. ABANDONO DE EMPREGO. ANULAÇÃO. O Tribunal Regional manteve a sentença em que foi anulada a despedida do Reclamante por justa causa, com a respectiva reintegração. Não procede a alegação de ofensa ao art. 482 da CLT, uma vez que, tratando-se de artigo com várias alíneas e um parágrafo, a Reclamada não aponta qual parte do dispositivo legal foi afrontada. Incidência da Súmula 221, I, do TST. A Corte Regional manteve a anulação da dispensa por justa causa do Reclamante, sob o fundamento de que, para a caracterização do abandono de emprego, é essencial o animus abandonandi , ou seja, a real intenção do empregado em deixar definitivamente o seu trabalho (fl. 611 – negrito no original). Consignou, ainda, que, a) no caso em comento, repita-se, não ficou demonstrado o elemento subjetivo do abandono de emprego. Ao contrário, comprovou-se que o reclamante recorrido tempestivamente avisou a empresa recorrente, sua empregadora, do seu estado de saúde e da necessidade de permanecer afastado em decorrência do tratamento (fl. 611)e b) não há como negar a presença dos requisitos que ensejam o direito à estabilidade provisória decorrente de doença ocupacional (fl. 613). Ao afirmar que houve abandono de emprego, porque o Reclamante não atendeu às suas convocações e que o Reclamante não era detentor de estabilidade provisória, a Reclamada aponta contrariedade às Súmulas nºs 32 e 378 do TST e divergência jurisprudencial a partir de premissas fáticas diversas das consignadas pela Corte Regional. Assim, a revisão, na forma postulada pela Reclamada, exige o reexame de provas, vedado nesta fase recursal, inclusive por divergência jurisprudencial, nos termos da Súmula 126/TST. Recurso de revista de revista de que não se conhece.
Processo: RR-39100-07.2009.5.21.0011