Créditos do proprietário fiduciário não se submetem à recuperação, ainda que a garantia seja de terceiro

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu parcial provimento ao recurso de uma credora para reformar acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que decidiu que os seus créditos (aparelhados em três cédulas de crédito bancário) deveriam se submeter aos efeitos da recuperação judicial das devedoras, uma vez que a garantia correlata – alienação fiduciária – foi prestada por terceiro.

Reafirmando a posição adotada em julgados anteriores, os ministros concluíram que os créditos de titular na posição de proprietário fiduciário não se submetem aos efeitos da recuperação, independentemente da identificação pessoal do fiduciante ou do fiduciário com o bem imóvel ofertado em garantia ou com a própria empresa recuperanda.

No recurso ao STJ, a credora argumentou que seu crédito tem natureza extraconcursal, na medida em que o artigo 49, parágrafo 3º, da Lei 11.101/2005 “não faz qualquer restrição ao prestador da garantia da alienação fiduciária”.

Origem dos bens alienados fiduciariamente

A relatora, ministra Nancy Andrighi, lembrou que essa questão já foi apreciada pela Terceira Turma, em 2016, no julgamento do REsp 1.549.529, tendo o colegiado concluído que o fato de o bem imóvel alienado fiduciariamente não integrar o acervo patrimonial da devedora não afasta a regra disposta no parágrafo 3º do artigo 49 da Lei 11.101/2005.

Segundo explicou, o dispositivo estabelece que “o crédito detido em face da recuperanda pelo titular da posição de proprietário fiduciário de bem móvel ou imóvel não se submete aos efeitos do processo de soerguimento, prevalecendo o direito de propriedade sobre a coisa e as condições contratuais pactuadas”.

Na sua avaliação, o legislador não delimitou o alcance da regra em questão apenas aos bens alienados fiduciariamente originários do acervo patrimonial da própria sociedade em recuperação, tendo estipulado exclusivamente que o crédito de quem é “titular da posição de proprietário fiduciário” não se sujeita aos efeitos da recuperação.

Para a relatora, ao contrário do entendimento do TJSP, é irrelevante a identificação pessoal do fiduciante ou do fiduciário com o objeto da garantia ou com a própria sociedade recuperanda.

Limite do valor do bem dado em garantia

No caso, a magistrada concluiu que devem ser afastados dos efeitos da recuperação judicial os créditos titularizados pela credora – respeitado, contudo, o limite do valor do bem dado em garantia.

“O que deve ser afastado dos efeitos da recuperação judicial não é o montante integral previsto no contrato garantido pela alienação fiduciária, mas, sim, o valor equivalente ao bem cuja propriedade (fiduciária) foi transferida. Eventual saldo devedor excedente deve ser habilitado na classe dos quirografários”, afirmou.

Como consequência do reconhecimento da extraconcursalidade dos créditos em discussão, a ministra restabeleceu as cláusulas relativas ao vencimento antecipado, as quais haviam sido invalidadas pelas instâncias inferiores, uma vez que os contratos que as contêm não estão sujeitos à deliberação do juízo recuperacional.

 

O recurso ficou assim ementado:

RECURSO ESPECIAL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. IMPUGNAÇÃO DE CRÉDITO. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. QUESTÃO PREJUDICADA. PRIMAZIA DA DECISÃO DE MÉRITO. CRÉDITOS GARANTIDOS POR ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. BEM IMÓVEL DE TERCEIRO. CIRCUNSTÂNCIA QUE NÃO AFASTA A INCIDÊNCIA DA REGRA DO ART. 49, § 3º, DA LFRE. PRECEDENTE. EXTRACONCURSALIDADE DO CRÉDITO GARANTIDO POR ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA QUE SE LIMITA AO VALOR DO BEM DADO EM GARANTIA. RESTABELECIMENTO DAS CLÁUSULAS CONTRATUAIS DECLARADAS NULAS.
1. Incidente de impugnação de crédito apresentado em 19⁄3⁄2018. Recurso especial interposto em 11⁄11⁄2020. Autos conclusos ao gabinete da Relatora em 22⁄4⁄2021.
2. O propósito recursal, além de verificar eventual negativa de prestação jurisdicional, consiste em definir (i) se o crédito vinculado à garantia prestada por terceiro se submete aos efeitos da recuperação judicial da devedora e (ii) se configura julgamento ultra petita a declaração de nulidade de cláusula que prevê o vencimento antecipado da obrigação inserta nos contratos que dão origem ao crédito impugnado.
3. Prejudicada a alegação de negativa de prestação jurisdicional, tendo em vista o princípio da primazia da decisão de mérito.
4. O afastamento dos créditos de titulares de posição de proprietário fiduciário dos efeitos da recuperação judicial da devedora independe da identificação pessoal do fiduciante ou do fiduciário com o bem imóvel ofertado em garantia ou com a própria recuperanda. Precedente específico da Terceira Turma.
5. A extraconcursalidade do crédito acobertado por alienação fiduciária limita-se ao valor do bem dado em garantia, sobre o qual se estabelece a propriedade resolúvel. Eventual saldo devedor que extrapole tal limite deve ser habilitado na classe dos quirografários. Precedente.
6. As cláusulas dos contratos que deram origem aos créditos não sujeitos à recuperação judicial não podem ser revistas de ofício pelo juízo recuperacional, sob pena de violação do princípio dispositivo.
RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO.

Leia o acórdão no REsp 1.933.995.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1933995

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