Confirmada restrição de prazo de patente do medicamento de alto custo Soliris

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) confirmou julgamento do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2) que fixou em 20 anos o prazo de proteção de patente do medicamento de alto custo Soliris, contados a partir da data do depósito do pedido de registro da patente, feito em maio de 1995, via sistema mailbox. O remédio – atualmente vendido para o governo federal por cerca de R$ 17 mil por embalagem – é utilizado para o tratamento da hemoglobinúria paroxística noturna, enfermidade que afeta o sistema sanguíneo.

Por unanimidade, o colegiado rejeitou recurso do laboratório Alexion Pharmaceuticals Inc., detentor da patente. Em virtude da demora na análise do pedido de patente pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), o laboratório defendia a necessidade de prazo mínimo de dez anos de proteção da invenção, contados a partir da data de concessão da patente, em agosto de 2010.

“Os efeitos negativos oriundos da extensão indevida do prazo de vigência das patentes, adiando a entrada em domínio público das invenções, são facilmente perceptíveis quando se trata de medicamentos de alto custo, como no particular, pois retardam o acesso ao mercado de genéricos, causando, como consequência, o prolongamento dos altos preços praticados e contribuindo para a oneração das políticas públicas de saúde, dificultando o maior acesso da população a tratamentos imprescindíveis”, apontou a relatora do recurso especial, ministra Nancy Andrighi.

O sistema de patentes mailbox está relacionado ao reconhecimento, pelo Brasil, da possibilidade do registro de patentes das áreas agroquímica e farmacêutica após a incorporação do Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (Acordo TRIPS), em 1995. Em virtude da adesão à convenção internacional e como forma de não prejudicar os interessados nas patentes até a adequação da legislação brasileira, os requerimentos de patentes ficaram na caixa de correio (mailbox) do INPI, aguardando exame até o início da vigência da nova legislação.

Prazos

Por meio de ação de nulidade, o INPI alegou que o parágrafo único do artigo 229 da Lei de Propriedade Industrial (LPI) estabeleceu para as patentes do sistema mailbox prazo máximo de 20 anos, contados da data do depósito. Todavia, apontou a autarquia, houve vício de nulidade na concessão da patente, já que foi considerado o prazo previsto no parágrafo único do artigo 40 da mesma lei, de no mínimo dez anos a partir da data da concessão.

Após sentença que estabeleceu a readequação do prazo da patente para 20 anos – sentença nessa parte confirmada pelo TRF2 –, o laboratório interpôs recurso especial no qual alegou que não poderia ser prejudicado pela demora no exame de seu pedido de patente, cuja falha deveria ser atribuída exclusivamente ao INPI. De acordo com a empresa, a autarquia deveria ter concluído a análise do requerimento em 31 de dezembro de 2004 e, na impossibilidade do cumprimento desse prazo, a vigência da patente deveria ser regulada pelo artigo 40 da LPI.

Interesse público

A ministra Nancy Andrighi destacou que, em relação às patentes depositadas pelo sistema mailbox, a LPI prevê efetivamente o limite de 20 anos para a proteção da patente, contado do dia em que o pedido foi depositado.

“Vale dizer, o fato de o texto do artigo 229, parágrafo único, da LPI dispor que referido prazo de vigência está somente limitado àquele previsto no caput do artigo 40 afasta, como corolário, a incidência do prazo do respectivo parágrafo único (dez anos contados da concessão)”, explicou a ministra.

A relatora também lembrou que o objetivo principal do sistema de patentes não é proteger a invenção exclusivamente, mas, sim, promover a atividade inventiva e o avanço tecnológico, a fim de atender os interesses da coletividade. Por isso, apontou a ministra, o titular do invento deve gozar de privilégio temporário como forma de compensar os custos de seu trabalho e, posteriormente, o invento ingressa em domínio público, tornando-se passível de exploração.

Queda nos preços

No caso analisado, a relatora destacou que o medicamento Soliris vem sendo adquirido pelo Sistema Único de Saúde para aplicação em alguns pacientes pelo custo individual de cerca de R$ 800 mil ao ano. A ministra também apontou estudos que indicam quedas médias de 66% nos preços dos medicamentos sem patente, “de modo que, de fato, a extensão indevida de prazos de vigência, como na hipótese, impõe sensíveis custos a maior para seus adquirentes”.

“Por fim, importa consignar que a partir da data da publicação do pedido de patente (e não apenas a partir do momento em que a patente é concedida), o depositante já possui tutela legal que lhe garante impedir o uso, por terceiros, do produto ou processo a que se refere seu requerimento, além de indenização por exploração indevida, conforme estipulam os artigos 42 a 44 da LPI. Dessa forma, apesar da expedição tardia da carta-patente pelo INPI, a invenção do recorrente, no particular, não esteve, em absoluto, desprovida de amparo jurídico durante esse lapso temporal”, concluiu a ministra ao negar o recurso especial do laboratório.

O recurso ficou assim ementado:

RECURSO ESPECIAL. PROPRIEDADE INTELECTUAL. MEDICAMENTOS. PATENTE MAILBOX. SISTEMA TRANSITÓRIO. ACORDO TRIPS. PRAZO DE VIGÊNCIA. REGRA ESPECÍFICA. 20 ANOS CONTADOS DA DATA DO DEPÓSITO. INPI. DESRESPEITO AO PRAZO LEGAL DE ANÁLISE. CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. IMPOSIÇÃO DOS ÔNUS DECORRENTES DA DEMORA À SOCIEDADE. AUSÊNCIA DE RAZOABILIDADE. VIOLAÇÃO DA BOA-FÉ E DA SEGURANÇA JURÍDICA. NÃO OCORRÊNCIA. INTERPRETAÇÃO PASSÍVEL DE GERAR TRATAMENTO DISCRIMINATÓRIO A SETORES TECNOLÓGICOS ESPECÍFICOS. TRATADO INTERNACIONAL E LEI INTERNA. PARIDADE HIERÁRQUICA. PRECEDENTE DO STF.
1- Ação ajuizada em 12⁄9⁄2013. Recurso especial interposto em 22⁄1⁄2016 e concluso ao Gabinete em 7⁄11⁄2017.
2- O propósito recursal é definir se o prazo de vigência da patente mailbox concedida ao recorrente (PI9507594-1) é de 20 anos contados da data do depósito ou de 10 anos contados de sua concessão.
3- O sistema denominado mailbox consistiu em mecanismo transitório adotado para salvaguarda de pedidos de patentes relacionadas a produtos farmacêuticos e produtos agroquímicos, cuja tutela jurídica resultou da internalização no País, em 1⁄1⁄1995, do Acordo TRIPS (Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio).
4- Tratando-se de patentes excepcionalmente requeridas pelo sistema mailbox, a Lei de Propriedade Industrial, em suas disposições finais e transitórias, estabeleceu regra expressa assegurando proteção, a partir da data da respectiva concessão, limitada ao prazo remanescente previsto no caput do seu art. 40 (20 anos contados do dia do depósito), circunstância que afasta, como corolário, a possibilidade de incidência do prazo excepcional do respectivo parágrafo único (10 anos a partir da concessão).
5- A norma que prescreve que o prazo de vigência de patente de invenção não deve ser inferior a 10 anos da data de sua concessão está inserida em capítulo da LPI que versa sobre regras gerais, aplicáveis ao sistema ordinário de concessão de patentes, de modo que, à míngua de remição legal específica, não irradia efeitos sobre matéria a qual foi conferido tratamento especial pela mesma lei.
6- A LPI não prescreve quaisquer consequências para a eventualidade de a análise dos pedidos de patente mailbox extrapolar o prazo nela fixado.
7- Tratando-se de medicamentos, adiar a entrada em domínio público das invenções significa retardar o acesso ao mercado de genéricos, causando, como consequência, o prolongamento de preços mais altos, o que contribui para a oneração das políticas públicas de saúde e dificulta o acesso da população a tratamentos imprescindíveis.
8- Inexistência, na espécie, de violação à proteção da boa-fé e da segurança jurídica. A um, porque a concessão da proteção patentária por período de tempo em evidente descompasso com o texto expresso da LPI, facilmente observável no particular, não pode ser considerada fonte de criação de expectativa legítima em seus titulares. A dois, porque a questão jurídica posta a desate extrapola a mera relação existente entre a autarquia e a empresa recorrente, sendo certo que os efeitos do ato administrativo irradiam-se por todo o tecido social, não se afigurando razoável impor pesados encargos à coletividade em benefício exclusivo dos interesses econômicos da empresa recorrente.
9- Cuidando-se de eventual conflito envolvendo tratado internacional e lei interna, o Supremo Tribunal Federal assentou que vigora no Brasil um sistema que lhes atribui paridade hierárquica, daí resultando que eventuais dicotomias devem ser solucionadas pelo critério da especialidade ou pelo critério cronológico.
10- O autor do invento possui tutela legal que lhe garante impedir o uso, por terceiros, do produto ou processo referente ao requerimento depositado, além de indenização por exploração indevida de seu objeto, a partir da data da publicação do pedido (e não apenas a partir do momento em que a patente é concedida). Dessa forma, apesar da expedição tardia da carta-patente pelo INPI, a invenção do recorrente não esteve, em absoluto, desprovida de amparo jurídico durante esse lapso temporal.
11- Recurso especial não provido.

Leia o acórdão.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1721711

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