Edificação ilegal está localizada em área de preservação permanente
As concessionárias Rio Paraná Energia S/A e Companhia Energética de São Paulo (CESP), a Prefeitura Municipal de Rubineia/SP e os proprietários do Rancho Sato devem custear a recuperação do meio ambiente e a remoção de edificação localizada no entorno da Usina Hidrelétrica de Ilha Solteira. A decisão é da Sexta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3), que determinou a reparação de dano decorrente da construção de imóvel em área de preservação permanente (APP), no interior paulista.
Para o colegiado, ficou comprovada a omissão dos réus na degradação ambiental na região. “A responsabilidade pela reparação do dano é objetiva, independendo de culpa, e solidária, conforme disposições contidas na Lei nº 6.938/81, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente”, ressaltou o desembargador federal relator Johonsom di Salvo.
O magistrado observou que a Rio Paraná Energia S/A sucedeu a CESP como concessionária responsável pela Usina Hidrelétrica de Ilha Solteira e ponderou que a reparação da área é dever de ambas as empresas. “A Prefeitura de Rubinéia também deve arcar com os custos, uma vez que permitiu e incentivou o loteamento na região da APP, inclusive editando legislação nesse sentido”, acrescentou.
A recuperação ambiental havia sido determinada pela 1ª Vara Federal de Jales, que acolheu pedido do Ministério Público Federal (MPF) em ação civil pública. No processo, o órgão ministerial argumentou ter havido omissão das concessionárias de energia elétrica e do Município de Rubinéia/SP, que promulgou legislação autorizadora das edificações na APP.
O pedido está baseado no Código Florestal (Lei nº 12.651/2012), que disciplina o dano ambiental e define a APP, em zonas rurais ou urbanas, como “as faixas marginais de qualquer curso d\’água natural perene e intermitente; o entorno dos lagos, lagoas, reservatórios d’água artificiais, nascentes e olhos d’água; as encostas; as restingas; os manguezais; as bordas dos tabuleiros ou chapadas; o topo de morros, montes, montanhas e serras; as veredas”.
A União e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), executor da Política Nacional do Meio Ambiente, participam da ação civil pública como coautores.
Recursos
Tanto o Ibama quanto o MPF apelaram ao TRF3. Ao analisar as apelações, o desembargador federal relator descartou o requerimento do Ibama de julgar o processo em conjunto com outras 510 ações civis públicas que objetivam a reparação de dano ambiental na APP, para se evitarem decisões conflitantes.
“Cada ação civil pública diz respeito a um imóvel específico, que pode ter sido submetido a perícia técnica ou não, o que implica situações fáticas diversas. Consequentemente, o julgamento conjunto desse rol de ações civis públicas não se mostra indicado.”
O magistrado também desconsiderou os argumentos das concessionárias, que alegaram ilegitimidade para responder à ação. “O dano ambiental em questão iniciou-se e tomou corpo ao tempo da CESP. E a Rio Paraná Energia S/A, contratualmente, tornou-se responsável pela APP do entorno da Usina de Ilha Solteira e, nessa esteira, por eventual passivo ambiental.”
O relator votou ainda no sentido de que os proprietários do Rancho Sato e a Prefeitura de Rubineia também respondam pelo dano ambiental. Levantamento feito pela Polícia Militar do Estado de São Paulo comprovou que no local há uma edificação dos “rancheiros” em alvenaria a aproximadamente 28 metros de distância do nível máximo do reservatório.
Assim, a Sexta Turma, por unanimidade, deu parcial provimento às apelações do MPF e do Ibama e determinou que a reparação do dano ambiental envolva a remoção de qualquer intervenção existente na APP e a recomposição da vegetação nativa, conforme plano/projeto/programa aprovado pelo órgão ambiental federal.
O recurso ficou assim ementado:
DANO AMBIENTAL NA ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE NO ENTORNO DO RESERVATÓRIO DA USINA HIDRELÉTRICA DE ILHA SOLTEIRA: ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal objetivando a reparação de dano ambiental no imóvel conhecido como Rancho Sato, pertencente a Toshio Sato e Chieko Sato, edificado na área de preservação permanente (APP) do entorno da Usina Hidrelétrica (UHE) de Ilha Solteira em Rubinéia/SP, por omissão da Companhia Energética de São Paulo (CESP), na qualidade de concessionária da UHE de Ilha Solteira, da União Federal, na qualidade de poder concedente, do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), na qualidade de executor da Política Nacional do Meio Ambiente, e do Município de Rubinéia/SP, que promulgou legislação autorizadora das edificações em APP. No decorrer da instrução, a União Federal e o IBAMA foram transferidos para o polo ativo e a empresa Rio Paraná Energia S/A passou a integrar o polo passivo. O feito foi julgado parcialmente procedente, motivando a apelação do Ministério Público Federal, da União Federal, do IBAMA, da CESP e da Rio Paraná Energia S/A. JULGAMENTO CONJUNTO AFASTADO: esta é uma das 501 ações civis públicas ajuizadas pelo Ministério Público Federal entre os anos de 2008 e 2012, objetivando a reparação de dano ambiental na APP do entorno da UHE de Ilha Solteira. Cada ação civil pública diz respeito a um imóvel específico, que pode ter sido submetido à perícia técnica ou não, o que implica em situações fáticas diversas. Consequentemente, o julgamento conjunto desse rol de ações civis públicas não se mostra indicado. DA CONCESSÃO DA UHE DE ILHA SOLTEIRA: a UHE de Ilha Solteira, localizada no Rio Paraná, entre os municípios de Ilha Solteira/SP e Selvíria/MS é a terceira maior usina de energia elétrica no Brasil e a maior no Estado de São Paulo. No ano de 1970, a concessão para exploração da UHE de Ilha Solteira foi outorgada à CESP pela União Federal, por meio do Decreto nº 67.066, de 17/8/1970, sendo prorrogada por mais 20 anos, de 8/7/1995 a 7/7/2015, pela Portaria nº 289/2004 do Ministério das Minas e Energia, que antecedeu o Contrato de Concessão nº 003/2004/ANEEL/CESP (processo nº 48500.005033/00-41). Em 2105, a empresa China Three Gorges Brasil Energia Ltda (CTG BRASIL) /Rio Paraná Energia S/A venceu o processo licitatório aberto pela Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), obtendo a concessão da UHE de Ilha Solteira por 30 anos, formalizada por meio do Contrato de Concessão nº 01/2016/MME (processo 48500.002243/2015-62), firmado em 5/1/2016. Ou seja, em 7/7/2009, quando essa ação civil pública foi ajuizada, a concessão da UHE de Ilha Solteira era da CESP e no decorrer da instrução, em 5/1/2016, passou à Rio Paraná Energia S/A. ILEGITIMIDADE PASSIVA SUSCITADA PELA CESP E PELA RIO PARANÁ ENERGIA S/A AFASTADA: não obstante a vasta argumentação dessas corrés, cada qual defendendo a sua ilegitimidade passiva, ambas devem responder a ação. O dano ambiental em questão iniciou-se e tomou corpo ao tempo da CESP. E a Rio Paraná Energia S/A, contratualmente, tornou-se responsável pela APP do entorno da UHE de Ilha Solteira e, nessa esteira, por eventual passivo ambiental. Acrescente-se que os deveres associados à APP, além de solidários, têm natureza propter rem, aderindo ao título de domínio ou posse (STJ – Súmula 623, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 12/12/2018, DJe 17/12/2018). LITISCONSÓRCIO PASSIVO FACULTATIVO: ainda em relação à CESP e à Rio Paraná Energia S/A, cuida-se de hipóteses de litisconsórcio passivo facultativo, competindo ao autor, o Ministério Público Federal, a opção de litigar em desfavor de uma ou da outra ou de ambas, como ocorreu no caso dos autos. Em outras palavras, não é caso de sucessão processual, e sim de integração à lide (STJ – AgInt no REsp 1860338/AM, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 08/02/2021, DJe 11/02/2021; AgInt no AREsp 1250031/SP, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 28/09/2020, DJe 30/09/2020). E como bem ressaltado pelo Ministério Público Federal, ainda que sobre a Rio Paraná Energia S/A, na qualidade de nova concessionária da UHE de Ilha Solteira, recaiam as obrigações de fazer atuais e prospectivas, como a efetiva reparação do dano e a fiscalização da APP, sobre a CESP permanece a responsabilidade pela degradação ambiental havida na sua gestão. Tanto que essa Corte, em casos análogos, já decidiu pela manutenção da CESP e da RIO PARANÁ ENERGIA S/A no polo passivo (TRF 3ª Região – 3ª Turma, AI 5024549-37.2018.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal NELTON AGNALDO MORAES DOS SANTOS, julgado em 12/07/2021; 6ª Turma, AI 5015616-75.2018.4.03.0000, Rel. Juiz Federal Convocado LEILA PAIVA MORRISON, julgado em 09/02/2020; 3ª Turma, AI 5015589-92.2018.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal CECILIA MARIA PIEDRA MARCONDES, julgado em 17/12/2019). DO INTERESSE PROCESSUAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL: ainda que a perícia técnica não tenha sido realizada e haja discussão acerca da extensão da APP, não há prova nos autos de que o dano ambiental no Rancho Sato inexista, de modo que persiste o interesse processual do Ministério Público Federal. OFENSA AO CONTRADITÓRIO E CERCEAMENTO DE DEFESA NÃO CONFIGURADOS: o Juízo a quo, ao sanear do feito, determinou a inversão do ônus probatório em desfavor dos proprietários do imóvel, no caso Toshio Sato e Chieko Sato, nomeou perito judicial e fixou seus honorários, com a advertência de que na inércia desses corréus, os autos iriam à conclusão para sentença. Tal decisão, devidamente fundamentada, decorreu do elevado número de ações civis públicas ajuizadas e dos custos inerentes à realização de tantas provas técnica, em especial paras as corrés CESP e Rio Paraná Energia S/A. A CESP, além de não impugnar essa decisão, nomeou assistente técnico e apresentou quesitos. Trata-se de questão acobertada pela preclusão, portanto. DA SITUAÇÃO FÁTICA: Toshio Sato e Chieko Sato, casados em comunhão de bens, adquiriram o imóvel conhecido como Rancho Sato por escritura pública de compra e venda lavrada em 13/7/1988, identificado como lote nº 5/quadra nº 1 do “Loteamento Rubaiá”, em Rubinéia/SP, com área total de 670,5 metros quadrados. O “Loteamento Rubaiá” derivou da Lei Municipal nº 253/1978, editada pelo Município de Rubinéia/SP, que declarou como “área urbana de lazer” a parte do seu território banhada pelo reservatório da UHE de Ilha Solteira. O procedimento administrativo nº 1.34.015.000424/2004-11, instaurado pela Procuradoria da República em São José do Rio Preto/SP, que instrui a inicial, atesta a existência de edificação em alvenaria no Rancho Sato, dentre outras informações. DO NOVO CÓDIGO FLORESTAL: o Ministério Público Federal, com base no princípio do tempus regit actum, defende que a extensão da APP no entorno do reservatório da UHE de Ilha Solteira a ser considerada nesses autos é de 100 metros, a partir do seu nível máximo normal, em conformidade com a Lei 4.771/65, que encerrava o antigo Código Florestal, a Resolução CONAMA nº 4/1985 e a Resolução CONAMA nº 302/2002. Durante a tramitação dessa ação civil pública foi promulgada a Lei nº 12.651/2012, que trouxe o novo Código Florestal, alterando substancialmente a legislação afeta ao tema, com especial destaque aos seus artigos 4º, III, 5º e 62. É sabido que o STF reconheceu a constitucionalidade desses dispositivos legais no julgamento da ação declaratória de constitucionalidade nº 42, além de afastar a aplicação automática do princípio da vedação do retrocesso para anular opções validamente eleitas pelo legislador (STF – ADC 42, Relator(a): LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 28/02/2018, publicado em 13/08/2019). Cuida-se de decisão vinculante e cogente. É o que se depreende do recente julgamento da reclamação nº 38.764 pelo STF, onde foi cassada a decisão proferida em sede de apelação por esse TRF3R, nos autos da ação civil pública nº 0002737-88.2008.4.03.6106, que privilegiou o princípio do tempus regit actum para afastar a incidência do artigo 62 da Lei nº 12.651/2012 (STF – Rcl 38764/SP, Relator(a): Min. EDSON FACHIN, julgamento em 28/05/2020, publicado em 17/06/2020). DELIMITAÇÃO DA EXTENSÃO DA APP AO TEOR DO ARTIGO 62 DA LEI Nº 12.651/2012 MANTIDA: nesse contexto, o Juízo a quo acertadamente rejeitou a aplicação do princípio do tempus regit actum defendido pelo Ministério Público Federal e determinou que a extensão da APP no entorno do reservatório da UHE de Ilha Solteira a ser considerada nesses autos é a prevista no artigo 62 da Lei nº 12.651/2012. Precedentes dessa Corte (TRF 3ª Região, 3ª Turma, ApCiv 0030711-17.2015.4.03.9999, Rel. Desembargador Federal NELTON AGNALDO MORAES DOS SANTOS, julgado em 11/11/2021; , 2ª Seção, AR 5020192-48.2017.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal ANTONIO CARLOS CEDENHO, julgado em 06/05/2021; ApCiv 0011307-97.2007.4.03.6106, 6ª Turma, Rel. Desembargador Federal DIVA PRESTES MARCONDES MALERBI, julgado em 30/04/2021). APP EM ÁREA CONSOLIDADA: o artigo 62 do novo Código Florestal, inserto na Seção II – Das Áreas Consolidadas em Área de Preservação Permanente, dentro do Capítulo XIII – Disposições Transitórias, diz respeito à APP em área consolidada, onde já existe ocupação/atividade antrópica estabelecida. E esse é justamente o caso dessa ação civil pública, uma vez que o imóvel em questão está inserido no “Loteamento Rubaiá”, cuja origem remota à Lei Municipal nº 253/1978, editada pelo Município de Rubinéia/SP, e foi adquirido de terceiros, em cadeia sucessória, pelos corréus Toshio Sato e Chieko Sato em 13/7/1988. Acrescente-se que o Juízo a quo, ao afastar a tramitação conjunta das 501 ações civis públicas que objetivam a reparação de dano ambiental na APP do entorno da UHE de Ilha Solteira, privilegiou o exame individualizado de cada uma das situações postas, o que – per si – afasta o risco de “generalização” aventado pelo IBAMA e pela União Federal. DANO AMBIENTAL: embora a perícia técnica não tenha sido realizada e, consequentemente, a intervenção antrópica sobre a APP confirmada, não significa que a mesma inexista, ainda mais quando se tem notícia de que no local há uma edificação em alvenaria. E, existindo, deve ser removida e o dano ambiental reparado. Correta, por conseguinte, a sentença quando determina que a intervenção ou não em APP, até então presumida, deve ser apurada em liquidação de sentença e, caso configurada, seja integralmente retirada para promoção da recuperação ambiental. RESPONSABILIDADE OBJETIVA E SOLIDÁRIA: a responsabilidade pela reparação do dano ambiental é objetiva, independendo de culpa, e solidária, conforme disposições contidas na Lei nº 6.938/81, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, e na Lei nº 12.651/2012 (STJ – REsp 1454281/MG, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 16/08/2016, DJe 09/09/2016; TRF3R – ApelRemNec 0008081-56.2013.4.03.6112, 3ª Turma, Rel. Desembargador Federal ANTONIO CARLOS CEDENHO, julgado em 08/10/2021; ApCiv 0002504-97.2013.4.03.6112, 6ª Turma, Rel. Desembargador Federal LUIS ANTONIO JOHONSOM DI SALVO, julgado em 05/02/2021; ApCiv 0011402-93.2008.4.03.6106, 6ª Turma, Rel. Desembargador Federal LUIS ANTONIO JOHONSOM DI SALVO, julgado em 20/11/2020; ApCiv 5004024-31.2018.4.03.6112, 3ª Turma, Rel. Desembargador Federal CECILIA MARIA PIEDRA MARCONDES, julgado em 02/05/2019; Ap – 0009179-47.2011.4.03.6112, 6ª Turma, Rel. JUIZ CONVOCADO LEONEL FERREIRA, julgado em 29/11/2018). Apelações do Ministério Público Federal e do IBAMA providas nesse capítulo, para reconhecer a responsabilidade solidária de todos os corréus pela reparação do dano ambiental. PLANO DE RECUPERAÇÃO AMBIENTAL: a reparação do dano ambiental deve abarcar a remoção de qualquer intervenção antrópica existente na APP e a recomposição da vegetação nativa, conforme plano/projeto/programa aprovado pelo órgão ambiental competente, que no caso se entende ser o IBAMA. Apelação do Ministério Público Federal provida nesse ponto. RECURSOS DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL E DO IBAMA PROVIDOS EM PARTE. RECURSOS DA UNIÃO FEDERAL, DA CESP E DA RIO PARANÁ ENERGIA S/A DESPROVIDOS.
Apelação Cível 0001396-36.2009.4.03.6124