Para magistrados, houve violação ao sigilo de comunicações no exercício da atividade profissional
A Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) condenou a União ao pagamento de indenização por danos morais, no valor de R$ 50 mil, ao advogado Roberto Teixeira por interceptações telefônicas determinadas na “Operação Lava Jato”.
Para o colegiado, a compensação pecuniária por danos morais é devida, uma vez que ficou comprovada e julgada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) a ilegalidade da medida de interceptação telefônica e o levantamento do sigilo do conteúdo das conversações interceptadas, no âmbito da operação, envolvendo o advogado e seus clientes.
“Demonstrada a indevida violação ao sigilo das comunicações do advogado Roberto Teixeira, no exercício da atividade profissional, em desconformidade com os limites constitucionais e as normas estabelecidas pela legislação de regência, assim como a ilegalidade da divulgação das conversações telefônicas interceptadas (art. 8º da Lei 9.296/96), resta caracterizada a lesão a direitos extrapatrimoniais do requerente, impondo-se reparação”, afirmou o desembargador federal relator Hélio Nogueira.
Conforme destaca o processo, a autorização do ex-juiz federal Sérgio Moro, lotado, à época, na 13ª Vara Criminal Federal de Curitiba/PR, para a interceptação do celular do advogado e do telefone do seu escritório de advocacia, em 2016, haveria se fundamentado na suposta existência de indícios da participação de Roberto Teixeira na fase de ocultação do delito de lavagem de dinheiro imputado ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
“Tais fundamentos expostos na decisão, contudo, mostraram-se insubsistentes e a ilegalidade das medidas vieram a ser reconhecidas pelo STF no julgamento do HC 164.493/PR, da Reclamação nº 23.457/PR e nos autos do Pedido de Quebra de Sigilo de Dados e/ou Telefônicos nº 5006205-98.2016.4.04.7000/PR.”
O desembargador federal pontuou que o STF julgou que a interceptação telefônica do ramal tronco do escritório de advocacia “Teixeira, Martins & Advogados” foi desprovida de amparo legal, havendo sido realizada e renovada sem a devida apreciação e fundamentação judicial. “Ademais, a violação do sigilo de todas as conversas realizadas pelos advogados integrantes do escritório interceptado, ao longo de todo o período de quase trinta dias em que perdurou a medida, consubstancia notória violação às prerrogativas constitucionais e legais da defesa”.
Indenização
Para o relator, ficaram demonstradas as repercussões do ato ilícito sobre a esfera de direitos da personalidade do autor. O magistrado explicou que a Constituição Federal assegura o direito fundamental à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem, bem como resguarda a inviolabilidade das correspondências e comunicações, garantindo, ainda, o direito à indenização por dano material, moral ou à imagem.
“Nesta ordem de ideias, considero que o levantamento do sigilo das conversas interceptadas – uma das condutas maculadas pela seletividade do ex-magistrado Sérgio Fernando Moro, conforme entendimento do STF – repercutiu na esfera da personalidade do autor e transcendeu o mero aborrecimento, violando o patrimônio imaterial do requerente, no âmbito das suas relações de direito privado.”
O desembargador federal ressaltou, ainda, que a reparação pela violação de direitos da vítima, pelos danos sofridos, segue a reafirmação dos direitos humanos e a prevenção à responsabilidade internacional do Estado, notadamente em face dos deveres de proteção às garantias judicias, à honra e à dignidade, previstas no Pacto de São José da Costa Rica.
Por fim, a decisão reformou, em parte, sentença da 1ª Vara Federal de São Paulo/SP que julgou improcedente o pedido de danos morais. Assim, o colegiado condenou a União em pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 50 mil, com correção monetária, pelo índice IPCA-E, e juros de mora de 0,5% ao mês, ambos a partir da data do acórdão.
O recurso ficou assim ementado:
CONSTITUCIONAL. CIVIL. APELAÇÃO. AÇÃO MANDAMENTAL E CONDENATÓRIA. EXCLUSÃO DE CONTEÚDO INDEVIDO DA REDE MUNDIAL DE COMPUTADORES E COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS. ERRO JUDICIÁRIO. OPERAÇÃO “LAVA JATO”. INTERVENÇÃO DE TERCEIROS. AJUFE. PERDA SUPERVENIENTE DE INTERESSE PROCESSUAL. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. VIOLAÇÃO A LIMITES CONSTITUCIONAIS E LEGAIS. DIVULGAÇÃO INDEVIDA DE CONTEÚDO INTERCEPTADO. LESÃO A PRERROGATIVAS DA ADVOCACIA E A DIREITOS DA PERSONALIDADE DO OFENDIDO. DIREITOS FUNDAMENTAIS. JURISPRUDÊNCIA DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. REPARAÇÃO. COMPENSAÇÃO PECUNIÁRIA POR DANOS MORAIS. RETIRADA DE CONTEÚDO INDEVIDAMENTE VEICULADO NA REDE MUNDIAL DE COMPUTADORES. PERTINÊNCIA SUBJETIVA DOS PROVEDORES DE CONTEÚDO RESPONSÁVEIS. ILEGITIMIDADE PASSIVA DA UNIÃO. RECURSO DE APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDO.
1. Afastada a alegação de nulidade por ausência de prestação jurisdicional na apreciação dos embargos de declaração opostos em face da sentença recorrida. Os embargos de declaração são inadequados à modificação do pronunciamento judicial proferido, devendo a parte inconformada valer-se dos recursos cabíveis para lograr tal intento. Evidenciada a oposição dos referidos embargos como tentativa de promover o reexame da causa, escorreita a rejeição.
2. O ingresso da Associação dos Juízes Federais do Brasil (AJUFE) no presente feito deu-se na qualidade de assistente simples da União Federal (art. 121 do CPC), ao fundamento de que o objeto da demanda se refere a ato judicial típico, ligado às prerrogativas da magistratura. Havendo o magistrado prolator dos provimentos jurisdicionais sobre os quais se fundamenta a pretensão deduzida nos autos sido posteriormente exonerado, a pedido, do cargo de juiz federal, resta configurada a perda superveniente de interesse processual da AJUFE em intervir no feito, porquanto não mais subsiste interesse jurídico da referida entidade de classe em que a sentença seja favorável a uma das partes, devendo o polo passivo ser ocupado apenas pela União Federal.
3. O ordenamento jurídico brasileiro consagra o direito fundamental à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem, bem como resguarda a inviolabilidade das correspondências e comunicações, assegurando, ainda, o direito à indenização por dano material, moral ou à imagem (art. 5º, inc. V, X e XII, da Constituição da República). Da mesma forma, as normas infraconstitucionais protegem os direitos da personalidade em face de lesão ou ameaça, bem como asseguram a reparação por perdas e danos (art. 12 do Código Civil). Tais comandos normativos, que resguardam o direito à reparação por atos violadores de interesses jurídicos patrimoniais ou extrapatrimoniais, são concretizados, em âmbito legal, pelo conjunto normativo que rege a disciplina da responsabilidade civil, cujos pressupostos – conduta humana, dano e nexo de causalidade – encontram-se previstos pelo Código Civil (art. 186 e 927) e cujos fundamentos se subdividem entre a responsabilidade subjetiva calcada na culpa e a responsabilidade objetiva embasada na teoria do risco administrativo (art. 37, § 6º, da Constituição) e da atividade (art. 927, parágrafo único, e art. 931, ambos do Código Civil).
4. A Lei 9.296/96, em plena conformidade com o princípio da proporcionalidade, estabelece que a interceptação de comunicações telefônicas somente será admitida, através de decisão devidamente fundamentada (art. 5º), nas hipóteses em que houver indícios razoáveis de autoria ou participação em infração penal punida com pena de reclusão e a prova não puder ser feita por outros meios disponíveis (art. 2º). O aludido diploma normativo dispõe, ainda, que deve ser preservado, em qualquer hipótese, o sigilo das diligências, gravações e transcrições respectivas (art. 8º), bem como que a gravação que não se mostrar estritamente pertinente à prova deverá ser inutilizada por decisão judicial (art. 9º).
5. Eventual provimento judicial que autorize a violação do sigilo das comunicações em desconformidade com os limites constitucionais ou com o regramento legal que disciplina a matéria consubstanciará medida lesiva a direito fundamental de estatura constitucional, cuja tutela é passível de ocorrer por meio da determinação de restauração do bem jurídico ao seu status quo ante ou, caso isso não seja possível, através da fixação de compensação pecuniária.
6. O STF, no julgamento do HC 164.493/PR e da Reclamação nº 23.457/PR, reconheceu a ilegalidade da medida de interceptação telefônica deflagrada perante o Juízo da 13ª Vara Criminal Federal da Subseção Judiciária de Curitiba/PR, nos autos do “Pedido de Quebra de Sigilo de Dados e/ou Telefônicos nº 5006205-98.2016.4.04.7000/PR”, e que atingiu, dentre outros alvos, o telefone celular do advogado Roberto Teixeira e o ramal-tronco do escritório de advocacia “Teixeira, Martins & Advogados”.
7. No julgamento do HC 164.493/PR (Rel. Min. Edson Fachin, Redator para o Acórdão Min. Gilmar Mendes), o STF pronunciou-se no sentido de que houve quebra da imparcialidade por parte do então juiz federal Sérgio Fernando Moro, no âmbito da denominada “Operação Lava Jato”, e enumerou, dentre os fatos indicativos da parcialidade do então magistrado, a quebra de sigilo telefônico e a divulgação das conversas realizadas pelo advogado Roberto Teixeira.
8. A interceptação telefônica do ramal-tronco do escritório de advocacia “Teixeira, Martins & Advogados” mostrou-se desprovida de amparo legal, havendo sido realizada e renovada sem a devida apreciação e fundamentação judicial. Ademais, a violação do sigilo de todas as conversas realizadas pelos advogados integrantes do escritório interceptado, ao longo de todo o período em que perdurou a medida, consubstancia violação às prerrogativas constitucionais e legais da defesa.
9. O STF julgou parcialmente procedente a Reclamação 23.457/PR para reconhecer a violação de competência do Supremo Tribunal Federal (art. 102, inc. I, b, da Constituição da República) e cassar as decisões proferidas em 16/03/2016 e 17/03/2016, nos autos do “Pedido de Quebra de Sigilo de Dados e/ou Telefônicos nº 5006205-98.2016.4.04.7000/PR”, as quais determinaram o levantamento do conteúdo de conversas interceptadas; bem como para reconhecer a nulidade do conteúdo de conversas colhidas após a determinação judicial de interrupção das interceptações telefônicas. A referida decisão monocrática não apenas consignou a incompetência do Juízo da 13ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Curitiba/PR para deliberar sobre medida de interceptação telefônica em que constava o envolvimento de interlocutores com prerrogativa de foro, como também asseverou a ilegalidade da violação à norma de sigilo das diligências, rechaçando a invocação do interesse público como fundamento válido para divulgação do teor das conversações telefônicas interceptadas.
10. As razões expostas pelo STF no julgamento do HC 164.493/PR e da Reclamação nº 23.457/PR indicam fundamentos inequívocos da ilegalidade dos atos sobre os quais recai o pleito indenizatório apresentado neste feito.
11. Demonstrada a indevida violação ao sigilo das comunicações do advogado Roberto Teixeira, no exercício da atividade profissional, por medida de interceptação telefônica realizada em desconformidade com os limites constitucionais e as normas estabelecidas pela legislação de regência, assim como a ilegalidade da divulgação das conversações telefônicas interceptadas, resta caracterizada a lesão a direitos extrapatrimoniais do Requerente, impondo-se reparação.
12. O levantamento indevido do sigilo das conversas interceptadas repercutiu na esfera da personalidade do Autor e transcendeu o mero aborrecimento, violando o patrimônio imaterial do Requerente, no âmbito das suas relações de direito privado.
13. No que se refere ao arbitramento do valor a título de compensação por danos morais, é firme a orientação jurisprudencial no sentido de que, nesses casos, o montante indenizatório deve ser determinado segundo o critério da razoabilidade e do não enriquecimento despropositado.
14. Considerando as circunstâncias específicas do caso concreto, em especial o levantamento indevido do sigilo das interceptações telefônicas, que inviabilizou o uso do número do telefone móvel do Autor, notadamente em sua atividade profissional, bem como a extensão do dano moral imposto, a posição social do agressor, atento às circunstâncias fáticas e repercussão social do caso, arbitra-se o valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), por revelar-se razoável e suficiente à compensação pretendida, sem importar no indevido enriquecimento da parte.
15. A determinação da compensação à vítima, pelos danos sofridos, tem por escopo, para além da reparação do direito violado, também a reafirmação da responsabilidade primária da jurisdição interna pela tutela dos direitos humanos e pela prevenção à responsabilidade internacional do Estado, notadamente em face dos deveres de proteção às garantias judicias, à honra e à dignidade, os quais possuem assento convencional na Convenção Americana de Direitos Humanos. Precedente da Corte IDH, no caso denominado “Escher e Outros vs. Brasil”.
16. Em relação à pretensão de retirada do conteúdo das conversas interceptadas da rede mundial de computadores, o pedido deve ser deduzido diretamente em face dos provedores de conteúdo responsáveis pela veiculação do material, não possuindo a União Federal pertinência subjetiva para figurar no polo passivo da lide, razão pela qual, neste ponto, o feito ser extinto sem resolução do mérito, por ilegitimidade passiva ad causam (art. 485, inc. VI, do Código de Processo Civil). Precedentes do STJ.
17. Em consonância com o princípio da causalidade, condena-se a União Federal ao pagamento de honorários advocatícios sucumbenciais, fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, na forma do art. 85, § 3º, inc. I, do Código de Processo Civil.
18. Dado parcial provimento ao recurso de apelação para julgar parcialmente procedente a pretensão autoral e condenar a União Federal ao pagamento de compensação pecuniária por danos morais à parte autora, no valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), sobre o qual deverá incidir correção monetária, pelo índice IPCA-E, e juros de mora de 0,5% ao mês (ADI 4.425 e RE 870.947/SE), ambos a partir da data do acórdão; e determinada a extinção do feito, sem resolução do mérito, em relação à AJUFE, nos termos do art. 485, inc. VI, do Código de Processo Civil.
Apelação Cível 0008034-16.2016.4.03.6100