Ainda que o Decreto 2.172/1997 tenha excluído o agente “eletricidade” do rol de agentes nocivos, o rol não é exaustivo (ou seja, não vale somente os que estão na lista) tendo o trabalhador direito ao reconhecimento do tempo de serviço laborado sob a condição de periculosidade, deliberou a 2ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), em decisão que negou provimento à apelação do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e deu provimento à apelação do autor para reconhecimento de tempo de serviço especial.
Sustentou o INSS no recurso que o Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP – documento que comprova o tempo de atividade especial) apresentado pelo autor não mostra que ele exerceu qualquer atividade com efetiva exposição à eletricidade acima de 250 Volts, e, mesmo admitindo-se a comprovação, não demonstrou que a efetiva exposição se deu de forma habitual e permanente e durante o período pleiteado. Argumentou ainda que a utilização de equipamento de proteção individual (EPI) eficaz afasta a alegada especialidade da atividade.
Ao analisar o processo, o desembargador federal relator, César Jatahy Fonseca, explicou que o tempo de serviço especial decorre de “serviços prestados sob condições prejudiciais à saúde ou em atividades com riscos superiores aos normais para o segurado e, cumpridos os requisitos legais, dá direito à aposentadoria especial”.
Verificou o relator que a jurisprudência tem considerado que as listas de agentes nocivos são exemplificativas e que, mesmo após o Decreto 2.172/1997, que exclui o agente eletricidade da lista, é possível comprovar o caráter perigoso do trabalho por meio de laudo técnico ou do PPP, e que não é necessária a exposição ao agente agressivo durante toda a jornada de trabalho, bastando o exercício de atividade, não ocasional, nem intermitente, que exponha o trabalhador habitualmente a condições especiais, prejudiciais à sua saúde ou integridade física, ainda que utilizando o EPI, não assistindo razão ao INSS no recurso.
Por fim, o desembargador federal destacou estarem presentes os requisitos do art. 300 do Novo Código de Processo Civil (NCPC) que evidenciam a probabilidade do direito e o perigo de dano ou risco ao resultado, e votou no sentido de deferimento do apelo do autor para determinar à autarquia o reconhecimento do período como tempo especial para aposentadoria por tempo de contribuição.
O recurso ficou assim ementado:
PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. APOSENTADORIA ESPECIAL. EXPOSIÇÃO A AGENTES INSALUBRES OU PERIGOSOS. ELETRICIDADE. ROL DE ATIVIDADE E AGENTES NOCIVOS. CARÁTER EXEMPLIFICATIVO. RESP 1.306.113/SC, JULGADO EM REGIME DE RECURSO REPETITIVO. EPI. TUTELA DE URGÊNCIA. RECURSO DESPROVIDO.
1. O tempo de serviço especial é aquele decorrente de serviços prestados sob condições prejudiciais à saúde ou em atividades com riscos superiores aos normais para o segurado e, cumpridos os requisitos legais, dá direito à aposentadoria especial. As atividades consideradas prejudiciais à saúde foram definidas pela legislação previdenciária, especificamente, pelos Decretos 53.831/64 e 83.080/79 e 2.172/97.
2. O Superior Tribunal de Justiça em regime de recurso especial submetido ao art. 543-C do CPC/1973 Recursos Repetitivos – adotou posicionamento de que a supressão do agente eletricidade do rol de agentes nocivos pelo Decreto 2.172/1997, não afasta o direito ao reconhecimento do tempo de serviço laborado sob a condição de periculosidade, pois o rol ali contido não é exaustivo. (REsp 1306113/SC, Rel. Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, julgado em 14/11/2012, DJe 07/03/2013)
3. A jurisprudência do TRF1 e da TNU vem se firmando no sentido de que é possível o reconhecimento de tempo especial prestado com exposição a agente nocivo perigoso mesmo após o advento do Decreto nº 2.172/97, desde que laudo técnico ou perfil profissiográfico previdenciário regularmente confeccionado comprove o caráter perigoso do trabalho exercido. Precedentes: AC 00039433220074013810, Juiz Federal Grigório Carlos Dos Santos, TRF1 – 2ª Câmara Regional Previdenciária De Minas Gerais, e-DJF1 DATA:23/03/2018; PEDILEF 05014106820144058310, Juiz Federal José Francisco Andreotti Spizzirri, TNU, dou 10/08/2017 páginas 079-229.
4. Não é necessária a exposição ao agente agressivo durante toda a jornada laboral para a demonstração da permanência e habitualidade da atividade insalubre, mas apenas o exercício de atividade, não ocasional, nem intermitente, que exponha o trabalhador habitualmente a condições especiais, prejudiciais à sua saúde ou integridade física. Precedente desta Corte: (AC 1002101-35.2017.4.01.3200, Desembargador Federal Jamil Rosa De Jesus Oliveira, Trf1 – Primeira Turma, PJe 21/09/2020 PAG.)
5. Nas atividades laborativas com exposição à eletricidade em altas tensões, mesmo nos casos em que o contato seja intermitente, estão caracterizadas as condições especiais, pois o perigo é inato à atividade em que haja exposição a tensões superiores a 250 volts.
6. O Supremo Tribunal Federal no julgamento do ARE n. 664335, com repercussão geral reconhecida, assentou entendimento segundo a qual o direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo a sua saúde, de modo que, se o Equipamento de Proteção Individual (EPI) for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo constitucional à aposentadoria especial. O Tribunal, também, assentou a tese de que, apenas na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador, no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), da eficácia do Equipamento de Proteção Individual (EPI), não descaracteriza o tempo de serviço especial para aposentadoria (ARE n. 664335 , Relator(a): Min. Luiz Fux, Tribunal Pleno, julgado em 04/12/2014, Repercussão Geral – mérito DJe- 249 DIVULG 17-12-2014). Tal entendimento também se aplica com relação à exposição elétrica, dada a sua maior gravosidade, conforme jurisprudência desta Corte. Precedentes.
7. Conforme os documentos juntados aos autos, sobretudo o Perfil Profissiográfico Previdenciário (ID 111542267 – Pág. 35/36), o apelado esteve exposto, durante a execução de suas tarefas, na Companhia Energética de Minas Gerais – CEMIG, à tensão superior a 250 volts, que é prejudicial à integridade física em casos de contato, acidental ou não, com esse agente.
8. Correta a sentença que reconheceu o direito do apelado de gozar aposentadoria por tempo de contribuição com contagem do período de 01/06/1994 a 05/03/1997 como especial, uma vez que comprovou trabalhar exposto a agente nocivo.
9. Não há que se falar em impossibilidade de concessão da tutela antecipada se presentes seus requisitos autorizadores, que é o caso dos autos. Assim, identificada a presença dos requisitos autorizadores para a concessão da medida de urgência, nos termos do art. 300 do NCPC, considerando o adiantamento da prestação jurisdicional, bem como a natureza alimentar da verba objeto da ação, fica deferida a tutela de urgência, devendo o INSS implantá-la, comprovando seu cumprimento, no prazo de 15 (quinze) dias.
10. Apelação do INSS desprovida. Apelação da parte autora provida (item 9).
A decisão do colegiado foi unânime.
Processo 1002341-23.2020.4.01.3813