A companheira de um militar da Marinha do Brasil ganhou no Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) o direito de receber parte da pensão por falecimento dele, um militar da Marinha do Brasil, por ter ela comprovado a existência de união estável. A sentença, proferida pelo Juízo Federal da 10ª Vara da Seção Judiciária da Bahia, foi confirmada pela 2ª Turma do TRF1.
Inconformadas com a sentença, a ex-esposa e as filhas do militar apelaram ao TRF1 sustentando haver provas de que, por ocasião do falecimento do militar, a união estável estava desfeita pela companheira, conforme o documento “queixa de abandono de lar” juntado por elas ao processo. A União também recorreu alegando também não haver a comprovação da união estável.
Porém, ao analisar o processo, o relator, desembargador federal João Luiz de Sousa, verificou que o ex-militar vivia em união estável com a companheira ao tempo do óbito, situação “comprovada pela existência de filha em comum (falecida), do mesmo domicílio e de negócio comum (conta bancária conjunta)” e viviam como marido e mulher perante a sociedade, conforme comprovam os depoimentos testemunhais e pessoal.
Consta ainda no processo que a companheira procedeu aos cuidados hospitalares nas várias internações do militar e o acompanhou durante o período em que esteve internado no Hospital Naval da Marinha do Brasil em Salvador até a data do óbito.
União estável – A união estável entre o militar e a companheira, entendida como a convivência duradoura, pública e continuada, com o intuito de constituição de família, está prevista no art. 226, § 3º da Constituição de 1988.
“A Medida Provisória n. 2.215-10, de 31/08/2001, incluiu novamente no rol de beneficiários da pensão por morte do militar o companheiro ou companheira que comprove união estável, o que se encontra em consonância com os ditames constitucionais que erigiram a união estável à condição de entidade familiar, não havendo dúvidas de que a condição de companheiro ou companheira são bastantes para que a pessoa seja reconhecida como beneficiário da pensão por morte”, concluiu o relator, cujo voto foi no sentido de manter a sentença que ordenou o rateio da pensão entre a ex-esposa, a companheira e as filhas do militar.
O recurso ficou assim ementado:
ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO MILITAR. PENSÃO POR MORTE. REQUISITOS. LEI 3.765/60. ESPOSA E COMPANHEIRA. INÉPCIA DA INICIAL. INOCORRÊNCIA. CERCEAMENTO DE DEFESA. INEXISTÊNCIA. UNIÃO ESTÁVEL. JUSTIFICAÇÃO JUDICIAL. FILHA (FALECIDA) EM COMUM. DEPENDÊNCIA ECONÔMICA PRESUMIDA. INEXIBILIDADE DA DESIGNAÇÃO EXPRESSA DE BENEFICIÁRIA. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA MANTIDA.
1. Trata-se de remessa oficial e de apelações interpostas por Adnólia Sampaio Fraga e outras e pela União de sentença proferida pelo Juízo Federal da 10ª Vara da Seção Judiciária da Bahia que julgou procedente o pedido para determinar à União que conceda à autora, Judite Ribeiro Salomão, pensão pela morte do Sr. Antônio da Silva Fraga, ex-militar da Marinha do Brasil, que deverá ser rateada com as demais beneficiárias, na forma estabelecida na Lei nº 3.765/60.
2. Em suas razões, a ex-esposa, Adnólia Sampaio Fraga, e suas duas filhas, Gláucia Maria Sampaio Fraga e Tereza Cristina Sampaio Fraga, alegam, em preliminar, cerceamento de defesa, porquanto o Juízo teria indeferido o depoimento pessoal das partes. Alegam, ainda, em preliminar a inépcia da inicial. No mérito, aduz que o douto Juízo da causa teria laborado em equívoco, porquanto a autora Judite não faria jus à concessão da pensão pretendida, haja vista que Ação de Justificativa juntada aos autos não teria força para escudar o deferimento da pensão, por impossibilidade jurídica do pedido, ou mesmo pela existência de provas que confirmam o fim da convivência antes da morte do beneficiário. A União, por sua vez, sustentou a não comprovação de união estável entre a parte autora e o ex-militar.
3. A petição inicial permite a exata compreensão da pretensão deduzida na exordial, apresentando o pedido deduzido em juízo – a concessão da pensão por morte e o pagamento das verbas atrasas – e a respectiva causa de pedir – existência de relação estável entre a autora e o de cujus. Logo, não há que se falar em inépcia, pois esta, em função do princípio da instrumentalidade, só é de ser decretada quando a petição inviabilizar a compreensão da controvérsia, vulnerando, assim, o direito ao contraditório e à ampla defesa da parte contrária, o que não se verificou in casu.
4. Não prospera a preliminar de cerceamento de defesa, por ter sido a parte autora impedida de produzir provas em audiência (oitiva das partes), pois há nos autos elementos de prova suficientes para formar o convencimento do Juízo. Ademais, cabe ao julgador a apreciação da prova, a determinação das necessárias diligências à instrução do processo e o indeferimento dos procedimentos instrutórios inúteis ou meramente protelatórios.
5. Na esteira da orientação jurisprudencial pacífica do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça e desta Corte Regional, impõe-se reconhecer que a pensão por morte de servidor público militar tem como leis de regência aquelas vigentes ao tempo do óbito do instituidor do benefício.
6. Na hipótese em comento, contudo, a análise dos requisitos legais conforme a nova redação da Lei 3.765/60, dada pela Lei n. 8.216/91 – tendo em vista a data do óbito do militar Antônio da Silva Fraga, instituidor do benefício, é 19/06/2003, conforme se pode verificar da certidão de óbito -, não é admissível, uma vez que o art. 29 da Lei n. 8.216/91, que modificou o art. 7º e incisos da Lei n. 3765/60, foi reconhecido como formalmente inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADI 574-0/DF, em 03/06/1993.
7. A Medida Provisória n. 2.215-10, de 31/08/2001, incluiu novamente no rol de beneficiários da pensão por morte do militar o companheiro ou companheira que comprove união estável, o que se encontra em consonância com os ditames constitucionais que erigiram a união estável à condição de entidade familiar, não havendo dúvidas de que a condição de companheiro ou companheira são bastantes para que a pessoa seja reconhecida como beneficiário da pensão por morte.
8. A condição de companheiro ou companheira para fins de percepção de benefício previdenciário pressupõe a existência de união estável como entidade familiar, consoante disposto no art. 226, § 3º, da CF/88, assim entendida como a convivência duradoura, pública e continuada entre eles, com o intuito de constituição de família.
9. Na hipótese, as provas produzidas em Juízo confirmaram a convivência more uxorio entre a autora Judite Ribeiro Salomão e o falecido Sr. Antônio da Silva Fraga, de 1980 até 19/06/2003. A união estável entre a parte autora e o ex-militar ao tempo do óbito restou comprovada pela existência de filha em comum (falecida), do mesmo domicílio e de negócio comum (conta bancária conjunta), bem como demonstrado que a autora e o de cujus viviam como se marido e mulher fossem perante a sociedade, conforme comprovam os depoimentos testemunhais e pessoal, produzidos nos autos da Justificação judicial colacionada aos autos.
10. A prova da parte apelante no sentido de desfigurar a natureza do vínculo do casal não se mostra hábil a tal desiderato, pois o documento “queixa de abandono de lar”, juntado aos autos pelas recorrentes não demonstrou de forma insofismável que a autora desconstituíra em definitivo a unidade familiar. Em outras palavras, tal documento desacompanhado de suporte probatório concreto no sentido de que a autora renunciou à unidade familiar não é suficiente para afastar a união estável verificada nos autos da justificação judicial. Pelo contrário, o que se extrai da declaração do Hospital Naval da Marinha do Brasil em Salvador, onde restou assentado ter sido a autora, Sra. Judite, a pessoa que efetuou a internação do seu ex-companheiro, acompanhando-o, regularmente, durante o período em que esteve sob os cuidados daquela Instituição, até o seu óbito, em 19/06/2003. O Hospital Aristides Maltez também firmou declaração atestando ser a autora, na qualidade de companheira do militar falecido, a responsável pelas autorizações nas várias internações sofridas pelo dito militar, inclusive, fazendo todo o acompanhamento necessário.
11. Ademais, a par dos relatos testemunhais obtidos nos autos da justificação judicial, tem-se a própria declaração do falecido colhida perante tabelião (fls.74/75) em 1997, em que manifestou desejo de que a autora fosse beneficiária de sua pensão. Por outro lado, as testemunhas arroladas pela parte ré, ainda que tenham manifestado contrariedade ao convívio estável entre autora e falecido, acusando-a inclusive de infidelidade, admitiram a convivência do casal, e por consequência a situação de dependência econômica (fls. 331/333).
12. A falta da designação da companheira como dependente não obsta a concessão da pensão militar, podendo ser suprida pela demonstração da vida em comum através de outros meios idôneos de prova. Precedentes do STJ.
13. O estado civil de casado de um dos companheiros não impede o reconhecimento de sua união, se comprovado que a relação foi pública, duradoura, contínua e estabelecida com objetivo de constituir família, pois o art. 226, § 3 º da Constituição de 1988 não faz qualquer exigência quanto a esse aspecto. No caso sob análise, em 1965, a ex-esposa e o de cujus se separaram de fato, realizando acordo judicial que estipulou alimentos em favor da apelante Adnólia e suas filhas.
14. Comprovada a união estável com a Sra. Judite Ribeiro Salomão, à data do óbito, é factível o pagamento de pensão à companheira de militar falecido, conjuntamente com a pensão a que faz jus a ex-esposa. Portanto, não merece reparos a sentença que determinou a concessão de pensão militar vitalícia à autora decorrente do falecimento do Sr. Antônio da Silva Fraga, habilitando-a como dependente deste em concorrência com a ex-esposa.
15. Honorários advocatícios mantidos, sentença publicada sob a égide do CPC/73.
16. Apelações e remessa oficial desprovidas.
Processo: 0013970-57.2004.4.01.3300