Circunstâncias do crime de tráfico de cocaína só podem ser consideradas uma vez para o cálculo total da pena

Com base no princípio penal de que não se deve aplicar duas penas sobre a mesma falta, a 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) decidiu que na condenação de um réu pelo tráfico internacional de cocaína as justificativas de obtenção de lucro fácil, a transnacionalidade do crime e a natureza e quantidade da droga não devem ser consideradas duas vezes para o cálculo do total da pena.

O acusado apelou ao TRF1 pedindo para reduzir a condenação por discordar dos critérios utilizados para definir a pena. Ele sustentou que as circunstâncias relacionadas foram consideradas em mais de uma das três fases que o juiz tem de observar para definir qual a dosimetria da pena.

Argumentou, também, que a afirmação de que a cocaína possui alto grau de toxidade e dependência carece de respaldo científico.

Relator, o desembargador federal Wilson Alves de Souza explicou que a obtenção de lucro fácil é um objetivo inerente ao tipo penal (descrição do crime), não servindo como motivo do delito para aumentar a pena.

Cálculo da pena – “A valoração da transnacionalidade do tráfico em duas fases da dosimetria caracteriza indevido bis in idem” assim como “as circunstâncias da natureza e da quantidade da droga apreendida devem ser levadas em consideração apenas em uma das fases do cálculo da pena”, conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) no Tema 712, observou o magistrado.

Na primeira fase, que avalia as chamadas circunstâncias judiciais, prosseguiu o relator, foram consideradas a natureza e a quantidade de cocaína, droga com alto poder de causar dependência química para aumentar a pena-base, nos termos do art. 42 da Lei 11.343/2006. A transnacionalidade foi considerada como agravante para aumentar a pena na segunda fase, prosseguiu o magistrado.

O desembargador ainda concluiu que nenhuma dessas duas características do crime pode ser usada como impedimento para redução da condenação por tráfico privilegiado (quando o réu é primário, tem bons antecedentes e não faz parte de organização criminosa), avaliado na terceira fase da dosimetria da pena.

Portanto, decidiu que a apelação deve ser parcialmente atendida para readequar a pena, excluindo a incidência do bis in idem, mantendo a avaliação negativa pela quantidade e natureza da substância ilícita somente na primeira fase da dosimetria da pena e valoração da transnacionalidade do tráfico apenas na segunda fase, concluiu o relator.

O recurso ficou assim ementado:

PENAL. TRÁFICO TRANSNACIONAL DE DROGAS. ART. 33, CAPUT C/C ART. 40, I, DA LEI 11.343/2006. MATERIALIDADE E AUTORIA DEMONSTRADAS. CIRCUNSTÂNCIAS DO ART. 59/CP. MOTIVOS DO CRIME. LUCRO FÁCIL. OBJETIVO INERENTE AO TIPO. DESCABIMENTO DA VALORAÇÃO. ART. 42 DA LEI 11.343/2006. NATUREZA DA DROGA. POSSIBILIDADE DE EXASPERAÇÃO. TRÁFICO PRIVILEGIADO. GRADAÇÃO DA REDUÇÃO DA PENA. VALORAÇÃO EM DUPLICIDADE DA TRANSNACIONALIDADE DO DELITO. IMPOSSIBILIDADE. APLICAÇÃO DA REDUÇÃO DA PENA EM SUA FRAÇÃO MÁXIMA. READEQUAÇÃO DA DOSIMETRIA. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA.

1. Trata-se de apelação criminal interposta pelo réu contra a sentença pela qual o juízo a quo julgou procedente a denúncia oferecida pelo MPF, condenando o apelante como incurso nas penas do crime previsto no artigo 33, caput, c/c art. 40, I, ambos da Lei nº 11.343/2006.  Pena definitiva estabelecida em 3 anos, 7 meses e 22 dias de reclusão e 437 dias multa (valor unitário de 1/30 do salário mínimo).

2. Hipótese em que, ausente discussão sobre a autoria e materialidade delitivas, a apelação se restringe a questionar os critérios utilizados na dosimetria da pena.

3. A obtenção de lucro fácil é inerente ao tipo penal do tráfico de drogas, cuidando-se de justificativa inservível para a majoração da pena-base em razão dos motivos do crime. Nesse sentido e entre outros (STJ: AgRg no AgRg no HC 704098/SP, REsp 1920404/PA, AgRg no AREsp 1796538/PR e EDcl no AgRg no AREsp 1704093/ES)

4. A valoração da transnacionalidade do tráfico em duas fases da dosimetria caracteriza indevido bis in idem. Exclusão da justificativa como realce da motivação para o crime.

5. A avaliação da natureza e quantidade da droga como fundamento para a majoração da pena-base tem amparo no art. 42 da Lei 11.343/2006, sendo fato público e notório que a cocaína possui alto poder de indução à dependência química, a assim justificar o agravamento da sanção (no mesmo sentido, STJ: AgRg no AREsp 2093096/SP, AgRg no AREsp 1647468/MG, AgRg no HC 706618/SP).

6. No Tema 712 da repercussão geral o STF fixou o entendimento de que “[A]s circunstâncias da natureza e da quantidade da droga apreendida devem ser levadas em consideração apenas em uma das fases do cálculo da pena.” Segundo a ratio decidendi do acórdão proferido no julgamento do ARE 666.334, no qual foi fixada a sobredita tese vinculante, o julgador não deve valorar em duplicidade a mesma circunstância deletéria aos interesses do réu, sob pena de indevido bis in idem.

7. Aplicação da tese na hipótese dos autos, porque se a transnacionalidade do delito já está sendo invocada como causa de aumento da pena, nos termos do art. 40, I, da Lei 11.343/2006, esse fato, por si só, não pode também ser aduzido como justificativa para a redução da intensidade do benefício do art. 33, § 4º, do mesmo ditame.

8. Readequação da dosimetria da pena nos seguintes termos: exclusão da circunstância “motivos do crime” e fixação da fração de ¼ na aplicação do art. 42 da Lei 11.343/2006; aplicação do benefício do art. 33, § 4º, da Lei 11.343/2006, com a fração de 2/3.

9. Apelação parcialmente provida, para reduzir para 1 ano, 11 meses e 22 dias de reclusão e 190 dias-multa, unitariamente arbitrados em 1/30 do salário mínimo.

Processo: 0000889-25.2019.4.01.3200

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