Auxiliar de garantia obtém reversão de dispensa “por força maior” para “sem justa causa”

A Segunda Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região (GO), por unanimidade, deu provimento ao recurso de um trabalhador para reverter a modalidade da dispensa “por força maior” para “sem justa causa”, com o consequente pagamento de todas as verbas trabalhistas. Os desembargadores acompanharam o voto do relator, desembargador Platon de Azevedo Filho, no sentido de que a empresa não teria comprovado que a pandemia teria afetado substancialmente sua condição econômica e financeira para justificar a aplicação do fato do príncipe.

Fato do príncipe

De acordo com a teoria jurídica, se o Estado praticar ato administrativo ou editar qualquer norma que inviabilize a atividade empresarial e isso gerar demissões, será do próprio Estado a responsabilidade de pagar a indenização rescisória dos trabalhadores.

O caso

O trabalhador foi admitido por uma concessionária de automóveis em junho de 2009 para exercer a função de auxiliar de garantia. Com a pandemia, o contrato de trabalho foi suspenso entre abril e junho de 2020 e, posteriormente, houve nova suspensão, de julho a setembro de 2020. Em seguida, o trabalhador foi  dispensado “por motivo de força maior”. Ele ingressou na Justiça do Trabalho goianiense para tentar reverter a modalidade.

O Juízo da 12ª Vara do Trabalho de Goiânia (GO) manteve a modalidade de encerramento do contrato como “existência de força maior” entre o trabalhador e a revendedora de automóveis. O funcionário recorreu ao tribunal. Alegou que a “força maior” deve ser provada de forma robusta pela empresa, uma vez que essa modalidade implica perda de direitos trabalhistas.

O relator, desembargador Platon Filho, explicou que houve a edição de uma medida provisória (MP 927) que vigorou entre março e julho de 2020, com o objetivo de preservar empregos e renda durante a pandemia de covid-19. Nessa norma, havia o reconhecimento do estado de calamidade pública, conforme o  Decreto Legislativo nº 6, de março de 2020, onde constituía hipótese de força maior, nos termos do art. 501 da CLT.

No entanto, o desembargador ressaltou que a rescisão contratual ocorreu após o período de vigência dessa medida provisória e, além disso, haveria outros elementos nos autos que justificariam o desprovimento do recurso. Platon Filho destacou a narrativa da empresa que menciona que as dificuldades financeiras tiveram início antes da determinação de paralisação temporária das atividades econômicas não essenciais, a fim de conter a disseminação do vírus causador da pandemia de covid-19.

Para o relator, a queda na venda de veículos da marca comercializada pela revendedora não aconteceu de modo imprevisível e abrupto, em decorrência apenas da pandemia. Ele explicou que esse fato já vinha ocorrendo de forma continuada há vários anos, sem que fossem tomadas medidas eficazes para reverter essa situação e superar a crise financeira em que a revendedora se encontrava mesmo antes do surgimento da pandemia. Platon Filho considerou que a pandemia contribuiu, ainda que indiretamente, para o encerramento das atividades empresariais.

O magistrado salientou que a empresa poderia, ainda, ter se adaptado às normas relacionadas ao controle da pandemia para permanecer funcionando “como fizeram inúmeras empresas do mesmo ramo ou de outros segmentos”. O desembargador concluiu que o fato de a empresa ter optado por encerrar suas atividades não foi consequência de decisões governamentais, mas de crise financeira preexistente. Platon Filho destacou que não é lícito ao empregador imputar a causa das suas dificuldades a eventos supervenientes, a fim de tentar converter os riscos inerentes ao negócio em motivo de força maior.

O desembargador apontou ainda que a Lei nº 14.020/2020 evidencia a inviabilidade da aplicação do fato do príncipe no âmbito trabalhista ao contexto do recurso. Ele disse que é conhecido que a pandemia afetou diretamente as relações laborais, afetando tanto os empregados quanto os empregadores. “Entretanto, não se pode olvidar que, à luz do princípio da alteridade, os riscos da atividade econômica recaem sobre o empregador, de modo que, mesmo uma situação excepcional como a pandemia de covid-19 não permite, por si só, chancelar a violação de direitos trabalhistas”, afirmou.

Para o relator, a concessionária não pode invocar a ocorrência de força maior ou fato do príncipe para não arcar com os encargos trabalhistas, notadamente quando estão ausentes os elementos fático-jurídicos imprescindíveis à sua configuração. Ao final, Platon Filho reformou a sentença para declarar a nulidade da dispensa por força maior, convertendo a modalidade de ruptura contratual para dispensa sem justa causa e, assim, determinar o pagamento dos encargos trabalhistas relativos a essa modalidade de dispensa.

Processo: 0011215-13.2020.5.18.0012

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