Anulada reserva de crédito em ação cível para pagar condenação trabalhista

Segundo a decisão da 6ª Turma, a Justiça do Trabalho não tem competência para executar a dívida de empresa em recuperação judicial

A Sexta Turma do Tribunal Superior do Trabalho reconheceu a incompetência da Justiça do Trabalho para prosseguir a execução e a reserva de crédito determinada por um juiz trabalhista nos autos de ação em tramitação no juízo cível que envolve empresa em recuperação judicial. O valor seria destinado a satisfazer condenação da Premium Foods Brasil S.A. ao pagamento de parcelas trabalhistas devidas a um supervisor de vendas admitido e dispensado após o pedido de recuperação da empresa frigorífica.

Penhora trabalhista em vara cível

O pedido de recuperação judicial, apresentado em 2009, tramita na 8ª Vara Cível de São José do Rio Preto. Em 2015, a Premium Foods foi condenada pelo juízo da 42ª Vara do Trabalho de São Paulo (SP) a pagar cerca de R$ 24 mil ao empregado, relativos a verbas rescisórias. Ele havia prestado serviços de 2013 a 2014, após, portanto, o pedido de recuperação, fato que gerou toda a controvérsia acerca da competência da Justiça do Trabalho.

Na fase da execução da sentença, o juízo trabalhista, mediante indicação do supervisor, determinou a reserva de parte dos créditos a que a empresa teria direito em ação movida por ela em 2020 na 2ª Vara Cível de Jataí (GO), relativa à comercialização de gado para abate.

Dívida posterior

A empresa frigorífica recorreu da decisão, sob o argumento de que o juízo trabalhista era incompetente para determinar a penhora, pois os créditos devidos deviam ser executados nos autos da recuperação judicial, perante a Justiça comum.

O Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (SP), porém, concluiu que o crédito do empregado não deveria ser habilitado no juízo da recuperação judicial, pois a dívida trabalhista era posterior ao pedido de recuperação judicial, e determinou o prosseguimento da execução na Justiça do Trabalho. Em relação à reserva de crédito, o TRT, considerando que não havia notícia de que a empresa teria outros meios de quitar a dívida, manteve a determinação da penhora de forma simultânea com o juízo de recuperação.

Preservação da empresa

No recurso de revista, o frigorífico sustentou que a determinação de prosseguimento da execução na Justiça do Trabalho feria o princípio da preservação da empresa e o devido processo legal. No seu entendimento, a competência para quaisquer atos de expropriação é do juízo recuperacional, até o efetivo encerramento da recuperação judicial.

Crédito extraconcursal

Prevaleceu, no julgamento, o voto do ministro Lelio Bentes Corrêa, que explicou que a controvérsia diz respeito à competência para o prosseguimento da execução no caso de créditos extraconcursais, ou seja, constituídos após o deferimento da recuperação judicial. Nesse sentido, lembrou que, de acordo com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), embora esses créditos não se submetam à recuperação judicial, a execução deve prosseguir no juízo universal. Com esse fundamento, votou pela incompetência da Justiça do Trabalho.

Reserva de crédito

Em relação à penhora dos valores a serem recebidos pela empresa na ação cível, o ministro registrou sua preocupação de que a existência de dois juízes atuando ao mesmo tempo na execução pode gerar situações de difícil resolução. No mesmo sentido, o ministro Augusto César destacou que a reserva não foi realizada junto ao juízo universal, onde se resolveria com mais facilidade a questão, mas nos autos de uma execução que a empresa move contra terceiros, interferindo, de alguma forma, no encontro de contas que é feito no processo de recuperação judicial.

Relatora

A relatora, ministra Kátia Arruda, ficou vencida, ao votar pelo provimento do recurso apenas em relação à competência, mantendo a reserva de créditos, mediante encaminhamento ao juízo falimentar, para que ele acompanhasse e liberasse os valores em favor do empregado, caso entendesse de direito.

O recurso ficou assim ementado:

“I – AGRAVO DA RECLAMADA. AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. LEI Nº 13.467/2017. EXECUÇÃO.

EMPRESA EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL. CONSTITUIÇÃO DO CRÉDITO TRABALHISTA APÓS PEDIDO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL. CRÉDITO EXTRACONCURSAL. RESERVA DE CRÉDITO DETERMINADA PELA JUSTIÇA DO TRABALHO EM PROCESSO QUE TRAMITA NO JUÍZO CÍVEL, MOVIDO PELA EMPRESA CONTRA TERCEIRO.

1 – Conforme sistemática adotada na Sexta Turma à época da prolação da decisão monocrática, foi negado provimento ao agravo de instrumento porque não atendidos pressupostos de admissibilidade do recurso de revista, ficando prejudicada a análise da transcendência.

2 – Sustenta a parte, em síntese, que no caso, houve afronta direta, e não reflexa, a dispositivo da Constituição Federal (art. 5º, LIV).

Constatado o equivoco na decisão monocrática agravada, uma vez que, em melhor análise, constata-se a provável afronta ao art. 5º, LIV, da Constituição Federal.

3 – Agravo a que se dá provimento para seguir no exame do agravo de instrumento\”.

“II – AGRAVO DE INSTRUMENTO DA RECLAMADA. RECURSO DE REVISTA. LEI Nº 13.467/2017. EXECUÇÃO.

EMPRESA EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL. CONSTITUIÇÃO DO CRÉDITO TRABALHISTA APÓS PEDIDO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL. CRÉDITO EXTRACONCURSAL. RESERVA DE CRÉDITO DETERMINADA PELA JUSTIÇA DO TRABALHO EM PROCESSO QUE TRAMITA NO JUÍZO CÍVEL, MOVIDO PELA EMPRESA CONTRA TERCEIRO.

1 – Deve ser reconhecida a transcendência jurídica para exame mais detido da controvérsia devido às peculiaridades do caso concreto. O enfoque exegético da aferição dos indicadores de transcendência em princípio deve ser positivo, especialmente nos casos de alguma complexidade, em que se torna aconselhável o debate mais aprofundado do tema.

2 – Aconselhável o processamento do recurso de revista para melhor exame quanto à alegada afronta ao art. 5º, LIV, da Constituição Federal.

3 – Agravo de instrumento a que se dá provimento\”.

III – RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO A ACÓRDÃO PROLATADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017. EXECUÇÃO. COMPETÊNCIA. EMPRESA EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL. CONSTITUIÇÃO DO CRÉDITO TRABALHISTA APÓS PEDIDO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL. CRÉDITO EXTRACONCURSAL. RESERVA DE CRÉDITO DETERMINADA PELA JUSTIÇA DO TRABALHO EM PROCESSO QUE TRAMITA NO JUÍZO CÍVEL, MOVIDO PELA EMPRESA CONTRA TERCEIRO. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA RECONHECIDA.

1- Cinge-se a controvérsia acerca da competência para o prosseguimento da execução no caso de créditos constituídos após o deferimento da recuperação judicial, ou seja, créditos extraconcursais.

2- A jurisprudência do colendo Superior Tribunal de Justiça tem se consolidado no sentido de que, embora os créditos extraconcursais não se submetam à recuperação judicial, a execução deve prosseguir perante o juízo universal.

3- Constata-se, daí, que o Tribunal Regional, ao determinar o prosseguimento da execução na Justiça do Trabalho em relação aos créditos extraconcursais, proferiu decisão em afronta ao devido processo legal, insculpido no artigo 5º, LIV, da Constituição da República. Precedentes desta Corte Superior.

4- Recurso de Revista conhecido e provido.

Processo: RR-1032-10.2015.5.02.0042

Deixe uma resposta

Iniciar conversa
Precisa de ajuda?
Olá, como posso ajudar