Aluguel percentual em shopping abaixo do valor de mercado não justifica seu aumento pela via judicial

A alteração do percentual do aluguel variável em shopping center, por meio de ação renovatória, somente é viável caso o locador ou o locatário demonstre desequilíbrio econômico resultante de evento imprevisível ocorrido após a contratação.

Com base nesse entendimento, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por unanimidade, deu provimento ao recurso especial de um hipermercado que pretendia renovar o contrato de aluguel de loja em shopping nas mesmas condições do contrato original: prazo de 240 meses e valor locatício de 2% sobre as vendas líquidas.

Relatora do recurso, a ministra Nancy Andrighi afirmou que eventual divergência entre o percentual contratado e o valor de mercado não autoriza, por si só, a alteração judicial do aluguel, pois representaria uma interferência indevida na economia do contrato.

Em primeiro grau, ao contestar a ação renovatória proposta pelo hipermercado, o shopping não se opôs à prorrogação do contrato, mas requereu a majoração do aluguel para 2,5%, sob o argumento de que o acerto original estaria abaixo do valor de mercado. O juízo considerou que seria impossível rediscutir o valor e julgou a ação procedente.

Renovatória permite pedido do réu contra o autor

O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), porém, anulou a sentença e determinou a volta do processo ao primeiro grau para a realização de perícia, a fim de apurar se há discrepância entre o aluguel contratado e o valor de mercado do imóvel.

No recurso especial, o hipermercado alegou que a produção de prova pericial a fim de alterar o percentual contraria a autonomia de vontade e que não seria possível mudar cláusula contratual em ação renovatória, principalmente em espaço de shopping center.

Em seu voto, Nancy Andrighi apontou que a ação renovatória de locação, cuja propositura é garantida ao lojista pela Lei 8.245/1991, tem como principal finalidade a proteção do fundo de comércio desenvolvido pelo locatário no período da ocupação do imóvel. Ela indicou que a jurisprudência do STJ admite a discussão do valor da locação por meio dessa ação (REsp 1.528.931).

“Essa espécie de ação judicial é dúplice, circunstância que viabiliza a dedução de pretensão pelo réu em face do autor, independentemente da apresentação de reconvenção” – disse, explicando que o pedido de aumento do valor pode ser feito pelo locador na contestação.

Condições pactuadas entre as partes devem prevalecer

Todavia, Nancy Andrighi observou que a fixação do aluguel em shopping é influenciada por diversos fatores além do valor de mercado, como a disponibilidade de estacionamento, a segurança do local e as opções de lazer.

A ministra ressaltou que, diante dessas singularidades, o artigo 54 da Lei 8.245/1991 dispõe que prevalecerão as condições livremente pactuadas, e a própria jurisprudência do STJ considera que a intervenção judicial nos contratos empresariais deve ocorrer somente em situações excepcionais (REsp 1.644.890 e REsp 1.535.727).

Da mesma forma, a magistrada lembrou que precedentes da corte (REsp 1.409.849 e REsp 1.413.818), ao examinarem a validade de cláusulas contratuais de locação em shopping, prestigiaram o princípio de que os pactos devem ser cumpridos. “Em regra, nos negócios jurídicos de locação de unidade imobiliária em shopping center, deve-se dar primazia às disposições livremente entabuladas entre os contratantes”, declarou.

A ministra ainda registrou que o STJ decidiu recentemente que a discrepância entre o aluguel e o valor de mercado não basta para justificar a sua alteração (AgInt no AREsp 1.611.717). Segundo ela, embora as cláusulas dessa espécie de contrato sejam geralmente imutáveis, em situações excepcionais, o ordenamento jurídico permite sua revisão judicial para restabelecer o equilíbrio econômico.

O recurso no TJSP, o processo ficou assim ementado:

LOCAÇÃO – Ação renovatória julgada parcialmente procedente – Questão do acertamento do aluguel do período a renovar não enfrentada na sentença, ao fundamento de que, por se tratar de aluguel variável o ajustado originalmente entre as partes (em percentual das vendas líquidas), necessário o ajuizamento de ação revisional ou a apresentação de reconvenção – Solução que não merece prevalecer – Natureza dúplice da ação renovatória que permite a discussão, inclusive, do valor do aluguel, mesmo que fixado no contrato original sobre verba variável – Cerceamento de defesa caracterizado – Processo anulado – Apelação provida.

O recurso ficou assim ementado:

DIREITO CIVIL.  RECURSO ESPECIAL.  AÇÃO RENOVATÓRIA.  LOCAÇÃO DE ESPAÇO. SHOPPING CENTER.  ALTERAÇÃO DO ALUGUEL PERCENTUAL. DISCREPÂNCIA COM O VALOR DE MERCADO. INVIABILIDADE. AUTONOMIA DA VONTADE E PACTA SUNT SERVANDA. JULGAMENTO: CPC/2015.

  1. Ação renovatória de locação ajuizada em 10/05/2018, da qual foi extraído o presente recurso especial interposto em 14/10/2020 e atribuído ao gabinete em 31/05/2021.

  2. O propósito recursal consiste em definir se é possível, em ação renovatória de locação de espaço em shopping center, a alteração do percentual ajustado a título de remuneração variável.

  3. O contrato celebrado entre o empreendedor e o lojista é marcado por certas singularidades, as quais o diferenciam dos contratos ordinários de locação. Por essa razão, há divergência na doutrina sobre a natureza desse contrato. Apesar dessas singularidades, revela-se mais razoável considerar o contrato pactuado entre o empreendedor do shopping center e o lojista como um típico contrato de locação, com características próprias.

  4. Independentemente da natureza jurídica que se atribua a essa espécie contratual, a Lei nº 8.245/91 consagra a possibilidade da propositura, pelo lojista, de ação renovatória de locação. Assim, preenchidos os requisitos legais previstos nos arts. 51 e 71 da referida lei, o lojista fará jus à renovação do contrato de locação da unidade imobiliária localizada em shopping center.

  5. A ação renovatória de locação tem como escopo principal a extensão do período de vigência do contrato. E, considerando que a retribuição inicialmente entabulada guarda relação com a alteração do prazo estipulado, também é possível a alteração do valor do locativo por essa via. Essa espécie de ação judicial é dúplice, daí porque é juridicamente possível ao locador postular, em sede de contestação, a majoração do valor do locativo.

  6. No contrato de locação de espaço em shopping center, para a fixação do locativo, são ponderadas as características especiais do empreendimento e que o diferencia dos demais, como a disponibilidade e facilidade de estacionamento, a segurança do local, a oferta de produtos e serviços, opções de lazer, entre outros. Ou seja, há uma série de fatores que influenciam na fixação da remuneração mensal e que são alheios ao valor de mercado.

  7. Frente às singularidades que diferenciam tais contratos, o art. 54 da Lei nº 8.245/91 assegura a prevalência dos princípios da autonomia da vontade e do pacta sunt servanda. Nesse sentido, alteração do aluguel percentual em sede de ação renovatória de locação de espaço em shopping center somente é viável caso demonstrado pela parte postulante – locatário ou locador – o desequilíbrio econômico superveniente resultante de evento imprevisível (arts. 317 e 479 do CC/02). Vale dizer, a dissonância entre o locativo percentual contratado e o valor de mercado não autoriza, por si só, a alteração do aluguel, sob pena de o juiz se imiscuir na economia do contrato

  8. Recurso especial conhecido e provido.

Leia o acórdão no REsp 1.947.694.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1947694

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