Aos planos de saúde é facultado indicar quais as doenças acobertadas por contrato, não lhes cabendo, entretanto, escolher o tipo de procedimento adequado para a cura da moléstia – o que cabe exclusivamente ao profissional da saúde que acompanha o paciente. Essa foi uma das premissas que levaram a 6ª Câmara Civil do TJ, em matéria sob a relatoria do desembargador André Carvalho, a confirmar sentença da comarca de Joinville que determinou a realização de cirurgia bariátrica em paciente com 173 quilos distribuídos em 1,86 m, índice de massa corporal 50 e uma série de enfermidades ligadas ao quadro de obesidade mórbida, tais quais apneia do sono e sobrecarga biomecânica sobre a coluna vertebral, joelhos e pés, associada a dificuldade de retorno venoso dos membros inferiores.
Por sua negativa em atender ao anseio do paciente, amparado em requisição assinada por médico especialista, o plano de saúde, além de ter que cobrir todos os gastos da cirurgia, também foi condenado ao pagamento de indenização por danos morais, fixada em R$ 5 mil. Em seu recurso ao TJ, a empresa da área de assistência médica elencou diversos óbices para atender ao pedido. Um deles se referia ao fato, por ela sustentado, de que o paciente não comprovou ter se submetido a tratamento alternativo contínuo para emagrecimento, ainda que infrutífero, por no mínimo dois anos.
Informações constantes nos autos, entretanto, demonstraram que o homem sofria problemas relativos a sua obesidade há mais de uma década, com inúmeras tentativas de combatê-la com medicamentos e terapias. “Note-se que o acompanhamento e eventual necessidade de submissão de paciente a tratamento de uma enfermidade não objetiva, tão somente, a extirpação da moléstia que o acomete. Deve-se, sobretudo, buscar a devolução da saúde ao beneficiário do plano, reconstituindo a sua dignidade e devolvendo-lhe a condição de saudável – ou a mais próxima possível a esta”, anotou o desembargador André Carvalho em seu voto, acompanhado de forma unânime pelos demais integrantes do órgão julgador
O recurso ficou assim ementado:
APELAÇÃO CÍVEL. PLANO DE SAÚDE. AÇÃO COMINATÓRIA C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. AUTOR PORTADOR DE OBESIDADE MÓRBIDA COM COMORBIDADES. NECESSIDADE DE REALIZAÇÃO DE CIRURGIA BARIÁTRICA (GASTROPLASTIA), CONFORME PRESCRIÇÃO MÉDICA. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. INCONFORMISMO DA OPERADORA DE PLANO DE SAÚDE.
NEGATIVA DE FORNECIMENTO SOB A ALEGAÇÃO DE QUE NÃO COMPROVADO O DECURSO DO LAPSO TEMPORAL DE DOIS ANOS DE TRATAMENTO CLÍNICO PREVISTOS EM RESOLUÇÕES DA ANS. TESE AFASTADA. CONJUNTO PROBATÓRIO QUE ATESTA O PREENCHIMENTO PELO AUTOR DE TODOS OS REQUISITOS NECESSÁRIOS À REALIZAÇÃO DA CIRURGIA. DIAGNÓSTICO MÉDICO CORROBORADO POR PROVA JUDICIAL PRODUZIDA.
ALEGADA A AUSÊNCIA DE PREVISÃO NO ROL PREVISTO PELA AGÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE SUPLEMENTAR – ANS. INSUBSISTÊNCIA. LISTAGEM DE COBERTURAS MÍNIMAS A SEREM OFERTADAS PELAS OPERADORAS.
AVENTADA A EXISTÊNCIA DE CLÁUSULA CONTRATUAL PREVENDO A EXCLUSÃO DA COBERTURA PARA A GASTROPLASTIA. INSUBSISTÊNCIA. ENTENDIMENTO DESTE SODALÍCIO E CORTE DA CIDADANIA SOBRE A POSSIBILIDADE DE A OPERADORA DELIMITAR DOENÇAS, MAS NÃO TRATAMENTOS. MANUTENÇÃO DA DECISÃO HOSTILIZADA.
“Ainda que admitida a possibilidade de previsão de cláusulas limitativas dos direitos do consumidor (desde que escritas com destaque, permitindo imediata e fácil compreensão), revela-se abusivo o preceito do contrato de plano de saúde excludente do custeio dos meios e materiais necessários ao melhor desempenho do tratamento clínico ou do procedimento cirúrgico coberto ou de internação hospitalar. Precedentes. Aplicação da Súmula 83/STJ.” (AgRg no AREsp n. 549.831/RS, rel. Min. Marco Buzzi, j. 5.3.2015).
DANOS MORAIS. PACIENTE PORTADOR DE DOENÇA CAPAZ DE COMPROMETER TODA A SUA SAÚDE. ADEMAIS, PREPARAÇÃO FÍSICA E PSICOLÓGICA, INCLUINDO UMA SÉRIE DE EXAMES, PARA O EVENTO CIRÚRGICO DENEGADO. INFORTÚNIO QUE ULTRAPASSA A ESFERA DO MERO ABORRECIMENTO. ANGÚSTIA GERADA PELA INCERTEZA QUANTO À CIRURGIA, NA HIPÓTESE EM EXAME, QUE ACARRETA TRANSTORNO PSÍQUICO. DEVER DE INDENIZAR INCONTESTE. DESPROVIMENTO DO RECURSO NO PONTO.
“Administradora de plano de saúde que, injustamente, recusa cobertura de cirurgia indicada por médico especialista e prevista contratualmente, acarreta ao consumidor angústia e aflição, reparáveis a título de danos morais.” (TJSC, Apelação Cível n. 0321302-12.2014.8.24.0023, da Capital, rel. Des. Monteiro Rocha, Sexta Câmara de Direito Civil, j. 11-04-2017).
VALOR INDENITÁRIO. ARBITRAMENTO DO IMPORTE QUE DEVE ADSTRIÇÃO ÀS BALIZAS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. CARÁTER PEDAGÓGICO DA INDENIZAÇÃO QUE SE IMPÕE. MANUTENÇÃO DO QUANTUM ARBITRADO. APELO DESPROVIDO.
O arbitramento do quantum indenizatório deve adstrição às balizas da razoabilidade e da proporcionalidade, em montante apto à compensação pecuniária pelo sofrimento experimentado, além de desestimular a reiteração do ilícito.
HONORÁRIOS RECURSAIS. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.
Apelação Cível n.0307012-73.2016.8.24.0038