A Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) começou a julgar na quinta-feira (23) um recurso da Companhia Paulista de Força e Luz (CPFL) contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) que confirmou sua condenação a pagar dívida de R$ 511 milhões à Fazenda Nacional.
Segundo os autos, em 1998 foi feito um acordo entre a CPFL e a Fundação CESP visando a cobertura de déficit do plano de complementação de aposentadorias e pensões dos empregados da companhia, administrado pela Fundação CESP. Pelo acordo, a fundação quitaria a dívida da CPFL, que pagaria o valor respectivo em 20 anos.
Conforme a empresa, o acordo – que configuraria novação – teve como objetivo a sua privatização, implementando-se por meio da transformação do plano de benefícios em plano misto de benefícios e celebração de contrato entre a CPFL e a Fundação CESP.
A empresa alegou que lançou o valor da operação como despesa operacional no exercício, deduzindo o respectivo montante das bases de cálculo do Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), com a consequente apuração de prejuízo fiscal e a transformação das importâncias recolhidas a título de imposto e de contribuição na forma de estimativa, durante o referido exercício e o início de 1998, em crédito a seu favor.
Consulta
O lançamento teria sido submetido previamente à consulta do secretário da Receita Federal, em março de 1998, o qual teria dado sua aprovação.
Em julho de 1999, porém, a fiscalização da Receita Federal em Campinas submeteu o contrato à apreciação da Procuradoria da Fazenda Nacional, que deu parecer pela inviabilidade da operação, diante da ausência de novação. Foi expedida nota técnica confirmando o parecer, e a CPFL foi autuada, com a cobrança dos tributos, além de juros e multa.
Sobreveio a execução fiscal no valor de R$ 299.326.370,58, em valores de novembro de 2004. Atualizada para maio de 2019, a dívida corresponde a R$ 511.079.118,37.
O TRF3, ao afastar a existência de novação, entendeu que a operação efetuada pela CPFL tratou de um alongamento de dívida ou acordo de parcelamento. Ao impugnar o acórdão do TRF3, entre outros argumentos, a CPFL afirmou ter havido ofensa ao Código Tributário Nacional, asseverando que a consulta feita por ela à Receita Federal deveria prevalecer.
Súmulas
Ao apresentar seu voto, o relator no STJ, ministro Francisco Falcão, afirmou que a análise da maior parte das questões jurídicas levantadas no recurso – como a alegação de ofensa ao artigo 999 do Código Civil de 1916, que dispõe sobre o instituto da novação – exigiriam o reexame de cláusulas contratuais e provas do processo, o que é vedado pelas Súmulas 5 e 7 do tribunal.
“Para interpretar o dispositivo tido como malferido, com a alteração da referida convicção apresentada pelo julgador, é necessário reexaminar o mesmo conjunto probatório utilizado, ou seja, o contrato celebrado entre as partes, além dos outros apresentados, o que é vedado no âmbito do recurso especial”, explicou.
Segundo Falcão, mesmo que não houvesse esse impedimento, a CPFL não teria razão em suas alegações. Ele afirmou que o lançamento do débito quitado como despesa operacional e a posterior dedução do montante da base de cálculo do IRPJ e da CSLL foram levados a efeito após consulta ao secretário da Receita Federal, “consulta, todavia, que não se ateve à disciplina normativa dos artigos 48 a 50 da Lei 9.430/1996 (procedimento administrativo de consulta), assumindo, em decorrência disso, caráter informal e não vinculativo”.
Autuação válida
O ministro observou, a título de comentário, que seria “perfeitamente válida” a autuação fiscal feita posteriormente, lastreada por parecer da Procuradoria da Fazenda Nacional e nota técnica, em que se explicitou que a manifestação anterior do secretário – fundada em informações unilaterais –, além de não refletir a real situação fiscal da consulente, não teve caráter vinculativo.
Para o relator, a situação não conferia à CPFL o direito de deduzir os mencionados valores das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL, tendo em vista que a operação implementada com a Fundação CESP, de acordo com as suas peculiaridades e em atenção às normas, não configura novação, ou seja, não subsistiria a troca de uma dívida previdenciária por uma dívida financeira.
Francisco Falcão conheceu parcialmente do recurso especial apenas em relação a algumas questões processuais, mas votou pelo não provimento nessa parte. Em consequência, propôs a revogação de decisão anterior que havia atribuído efeito suspensivo ao recurso especial.
O julgamento foi suspenso após pedido de vista do ministro Mauro Campbell Marques. A previsão é que o colegiado volte a analisar o caso na sessão de 6 de junho.
O recurso ficou assim ementado:
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. DEDUÇÃO DA BASE DE CÁLCULO DO IRPJ E CSLL. CONSULTA PRÉVIA AO SECRETÁRIO DA RECEITA FEDERAL. DECISÃO ADMINISTRATIVA POSTERIOR. INEFICÁCIA DA DECISÃO ADMINISTRATIVA ANTERIOR. AUTUAÇÃO FISCAL VÁLIDA. DISPOSITIVOS LEGAIS APONTADOS. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. MATÉRIA QUE CARECE DE EXAME DO CONJUNTO PROBATÓRIO. INCIDÊNCIA DAS SÚMULAS N. 5 E 7/STJ. VIOLAÇÃO DOS ARTS. 458 e 535 DO CPC/1973. INEXISTÊNCIA. OFENSA AO ART. 557, CAPUT, do CPC/1973. SANEAMENTO COM O JULGAMENTO DE AGRAVO INTERNO.
I – O presente feito teve origem com a composição entabulada entre a recorrente, Companhia Paulista de Força e Luz – CPFL, e a Fundação CESP, visando à quitação de dívida decorrente de déficit advindo do plano de complementação de aposentadorias e pensões dos empregados da companhia, administrado pela Fundação CESP, por meio da qual a fundação quitaria a dívida da CPFL, que pagaria o valor respectivo em 20 anos.
II – Apresentando a tese de ocorrência de novação, a companhia, com supedâneo no art. 301 do RIR/1994, consultou o Secretário da Receita Federal, sem atender ao procedimento da consulta administrativa descrita nos arts. 48 a 50 da Lei n. 9430/1996, recebendo parecer favorável, com a edição de nota técnica acerca da legalidade do lançamento do valor da operação como despesa operacional no exercício, deduzindo o respectivo montante das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL, com a consequente apuração de prejuízo fiscal e transformação das importâncias recolhidas a título de imposto e de contribuição na forma de estimativa, durante o referido exercício e início de 1998, em crédito a favor do contribuinte.
III – Após ulterior fiscalização da Receita Federal, ficou assentado pelo Procurador da Fazenda Nacional, por meio de parecer e nota técnica, que a anterior manifestação da autoridade fazendária, fundada em informações unilaterais, além de não refletir a real situação fiscal da consulente, não teve caráter vinculativo, e que a situação apresentada não conferia à contribuinte o direito de deduzir os mencionados valores nas bases de cálculos do IR e da CSLL, tendo em vista que a operação implementada pela Companhia CPFL e pela Fundação CESP, de acordo com as suas peculiaridades e em atenção às normas, não configura novação, ou seja, não subsistiria a troca de uma dívida previdenciária por uma dívida financeira.
IV – Ajuizada execução fiscal no valor de R$ 299.326.370,58, em 19/11/2004, importância que, atualizada para 21/05/2019, corresponde a R$511.079.118,37, foram aviados os presentes embargos à execução, julgados improcedentes, decisão confirmada no acórdão ora recorrido.
V – Impõe-se o afastamento de alegada violação dos arts. 458 e 535 do CPC/1973, quando a questão apontada como omitida pelo recorrente foi examinada no acórdão recorrido, tendo o julgador se manifestado sobre todas as questões pertinentes à litis contestatio, afastando a pretensa nulidade da sentença e confirmando a decisão apelada, com base na interpretação dos fatos e fundamentos apresentados.
VI – A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é pacífica no sentido de que eventual ofensa ao art. 557, caput, do CPC/1973 é saneada com o julgamento de agravo interno pelo órgão colegiado. Precedentes: AgInt no AREsp n. 733.755/RJ, Rel. Min.
Antonio Carlos Ferreira, DJe 13/12/2018; AgInt no AREsp n. 1.136.196/SP, Rel. Min. Francisco Falcão, DJe 26/10/2018 e AgInt nos EDcl no AREsp n. 741.896/ES, Rel. Min. Gurgel de Faria, DJe 6/11/2018.
VII – Verificada a falta de exame das matérias constantes dos dispositivos legais indicados como violados, especificamente os arts. 125, I, 128, e 460, todos do CPC/73, arts. 100, I, parágrafo único, 109 e 110, todos do CTN, arts. 13, V, da Lei 9.249/95 e art. 2º, parágrafo único, IX, da Lei 9.784/99, mostra-se de rigor a incidência da Súmula n. 282/STF, diante da ausência do devido prequestionamento, imprescindível ao conhecimento do recurso especial.
VIII – Inviável o conhecimento da parcela recursal, quando a questão jurídica imanente ao artigo de lei apontado como malferido atrai a necessidade de exame do conjunto probatório, incluindo contratos e documentos carreados pelas partes. Incidência das Súmulas 5 e 7, ambas do STJ.
IX – Evidenciados os óbices das Súmulas 5 e 7 do STJ quando pretende o recorrente modificar as conclusões alcançadas na seguintes passagens do acórdão recorrido: a) sobre o art. 131 do CPC/73 – “Assim sendo, ainda aqui valho-me dos fundamentos daquela decisão, adotando-os como razão de decidir deste agravo, mas não sem antes pontuar que – muito ao contrário do que sustenta a ora agravante – a r. sentença não padece de vício que reclame a declaração de sua nulidade, porquanto foi celebrada à luz do quanto dispõe o artigo 131 do Código de Processo Civil, “o juiz apreciará livremente a prova, atendendo aos fatos e circunstâncias constantes dos autos, ainda que não alegados pelas partes”, cumprindo-lhe, nesses casos, “indicar, na sentença, os motivos que lhe formaram o convencimento”; b) sobre os arts. 100, I, parágrafo único, 109 e 110, todos do CTN, art. 13, V, da Lei n. 9.249/1995, e art. 2º, parágrafo único, IX, da Lei n. 9.784/1999, caso superados os óbices indicados no item VII supra, e em relação ao art. 145 do CTN: “A Receita Federal, por seu turno, aceitou se pronunciar em uma consulta fora dos padrões legais no tocante à competência administrativa; e, posteriormente, ainda pior, deixou de publicar o resultado em órgão oficial de imprensa, conforme notícia em fls. 1478, remetendo ofício ao contribuinte (fls. 285). […] No caso presente, constatado que a consulta feita pela impetrante foi realizada em desacordo com a Lei 9430/1996, poder-se-ia atribuir natureza de invalidade do resultado da primeira consulta. E esta constatação seria fortalecida pela verificação de imprecisões, para não se dizer inverdades, no requerimento formulado pela impetrante (fls. 217/224), induzindo a Secretaria da Receita Federal em erro, houve alegação de que se tratava de novação quando, na verdade, não possuiria este contorno, como acima já referido. […] No caso, não houve alteração do critério jurídico. Houve sim informação equivocada por parte da impetrante nos elementos fornecidos à Receita Federal; a partir de explanações realizadas pela Delegacia da Receita Federal em Campinas, em ação fiscal, reformulou o órgão de consulta da Receita Federal a resposta a partir da constatação de que havia outros fatos, particularmente a não existência de dívida anterior contabilizada pela CPFL para com a Fundação CESP. […] O resultado equivocado da consulta, por meio da Nota 157/1998, foi provocado pela própria impetrante ao formular o requerimento dirigido à autoridade errada (fls. 217/224), deixando de mencionar fatos que depois seriam levantados na ação fiscal da Delegacia da Receita Federal em Campinas. Se a impetrante tivesse formulado corretamente a consulta, muito provavelmente tais transtornos teriam sido evitados.
Com isso, concluo a fundamentação desta decisão para enumerar as seguintes conclusões: 1. A consulta formulada pode ser revista desde que haja equívocos na sua formulação ou mesmo a Administração Tributária pode revisar posicionamentos jurídicos e fáticos baseadas em informações equivocadas; 2. Constitui fato controvertido a existência de novação no contrato entre a impetrante e a Fundação CESP; 3. Independentemente de se configurar novação com extinção de divida anterior, o referido contrato não operou qualquer pagamento, não foi quitada nenhuma dívida; 4. Não há possibilidade, sob nenhum enfoque, de se verificar o direito da impetrante em aplicar o benefício previsto na Lei 9249/1995, artigo 13, inciso V, e no Regulamento do IRI 1994, artigo 301”;
c) sobre o art. 999, I, do CC – “No caso em questão, há discussão nos autos sobre a ocorrência ou não da novação. Somente pela prorrogação do prazo de pagamento, não haveria novação, como acima citado. Por outro lado, há elementos novos a indicar a novação – a nova dívida foi alterada em elementos substanciais, tais como taxa de juros e obrigações (benefícios estipulados por contribuição). Entretanto, como consta da notícia dada pela Delegacia da Receita Federal em Campinas (fls.291; item 16), em ação fiscal (ato administrativo com presunção de veracidade e certeza), não havia nos registros da impetrante, dívida anterior a ser extinta. Expressamente menciona que os balanços patrimoniais da CPFL (até 31/12/1996) não registravam dividas vencidas para com a Fundação CESP … Havia um déficit técnico do plano de previdência que poderia ser coberto de várias formas. Em razão deste fato ser controvertido – havia ou não dívida anterior – seriam necessário esclarecimentos por meio de perícia judicial, instrumento impróprio em sede de mandado de segurança. Prevalece em princípio, a posição do Fisco que indica não existir dívida anterior, baseando-se na presunção de veracidade e certeza”.
X – Mesmo que afastados todos os empeços acima referidos, observa-se que o lançamento do débito quitado como despesa operacional e a posterior dedução do montante da base de cálculo do IR e CSLL foram levados a efeito após consulta ao Secretário da Receita Federal, consulta, todavia, que não se ateve à disciplina normativa dos arts. 48 a 50 da Lei n. 9.430/1996 (procedimento administrativo de consulta), assumindo, em decorrência disso, caráter informal e não vinculativo. Por isso mesmo, perfeitamente válida e eficaz a autuação fiscal posteriormente implementada, lastreada por parecer da Procuradoria da Fazenda Nacional e Nota técnica, no qual se explicitou que a anterior manifestação da autoridade fazendária, fundada em informações unilaterais, além de não refletir a real situação fiscal da consulente, não teve caráter vinculativo, e que a situação apresentada não conferia à contribuinte o direito de deduzir os mencionados valores nas bases de cálculos do IR e da CSLL, tendo em vista que a operação implementada pela Companhia CPFL e pela Fundação CESP, de acordo com as suas peculiaridades e em atenção às normas, não configura novação, ou seja, não subsistiria a troca de uma dívida previdenciária por uma dívida financeira.
XI – Diante do propósito prequestionador dos embargos declaratórios interposto, se apresenta devido o afastamento da multa prevista no art. 538, parágrafo único, do CPC/1973. Incidência da súmula 98/STJ.
XII – Recurso especial parcialmente conhecido e provido apenas para afastar a multa prevista no art. 538, parágrafo único do CPC/1973. Revoga-se, por consequência, a decisão que atribuiu efeito suspensivo ao recurso especial.
Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1644556