A instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica constante no artigo 134 do Código de Processo Civil de 2015 não é necessária no caso de execução fiscal, regida pela Lei 6.830/1980, verificando-se incompatibilidade entre o regime geral do CPC e o da Lei de Execução Fiscal.
O entendimento é da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que rejeitou o recurso de uma transportadora que buscava a instauração do incidente previsto no CPC após decisão judicial pelo redirecionamento de uma execução fiscal em seu desfavor.
Segundo o relator do recurso especial, ministro Francisco Falcão, foi devidamente aferida pelo juízo de primeira instância, no curso da execução fiscal, a ocorrência de sucessão de empresas pela formação de grupo econômico de fato, o que gerou confusão patrimonial.
De acordo com o relator, a questão levantada pela transportadora é “meramente procedimental”, já que não há fundamento jurídico para justificar a obrigatoriedade da instauração do incidente antes de se redirecionar a execução.
“A desnecessidade de instauração do incidente de desconsideração para o redirecionamento em face dos sócios deve atrair a mesma conclusão ao redirecionamento em face de outra pessoa jurídica quando se evidenciam práticas comuns ou conjunta do fato gerador ou confusão patrimonial”, afirmou Falcão.
No caso do redirecionamento da execução fiscal contra os sócios, Falcão destacou que a jurisprudência do STJ é pacífica no sentido da desnecessidade de instauração do incidente.
Aplicação subsidiária
Francisco Falcão citou julgado da Segunda Turma segundo o qual a aplicação do CPC é subsidiária nos casos em que a demanda é regida por lei específica. A aplicação do código ficaria reservada para as situações em ele é compatível e as leis específicas são silentes.
“Pelo princípio da especialidade, a previsão na lei geral – Código de Processo Civil – da hipótese de cabimento do incidente de desconsideração na execução fundada em título executivo extrajudicial (artigo 134, caput, CPC/2015) não implica sua incidência automática em execução de título extrajudicial regulada por lei especial”, explicou o relator.
Falcão mencionou que o CPC foi expresso no sentido da aplicação dessa regra para um microssistema, o que não ocorreu em relação ao sistema especial que envolve o regime jurídico da execução fiscal.
Caso exemplar
O ministro disse que a existência de pessoas jurídicas que pertençam ao mesmo grupo econômico, por si só, não enseja a responsabilidade solidária na forma do artigo 124 do Código Tributário Nacional, conforme jurisprudência do STJ. “Contudo, a distinção entre responsabilidade por substituição (dos sócios administradores) e por sucessão (entre empresas) não é relevante no caso.”
Segundo o relator, o caso é exemplar para ilustrar a lógica de não exigência da instauração do incidente no caso de redirecionamento de execução fiscal para pessoas jurídicas do mesmo grupo econômico.
Falcão afirmou que seria contraditório afastar a instauração do incidente para atingir os sócios administradores, mas exigi-la para mirar pessoas jurídicas que constituem grupos econômicos para blindar o patrimônio comum.
“Nas duas hipóteses há responsabilidade por atuação irregular, em descumprimento das obrigações tributárias, não havendo que se falar em desconsideração da personalidade jurídica, mas sim de imputação de responsabilidade tributária pessoal e direta pelo ilícito.”
De acordo com as informações do processo, a transportadora, sob outra denominação, ingressou no quadro social de outra pessoa jurídica executada, permitindo aumento patrimonial, e posteriormente retirou-se dessa sociedade, resultando em esvaziamento patrimonial.
O ministro Francisco Falcão explicou que, do ponto de vista da cobrança do crédito tributário, a exigência de instauração do incidente dificultaria a persecução de bens do devedor e facilitaria a dilapidação patrimonial, “além de transferir à Fazenda Pública o ônus desproporcional de ajuizar medidas cautelares fiscais e tutelas provisórias de urgência para evitar os prejuízos decorrentes do risco que se colocaria à satisfação do crédito”.
O recurso ficou ementado da seguinte forma:
REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO FISCAL. SUCESSÃO DE EMPRESAS. GRUPO ECONÔMICO DE FATO. CONFUSÃO PATRIMONIAL. INSTAURAÇÃO DE INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. DESNECESSIDADE. VIOLAÇÃO DO ART. 1.022, DO CPC⁄2015. INEXISTÊNCIA.I – Impõe-se o afastamento de alegada violação do art. 1.022 do CPC⁄2015, quando a questão apontada como omitida pelo recorrente foi examinada no acórdão recorrido, caracterizando o intuito revisional dos embargos de declaração.II – Na origem, foi interposto agravo de instrumento contra decisão que, em via de execução fiscal, deferiu a inclusão da ora recorrente no polo passivo do feito executivo, em razão da configuração de sucessão empresarial por aquisição do fundo de comércio da empresa sucedida.III – Verificado, com base no conteúdo probatório dos autos, a existência de grupo econômico e confusão patrimonial, apresenta-se inviável o reexame de tais elementos no âmbito do recurso especial, atraindo o óbice da Súmula n. 7⁄STJ.IV – A previsão constante no art. 134, caput, do CPC⁄2015, sobre o cabimento do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, na execução fundada em título executivo extrajudicial, não implica a incidência do incidente na execução fiscal regida pela Lei n. 6.830⁄1980, verificando-se verdadeira incompatibilidade entre o regime geral do Código de Processo Civil e a Lei de Execuções, que diversamente da Lei geral, não comporta a apresentação de defesa sem prévia garantia do juízo, nem a automática suspensão do processo, conforme a previsão do art. 134, § 3º, do CPC⁄2015. Na execução fiscal “a aplicação do CPC é subsidiária, ou seja, fica reservada para as situações em que as referidas leis são silentes e no que com elas compatível” (REsp n. 1.431.155⁄PB, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 27⁄5⁄2014).V – Evidenciadas as situações previstas nos arts. 124, 133 e 135, todos do CTN, não se apresenta impositiva a instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, podendo o julgador determinar diretamente o redirecionamento da execução fiscal para responsabilizar a sociedade na sucessão empresarial. Seria contraditório afastar a instauração do incidente para atingir os sócios-administradores (art. 135, III, do CTN), mas exigi-la para mirar pessoas jurídicas que constituem grupos econômicos para blindar o patrimônio em comum, sendo que nas duas hipóteses há responsabilidade por atuação irregular, em descumprimento das obrigações tributárias, não havendo que se falar em desconsideração da personalidade jurídica, mas sim de imputação de responsabilidade tributária pessoal e direta pelo ilícito.VI – Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte, improvido.
Leia o acórdão.
Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1786311