Um neném de oito meses teve parte da perna direita amputada em decorrência de demora no diagnóstico de obstrução arterial. O caso aconteceu no Hospital Infantil Joana de Gusmão, em Florianópolis, em janeiro de 2007. Os pais da criança entraram com ação na Justiça contra o Estado de Santa Catarina – o hospital é público -, pleiteando indenização por danos morais e estéticos. Eles venceram em 1º grau, mas não concordaram com os valores estipulados. O Estado também recorreu.
De acordo com os autos, após o menino ser diagnosticado com quadro de “sopro no coração”, os pais tentaram, por diversas vezes e sem sucesso, marcar a cirurgia. Depois de um tempo, não especificado no processo, a operação foi finalmente marcada. Os médicos, a princípio, seguiram os protocolos e anestesiaram o paciente, porém, por algum motivo, não o operaram. E nesse período de internação, em face de problemas com a coagulação do sangue “decorrentes da negligência do corpo médico do hospital, o menino teve parte da perna direita amputada”.
O relator da apelação, desembargador Artur Jenichen Filho, foi direto ao ponto: “Quanto à criança, parte mais severamente atingida pela conduta do Estado, resta incontroversa a sua submissão a situações penosas de dor e amputação de sua perna, mostrando-se desnecessária qualquer digressão a respeito do seu padecimento físico e psíquico”. Para o magistrado, é igualmente presumível a dor e sofrimento dos pais em razão do que aconteceu com o filho.
Em seu voto, Jenichen Filho reconheceu o direito da vítima em receber fornecimento e ressarcimento de gastos futuros referentes a atendimento especializado para o tratamento: medicamentos, próteses, tratamento psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar e ambulatorial, e também atendimento educacional especializado, a serem comprovados oportunamente em procedimento próprio. Ele entendeu que os valores indenizatórios estipulados em 1º grau estavam corretos, com exceção do valor destinado ao pai da criança. O desembargador aumentou a indenização para ficar igual à da mãe. Com isso, os pais receberão cada um R$ 25 mil pelos danos morais.
O menino, por sua vez, será indenizado em R$ 100 mil – o valor deve ser atualizado com base em juros – por danos morais e estéticos. Receberá ainda uma pensão vitalícia, no valor de um salário mínimo, a partir do dia em que completar 14 anos. Foi exatamente neste ponto que o Estado se insurgiu, alegando que “a lesão não incapacita o paciente para todo e qualquer tipo de trabalho”, por isso não faria sentido uma pensão vitalícia. Para o relator, entretanto, esse argumento não tem cabimento porque é evidente a perda de capacidade laborativa, mesmo que parcial, e ela “não será reparada totalmente com o fornecimento de prótese”.
Além de Jenichen Filho, participaram do julgamento os desembargadores Hélio do Valle Pereira e Denise de Souza Luiz Francoski. A sessão, da 5ª Câmara de Direito Público, foi realizada no dia 6 de junho. A decisão foi unânime.
O recurso ficou assim ementado:
APELAÇÕES CÍVEIS E REEXAME NECESSÁRIO. ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. AÇÃO DE REPARAÇÃO POR DANOS MORAIS, MATERIAIS, ESTÉTICOS E PEDIDO DE PENSÃO VITALÍCIA AJUIZADA PELOS DESCENTES E PELO DESCENDENTE VÍTIMA DE ERRO MÉDICO. AMPUTAÇÃO DE PARTE DO MEMBRO INFERIOR DIREITO DE INFANTE COM 08 (OITO) MESES DE IDADE DECORRENTE DE DEMORA NO DIAGNÓSTICO DE OBSTRUÇÃO ARTERIAL. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. RESPONSABILIDADE DO ENTE PÚBLICO CARACTERIZADA. NEXO CAUSAL EVIDENCIADO PELO LAUDO PERICIAL. DEVER DE INDENIZAR INCONTESTE. RECURSO DOS AUTORES. IRRESIGNAÇÃO NO QUE TANGE AO QUANTUM INDENIZATÓRIO FIXADO EM FAVOR DAS PARTES. LESÕES DEFINITIVAS QUE SE PROLONGARÃO POR TODA A VIDA DO DESCENDENTE. INDENIZAÇÕES POR DANOS MORAIS E ESTÉTICA MANTIDAS. VALORES QUE SE MOSTRAM PROPORCIONAIS E APTOS À REPREENSÃO DO ILÍCITO, AO DESESTÍMULO À PRÁTICA NEGLIGENTE E À REPARAÇÃO DO DANO CAUSADO. DISPARIDADE ENTRE OS VALORES ARBITRADOS EM FAVOR DA GENITORA E DO GENITOR. INCABIMENTO DA DISTINÇÃO. SOFRIMENTO DOS GENITORES QUE NÃO PODEM SER COMPARADOS. NECESSIDADE DE MAJORAÇÃO DO QUANTUM FIXADO EM FAVOR DO PAI COM O FITO DE ADEQUAR AO PATAMAR FIXADO EM FAVOR DA MÃE. MAJORAÇÃO DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. POSSIBILIDADE. VERBA ESTIPENDIAL QUE DEVE SER ARBITRADA EM CONFORMIDADE COM O DISPOSTO NO § 3º DO ART. 20 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. PROCURADOR QUE AGIU COM ZELO E PRESTEZA DURANTE TODO PROCESSAMENTO DA LIDE. RECURSO DO ESTADO DE SANTA CATARINA. ATAQUE LIMITADO À PENSÃO VITALÍCIA ARBITRADA EM SENTENÇA. TESE DE QUE A LESÃO NÃO INCAPACITA O INFANTE PARA TODO E QUALQUER TIPO DE LABOR. DESCABIMENTO. EVIDENTE PERDA DE CAPACIDADE LABORATIVA, MESMO QUE PARCIAL, NÃO REPARADA TOTALMENTE COM O FORNECIMENTO DE PRÓTESE FUTURAMENTE. MANUTENÇÃO DA PENSÃO VITALÍCIA FIXADA NO VALOR DE UM SALÁRIO MÍNIMO A PARTIR DO ALCANCE DA IDADE DE 14 (QUATORZE) ANOS. REMESSA NECESSÁRIA. CONSECTÁRIOS LEGAIS. CORREÇÃO MONETÁRIA. TEMAS 810 DO STF E 905 DO STJ. CONSENTIMENTO DESTA COLENDA CÂMARA DE QUE É POSSÍVEL DETERMINAR A APLICAÇÃO DA TR, SEM PREJUÍZO DE ADOÇÃO – EM FASE DE CUMPRIMENTO – DE ÍNDICE DISTINTO SE ASSIM FOR DETERMINADO PELO STF RECURSO DO RÉU CONHECIDO E DESPROVIDO. RECURSO DOS AUTORES CONHECIDO E PROVIDO EM PARTE. REMESSA NECESSÁRIA PARCIALMENTE PROVIDA, SOMENTE PARA PROMOVER AJUSTES QUANTO AOS CONSECTÁRIOS LEGAIS.
Apelação Cível n. 0002128-32.2007.8.24.0057