Tribunal considerou que a operadora perturbou a paz de ex-cliente ao obrigá-lo a gastar seu tempo útil em tentativas frustradas de interromper cobranças indevidas, condenando a empresa de telefonia ao ressarcimento civil por dano moral
Em julgamento realizado em maio de 2019, a 11ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) condenou, por unanimidade de votos, uma empresa de telefonia a pagar 15 mil reais por danos morais a um ex-cliente. Mesmo após mudar de operadora e cancelar os serviços contratados anteriormente – atitudes realizadas em março de 2017 – o autor da ação foi cobrado por débitos inexistentes durante 1 ano e 3 meses. A decisão transitou em julgado na última terça-feira (4/6).
Antes de procurar a Justiça, o consumidor tentou resolver a situação por meio do call center da operadora e de quatro reclamações na Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), sem ter sucesso em seus pedidos. A 11ª Câmara Cível do TJPR relatou que a empresa realizava mais de 10 ligações por dia para cobrar irregularmente o autor – caracterizando abuso do direito de cobrança, além de perturbação da paz do ex-cliente e de sua família.
A sentença de primeiro grau determinou a interrupção das cobranças indevidas, porém desconsiderou a ocorrência de dano moral. Por isso, o ex-cliente recorreu ao TJPR. Ao julgar a apelação, o Tribunal entendeu que a situação não se tratava de um mero aborrecimento cotidiano. No acórdão, o relator Desembargador Fábio Haick Dalla Vecchia destacou que a operadora impôs “ao consumidor inocente o dispêndio indesejado e indevido de seu tempo útil, o qual poderia ser utilizado em atividades produtivas, familiares, dentre outras, para resolver os problemas causados exclusivamente pela falha ou má prestação dos serviços”. O entendimento da Câmara adota a “Teoria do Desvio Produtivo do Consumidor” (assim como fazem Tribunais Superiores e outras Cortes Estaduais), que procura proteger os consumidores e reprimir atos ilícitos ou abusivos praticados por fornecedores.
Por fim, o julgado, além de reforçar a proteção ao consumidor, destacou que “o Poder Judiciário enfrenta todos os dias um número altíssimo de demandas oriundas de serviços prestados de forma ineficiente, em total descaso com o consumidor. […]. A grande maioria dessas ações poderia ser facilmente evitada, apenas com o mínimo respeito e boa vontade das prestadoras de serviço em resolver os problemas que causam a seus consumidores”.
O recurso ficou assim ementado:
APELAÇÃO CÍVEL. PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. TELEFONIA. CDC. DECLARATÓRIA. INEXISTÊNCIA DE DÉBITO. RESSARCIMENTO CIVIL. DANOS EXTRAPATRIMONIAIS. TEORIA DO DESVIO PRODUTIVO DO CONSUMIDOR. APLICAÇÃO. DISPÊNDIO
INDESEJADO DE TEMPO ÚTIL. PROBLEMAS CAUSADOS PELO FORNECEDOR. CULPA CONSUMIDOR. AUSÊNCIA. VIOLAÇÃO DEVERES ANEXOS DA BOA-FÉ. LEALDADE E COOPERAÇÃO. AFRONTA. PERDA DE TEMPO PRODUTIVO, LAZER E CONVIVÊNCIA FAMILIAR. FALTA DE ZÊLO DO PRESTADOR. COBRANÇA ABUSIVA, PREDATÓRIA E INDEVIDA. OCORRÊNCIA.PROVA ROBUSTA. DEVER DE REPARAÇÃO. PRESENÇA. PRECEDENTES STJ, TJ/PR E TRIBUNAIS ESTADUAIS. MULTA. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. ALTERAÇÃO VERDADE DOS FATOS. NÃO OCORRÊNCIA. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.
1. A Teoria do desvio produtivo encampada pelos Tribunais Superiores, bem como pelas Cortes Estaduais, admite o viés de proteção aos consumidores, somada à intenção de constituir reprimenda (caráter preventivo e punitivo) aos atos ilícitos e/ou abusivos perpetrados pelos fornecedores.
2. Diante de uma situação que acarrete em danos ao consumidor, o qual não deu causa ao problema, e que essas questões, por falta de diligência do prestador, somente sejam resolvidas após diversos meses e com a intervenção do judiciário, mostra-se imperiosa a aplicação da Teoria do desvio produtivo e, por consequência, a condenação ao ressarcimento civil pelo dano extrapatrimonial causado.
3. “[…] O desrespeito voluntário das garantias legais, com o nítido intuito de otimizar o lucro em prejuízo da qualidade do serviço, revela ofensa aos deveres anexos ao princípio boa-fé objetiva e configura lesão injusta e intolerável à função social da atividade produtiva e à proteção do tempo útil do consumidor. […]”. (REsp 1737412/SE, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 05/02/2019, DJe 08/02/2019).
4. Recurso conhecido e parcialmente provido.
AP 0081322-86.2017.8.16.0014