Juíza titular do 6º Juizado Especial Cível de Brasília condenou um advogado e dois de seus clientes por manobra que tentou evitar o pagamento de honorários advocatícios devidos ao autor. Os réus foram condenados ao pagamento dos honorários estipulados no contrato mais indenização por danos morais.
O autor narra que foi contratado como advogado para representar a primeira ré em uma ação trabalhista contra a empresa LR Lavanderia LTDA ME. Conta que obteve sentença favorável à sua cliente em 31/07/2017, com apuração do débito no valor de R$ 92.472,59, e que o contrato de prestação de serviços advocatícios previa que “…o advogado receberá do cliente no caso de êxito total ou parcial os honorários de 30% (trinta por cento) do valor total a ser apurado ao final da lide…” e caso houvesse acordo “por fora” sem anuência do advogado, desistência ou revogação de poderes, seria devido ao advogado o percentual de 30% sobre o valor da última atualização.
Em 28/08/2017, relata ter sido procurado pelo advogado representante da lavanderia, que afirmou ter feito acordo com sua cliente, mas que seus honorários lhe seriam preservados. Contudo, antes da juntada do acordo nos autos, o autor recebeu a notícia da renúncia do seu mandato, o que, segundo ele, teria sido feito para simular a aceitação do acordo por outro patrono, pois não havia concordado com o valor informado que lhe seria devido. Sob o argumento de que a mesma situação ocorreu em outro processo e que isso atingiu seus direitos de personalidade, requereu a condenação dos réus a efetuarem o pagamento dos honorários no valor de R$ 27.741,77, mais reparação pelos danos morais sofridos.
Em resposta, a ré afirmou que só recebeu o valor de R$ 13 mil e não teria condições de pagar o montante pleiteado. Já a LR Lavanderia e seu advogado, também réu na ação, sustentaram que a revogação do mandato do autor foi anterior à solução final do litígio, formalizada em 31/01/2019.
A juíza verificou que o autor patrocinou a ré de forma diligente durante todo o transcurso do processo, tendo atuado, inclusive, após o trânsito em julgado da sentença. “Como houve o trânsito em julgado da decisão que homologou os cálculos, constatando que o crédito que a reclamante fazia jus era no montante de R$ 92.472,59 e considerando a disposição contratual acima destacada, cláusula quarta, de que os honorários contratuais a que o autor faz jus deverão ser calculados sobre o valor da condenação, afasta-se o argumento apresentado em contestação, de que os honorários deverão ser calculados tendo por base o valor do acordo”, destacou a magistrada.
Quanto ao acordo firmado entre os litigantes sem a presença do advogado, a juíza afirmou que há, no caso, responsabilidade solidária entre os réus, pois restou demonstrada a ocorrência de conluio entre os demandados na tentativa de afastar a necessidade do pagamento dos honorários contratuais.
No tocante ao pedido de danos morais, a magistrada concluiu não restar dúvida de “que a manobra de afastar o autor da ação antes do protocolamento do acordo, a fim de impedir o pagamento dos honorários contratuais, impedindo o recebimento de crédito de natureza alimentar, ultrapassa mero descumprimento de obrigação contratual e configura circunstância apta a caracterizar danos de ordem moral passíveis de indenização”.
Ao final, os réus foram condenados solidariamente ao pagamento do valor de R$ 27.741,77 a título de honorários advocatícios, mais R$ 3 mil como reparação dos danos morais suportados pelo autor.
Houve recurso, e o mesmo ficou assim ementado:
JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS. PROCESSUAL CIVIL. PRELIMINARES DE INTEMPESTIVIDADE E INOVAÇÃO RECURSAL REJEITADAS. CIVIL. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS ADVOCATÍCIOS. EXPRESSO AJUSTE QUANTO A HONORÁRIOS E REALIZAÇÃO DE ACORDO FUTURO. DESCUMPRIMENTO. PARTICIPAÇÃO DAS PARTES ADVERSAS E CAUSÍDICO ADVERSO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. DANO MATERIAL COMPROVADO. PAGAMENTO DEVIDO. DANO MORAL CONFIGURADO. VALOR ADEQUADO E RAZOÁVEL. SENTENÇA MANTIDA. RECURSOS CONHECIDOS. PRELIMINARES REJEITADAS E NÃO PROVIDOS.
- Trata-se de recursos inominados interpostos pelas partes em face da sentença que julgou procedente em parte o pedido deduzido na inicial para condenar as rés, solidariamente, ao pagamento de R$ 27.741,77 (vinte e sete mil, setecentos e quarenta e um reais e setenta e sete centavos), derivados de descumprimento de cláusula de contrato de prestação de serviços de honorários advocatícios, além de R$ 3.000,00 (três mil reais), por reparação de danos morais. Inconformadas, ambas as partes recorreram. A parte autora, Renato Carneiro Pedroso, nas razões do seu recurso, afirma a intempestividade da interposição de recurso de embargos de declaração opostos pelas partes rés, Daniel Rocha Saraiva e LR Lavanderia LTDA. A sua vez, as partes rés, nas razões do seu apelo, afirmam não serem devidos honorários advocatícios à parte autora em razão da renúncia ao mandato ter ocorrido em momento anterior ao acordo judicial firmado em processo no qual teria prestado serviço. Além disso, aduz que o valor dos honorários seria correspondente ao apurado no acordo, resultado final do processo, e não ao valor previsto em cláusula contratual firmada com a parte assistida. Ao final, sustenta a inexistência de danos morais reparáveis e pede a reforma da sentença.
- Recursos próprios, tempestivos e dispensados de preparo ante pedidos formulados de concessão da gratuidade de justiça. Contrarrazões apresentadas somente pela parte autora (ID 10551083), na qual impugna o pedido de gratuidade de justiça formulado pela parte ré e suscita preliminares de intempestividade e inovação recursal.
III. Compete à parte que impugna o benefício da gratuidade de justiça fazer prova da capacidade financeira do beneficiário ou do pleiteante. No caso, a parte autora, em suas contrarrazões, limitou-se a asseverar não estar comprovada a hipossuficiência econômica da ré, sem trazer provas aptas a infirmar aquelas coligidas. À míngua de prova hábil a elidir a presunção de hipossuficiência, rejeita-se a impugnação à gratuidade de justiça.
- Da alegada intempestividade do recurso de embargos de declaração. O recurso impugnado foi interposto em desfavor de sentença preferida em processo que conta com litisconsórcio passivo, considerando que uma parte ré não constituiu advogado. Desse modo, o início do prazo contava-se a partir da intimação do último réu, a teor do que orientam os arts. 118 e 231, ambos do CPC. Portanto, rejeita-se a preliminar. No que se que refere à intempestividade do recurso inominado, melhor sorte não acompanha o argumento das contrarrazões da parte autora. Considerando a sucessão de embargos de declaração interpostos, todos não providos, o prazo iniciou-se a partir da intimação da última decisão, qual seja, 29/06/2019.
- Da alegada inovação recursal. Denota-se do recurso da parte ré o enfrentamento das razões de decidir e dispositivo da sentença. Desse modo, não há falar-se em inovação recursal, haja vista a dialeticidade verificada no apelo. Preliminar também rejeitada.
- Quanto ao mérito, no caso, demonstrado nos autos o trâmite de ação trabalhista promovida pela ré ANA CRISTINA SOUZA DE SANTANA, assistida pele parte autora RENATO CARNEIRO PEDROSO, em desfavor da LR LAVANDERIA – LTDA, assistida pela parte ré DANIEL ROCHA SARAIVA, em que a LAVANDERIA restou condenada ao pagamento de R$ 92.472,59. Comprovado, outrossim, o contrato de prestação de serviços de honorários advocatícios ajustado entre a parte ré ANA CRISTINA com a parte autora RENATO (ID 10550913). Também não se discute o acordo firmado entre a parte ré ANA CRISTINA com a parte ré LAVANDERIA, intermediado tão somente pelo causídico DANIEL ROCHA SARAIVA, já por ocasião do cumprimento da sentença trabalhista (10551012).
VII. Verifica-se do ajuste de honorários firmado entre ANA CRISTINA e RENATO, causídico contratado para assistência no processo trabalhista, o compromisso de pagamento de valor correspondente a 30% “do valor total da solução final do litígio”, conforme cláusula 2ª. A cláusula 4ª prevê que “Caso o CLIENTE celebre acordo de qualquer forma com a parte contrária, sem a interferência expressa do ADVOGADO, ou contratar outro ADVOGADO, ou vier a desistir da ação ou ainda na hipótese do CLIENTE revogar os poderes outorgados ao ADVOGADO, os honorários nestes casos serão calculados sobre o valor da condenação que tiver sido imposta, pela última decisão proferida, computando-se juros e correção monetária como se tivesse transitado em julgado, aplicando-se inversamente, o mesmo e idêntico critério caso o ADVOGADO se veja obrigado a declinar dos poderes que lhe foram outorgados, por problemas éticos/ou ausência de confiança.”
VIII. No caso, logrou a parte autora comprovar de modo suficiente que DANIEL ROCHA SARAIVA, causídico adverso na ação trabalhista, informou-lhe acerca da proposição do acordo e posteriormente, sem o acerto relacionado ao valor dos honorários, ajustou com a parte ré ANA CRISTINA SOUZA, contratante dos serviços de advocacia da parte autora, a renúncia ao mandato outorgado a RENATO e o firmamento de acordo, ressalte-se, sem referência aos honorários contratados com RENATO. Portanto, desincumbiu-se a parte autora da prova do fato constitutivo do direito, conforme disposto no art. 373, I, do CPC.
- Destaque-se que as partes rés conheciam a condição de advogado contratado da parte autora e que também tinham ciência do contrato de honorários. Ademais, que o ajuste da prestação de serviço relacionado ao processo trabalhista foi firmado por livre e espontânea vontade e, desse modo, as cláusulas a que se obrigaram os envolvidos devem ser cumpridas. Com efeito, a interferência do advogado da parte adversa no processo trabalhista tornou a ele e seus clientes responsáveis pelo prejuízo experimentado pela parte autora, não ouvido nas razões do acordo, excluído involuntariamente do ajuste e prejudicado na solução do conflito, já em fase de cumprimento de sentença e busca de bens suficientes ao pagamento do crédito apurado. Seus honorários devem ser pagos, de acordo com os termos contratados com a sua cliente – e a responsabilidade por este pagamento é tanto desta quanto do outro advogado, pois comprovado nos autos ter havido conluio entre os dois. Logo, a responsabilidade da cliente decorre da força do contrato e do ato ilícito que praticou, ao passo que a responsabilidade do advogado adverso decorre do ato ilícito que praticou em conluio com a ex-cliente do autor, lesando-o.
- No que se refere ao dano moral, a falta profissional dirigida à parte autora teve, sim, ao meu ver, intensidade o bastante para que os atributos da personalidade do autor fossem afrontados. O exercício responsável da profissão deve orientar-se pelo respeito e preservação da dignidade da pessoa e da função essencial do exercício da advocacia na sociedade. Nesse contexto, a exclusão do advogado regularmente contratado do acordo celebrado entre a cliente e as partes e causídico adversos representa rompimento do dever de boa-fé e probidade que esperam de colegas de profissão e cidadãos. Assim, configurado o dano moral indenizável.
- A indenização por danos morais possui três finalidades, quais sejam, a prestação pecuniária serve como meio de compensação pelos constrangimentos, aborrecimentos e humilhações experimentados pelas partes recorridas, punição para as partes recorrentes e prevenção futura quanto a fatos semelhantes.
XII. Não há um critério matemático ou padronizado para estabelecer o montante pecuniário devido à reparação. O valor da reparação deve guardar correspondência com o gravame sofrido, devendo o juiz pautar-se nos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, sopesando as circunstâncias do fato e as condições pessoais e econômicas das partes envolvidas, assim como o grau da ofensa moral e sua repercussão.
XIII. Atento às diretrizes acima elencadas, entende-se o montante de R$ 3.000,00 (três mil reais) como suficiente para, com razoabilidade e proporcionalidade, compensar os danos sofridos sem, contudo, implicar em enriquecimento sem causa. A par de tal quadro, não merece reforma a respeitável e irretorquível sentença de origem.
XIV. Recursos conhecidos, preliminares rejeitadas e não providos. Sentença mantida. Condeno as partes recorrentes vencidas ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios que fixo em 10% do valor corrigido da condenação, contudo suspendo a exigibilidade na forma do art. 98, § 3º, do CPC, que ora defiro.
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A súmula de julgamento servirá de acórdão, consoante disposto no artigo 46 da Lei nº 9.099/95.
PJe nº 0703630-76.2018.8.07.0016