A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao julgar conflito de competência, entendeu que a 17ª Vara Federal da Seção Judiciária de Minas Gerais (MG) é o foro competente para julgar uma ação popular proposta em Campinas (SP) relativa à tragédia de Brumadinho (MG). Na instância de origem, o autor da ação requereu o deferimento de liminar para bloqueio de ativos financeiros da empresa Vale, no valor de R$ 4 bilhões.
No conflito, o suscitado, Juízo Federal da 2ª Vara de Campinas, entendeu que o foro competente, na situação específica dos autos, não seria, como de regra, o do domicílio do autor, haja vista que, em virtude da defesa do interesse coletivo, o processamento da ação seria mais bem realizado no local da ocorrência do ato que, por meio da ação, o cidadão contesta.
Já o suscitante, Juízo Federal da 17ª Vara Federal de Minas Gerais, por sua vez, defendeu que o julgamento poderia ser atribuído à Vara Federal do domicílio do autor da ação.
Além do bloqueio financeiro, a ação popular objetiva a declaração de nulidade de atos comissivos da Vale e omissivos da União, do Distrito Federal e do Estado de Minas Gerais, bem como a condenação dos réus à recuperação do meio ambiente degradado, também ao pagamento de multa por dano ambiental e de indenizações compensatórias por danos materiais e morais decorrentes do rompimento da Barragem Córrego do Feijão, em janeiro deste ano.
Peculiaridades
Em seu voto, o relator, ministro Herman Benjamin, destacou que, apesar da regra geral no STJ para o julgamento das ações populares ser o local de domicílio do autor, a fim de não se criar barreiras ao exercício desse direito constitucionalmente previsto, o caso analisado apresenta peculiaridades que o distingue dos demais já enfrentados pelo tribunal. “As circunstâncias do caso concreto devem ser analisadas, de forma a ajustar o Direito à realidade”, pontuou.
“Não se pretende aqui revogar o retromencionado entendimento do STJ sobre a competência, haja vista que é indubitavelmente legal e ancorado em precedentes. Mas, deve ser realizado um distinguishing, tendo em vista as peculiaridades do caso que leva a que este julgamento se proceda nos termos da eficiência e da eficácia que se deseja na hipótese desses processos e com a complexidade inerente”, afirmou o magistrado.
Herman Benjamin relembrou, ainda, o caso de Mariana (MG), no qual foi fixado pelo tribunal um único juízo para julgamento de todas as ações que tratassem do tema, exatamente em um juízo federal em Minas Gerais, para evitar decisões conflitantes e possibilitar que a Justiça pudesse ser entregue de maneira mais objetiva.
Para o ministro, a regra geral adotada pelo tribunal deve ser usada quando a ação popular for isolada. “Na atual hipótese, tem-se que a Ação Popular estará competindo e concorrendo com várias outras Ações Populares e Ações Civis Públicas, bem como com centenas, talvez até milhares, de ações individuais, razão pela qual, em se tratando de competência concorrente deve ser eleito o foro do local do fato”.
Temas ambientais
Além disso, o magistrado ressaltou o fato de que com a promulgação da Lei 7.347/85, Lei da Ação Civil Pública, a definição do foro competente para a apreciação da ação popular, sobretudo em temas ambientais, passou a obedecer ao disposto no artigo 2º da lei, sendo o Código de Processo Civil de aplicação subsidiária.
“Tal medida se mostra consentânea com os princípios do Direito Ambiental, por assegurar a apuração dos fatos pelo órgão judicante que detém maior proximidade com o local do dano e, portanto, que revela maior capacidade de colher as provas de maneira célere e de examiná-las no próprio contexto de sua produção”.
Para ele, apesar do legislador ter buscado ao instituir a ação popular privilegiar “o exercício da fiscalização e da própria democracia pelo cidadão”, não significa que as ações desse tipo devam ser sempre distribuídas no foro mais conveniente ao autor.
“Casos haverá, tais como o destes autos, em que a defesa do interesse coletivo será mais bem realizada no local do ato que, por meio da ação, o cidadão pretenda anular. Nessas hipóteses, a sobreposição do foro do domicílio do autor ao foro do dano ambiental acarretará prejuízo ao próprio interesse material coletivo tutelado por intermédio dessa ação, em benefício do interesse processual individual do cidadão, em manifesta afronta à finalidade mesma da ação por ele ajuizada”, concluiu o relator.
Ausência de prejuízo
Por fim, o relator do processo, destacou que, com as novas tecnologias de acompanhamento de processos via internet, o autor da ação não será prejudicado se o processo tramitar em outra localização que não a de seu domicílio.
“Cumpre destacar que devido ao processamento eletrônico, as dificuldades decorrentes da redistribuição para local distante do domicílio do autor resultam significativamente minimizadas, senão totalmente afastadas, em decorrência da possibilidade de acesso integral aos autos pelo sistema de movimentação processual”.
O recurso ficou assim ementado:
CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. DIREITO AMBIENTAL. DESASTRE DE BRUMADINHO. ROMPIMENTO DE BARRAGEM DA EMPRESA VALE DO RIO DOCE. AÇÃO POPULAR. LEI 4.717/1965. COMPETÊNCIA PARA JULGAR A AÇÃO POPULAR QUANDO JÁ EM ANDAMENTO AÇÃO CIVIL PÚBLICO COM OBJETO ASSEMELHADO. DISTINGUISHING. TEMA AMBIENTAL. FORO DO LOCAL DO FATO. APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DA LEI DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA.
HISTÓRICO DA DEMANDA 1. Trata-se, na origem, de Ação Popular proposta por Felipe Torello Teixeira, advogado qualificado nos autos, contra a União, o Distrito Federal, o Estado de Minas Gerais e a Vale S.A., objetivando liminarmente o bloqueio de ativos financeiros dos réus, no valor de R$ 4.000.000.000,00 (quatro bilhões de reais) e, ao final, a confirmação da tutela liminar, cumulada com a declaração de nulidade dos atos comissivos da Vale S.A. e omissivos da União, do Distrito Federal e do Estado de Minas Gerais, bem como a condenação dos réus a: a) recuperar o meio ambiente degradado pelo rompimento da barragem da Vale S.A. no Município de Brumadinho – MG; b) pagar indenização pelos danos materiais e morais decorrentes do desastre, no valor de R$ 4.000.000.000,00 (quatro bilhões de reais); c) a pagar multa civil por dano ambiental, em montante a ser arbitrado por este Juízo.
Neste momento, o STJ aprecia apenas o Conflito de Competência.
2. O juiz suscitado entendeu que o foro competente, na situação específica dos autos, não se enquadraria na regra geral do domicílio do autor, haja vista que, em virtude da defesa do interesse coletivo, o processamento da ação seria mais bem realizado no local da ocorrência do ato que o cidadão pretende ver anulado. O juiz suscitante, por sua vez, defende que o julgamento poderá ser atribuído à Vara Federal do domicílio do peticionante. A JURISPRUDÊNCIA DO STJ À LUZ DAS CIRCUNSTÂNCIAS PECULIARES DO CASO CONCRETO 3. Não se desconhece a jurisprudência do STJ favorável a que, sendo igualmente competentes o juízo do domicílio do autor popular e o do local onde houver ocorrido o dano (local do fato), a competência para examinar o feito é daquele em que menor dificuldade haja para o exercício da Ação Popular. A propósito: CC 47.950/DF, Rel. Ministra Denise Arruda, Primeira Seção, DJ 7/5/2007, p. 252; CC 107.109/RJ, Rel. Ministro Castro Meira, Primeira Seção, DJe 18/3/2010.
4. Malgrado isso, as circunstâncias do caso concreto devem ser analisadas de forma que se ajuste o Direito à realidade. Para tanto, mister recordar os percalços que envolveram a definição da competência jurisdicional no desastre de Mariana/MG, o que levou o STJ a eleger um único juízo para todas as ações, de maneira a evitar decisões conflitantes e possibilitar que a Justiça se realize de maneira mais objetiva, célere e harmônica.
5. A hipótese dos autos apresenta inegáveis peculiaridades que a distinguem dos casos anteriormente enfrentados pelo STJ, o que impõe adoção de solução mais consentânea com a imprescindibilidade de se evitar tumulto processual em demanda de tamanha magnitude social, econômica e ambiental. Assim, necessário superar, excepcionalmente, a regra geral contida nos precedentes invocados, nos moldes do que dispõe o art. 489, § 1º, VI, do CPC/2015. De fato a tragédia ocorrida em Brumadinho/MG invoca solução prática diversa, a fim de entregar, da melhor forma possível, a prestação jurisdicional à população atingida. Impõe-se, pois, ao STJ adotar saída pragmática que viabilize resposta do Poder Judiciário aos que sofrem os efeitos da inominável tragédia. DISTINGUISHING: AÇÃO POPULAR ISOLADA E AÇÃO POPULAR EM COMPETIÇÃO COM AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM OBJETO ASSEMELHADO 6. A solução encontrada é de distinguishing à luz de peculiaridades do caso concreto e não de revogação universal do entendimento do STJ sobre a competência para a ação popular, precedentes que devem ser mantidos, já que lastreados em sólidos e atuais fundamentos legais e justificáveis argumentos políticos, éticos e processuais.
9. Assim, a regra geral do STJ não será aplicada aqui, porque deve ser usada quando a Ação Popular for isolada. Contudo, na atual hipótese, tem-se que a Ação Popular estará competindo e concorrendo com várias outras Ações Populares e Ações Civis Públicas, bem como com centenas, talvez milhares, de ações individuais, razão pela qual, em se tratando de competência concorrente, deve ser eleito o foro do local do fato.
AÇÃO POPULAR EM TEMAS AMBIENTAIS 8. Deveras a Lei de Ação Popular (Lei 4.717/1965) não contém regras de definição do foro competente.
À época de sua edição, ainda não vigorava a Lei da Ação Civil Pública (Lei 7.347/1985); portanto se utilizava, até então, o CPC, subsidiariamente. Todavia, com a promulgação da retromencionada Lei 7.347/1985, a aplicação subsidiária do CPC passou a ser reservada àqueles casos para os quais as regras próprias do processo coletivo também não se revelassem suficientes.
9. Nesse contexto, a definição do foro competente para a apreciação da Ação Popular, máxime em temas como o de direito ambiental, reclama a aplicação, por analogia, da regra pertinente contida no artigo 2º da Lei da Ação Civil Pública. Tal medida se mostra consentânea com os princípios do Direito Ambiental, por assegurar a apuração dos fatos pelo órgão judicante que detém maior proximidade com o local do dano e, portanto, revela melhor capacidade de colher as provas de maneira célere e de examiná-las no contexto de sua produção.
10. É verdade que, ao instituir a Ação Popular, o legislador constituinte buscou privilegiar o exercício da fiscalização e da própria democracia pelo cidadão. Disso não decorre, contudo, que as Ações Populares devam ser sempre distribuídas no foro mais conveniente a ele; neste caso, o de seu domicílio. Isso porque, casos haverá, como o destes autos, em que a defesa do interesse coletivo será mais bem realizada no local do ato que, por meio da ação, o cidadão pretenda ver anulado. Nessas hipóteses, a sobreposição do foro do domicílio do autor ao foro onde ocorreu o dano ambiental acarretará prejuízo ao próprio interesse material coletivo tutelado por intermédio desta ação, em benefício do interesse processual individual do cidadão, em manifesta afronta à finalidade mesma da demanda por ele ajuizada.
AUSÊNCIA DE PREJUÍZO PARA O AUTOR DA AÇÃO POPULAR 11. Cumpre destacar que, devido ao processamento eletrônico, as dificuldades decorrentes da redistribuição para local distante do domicílio do autor são significativamente minimizadas, se não totalmente afastadas, em decorrência da possibilidade de acesso integral aos autos por meio do sistema de movimentação processual.
COMPETÊNCIA DO LOCAL DO FATO 12. Na presente hipótese, é mais razoável determinar que o foro competente para julgamento desta Ação Popular seja o do local do fato. Logo, como medida para assegurar a efetividade da prestação jurisdicional e a defesa do meio ambiente, entende-se que a competência para processamento e julgamento do presente feito é da 17ª Vara Federal da Seção Judiciária do Estado de Minas Gerais.
CONCLUSÃO 13. Conflito de Competência conhecido para declarar competente o Juízo suscitante.
Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): CC 164362