INEXISTÊNCIA DE REGISTRO NA ANVISA, COBERTURA INDEVIDA

g968d9f34f99ebdb133ce16e4ed0f10370bec8ba7ecd3bc3ac8663abab12ea553858a5b65aae66cebb28fe46654219a5f_1280-563428.jpg

Trata-se de Agravo de Instrumento , interposto contar decisão proferida pelo juízo da 8ª Vara Cível de Porto Alegre, que indeferiu pedido de antecipação de tutela, para o fornecimento do fármaco LECANEMAB.

Narra a autora ( agravante) “ter sido diagnosticada com Alzheimer em fase inicial, com declínio cognitivo leve, e que, em decorrência do quadro clinico apresentado, o profissional médico prescreveu tratamento utilizando o fármaco LECANEMAB. Disse que desde julho de 2023, a FDA (Foods and Drugs Administration) dos EUA, aprovou para o uso em pessoas com doença de Alzheimer a medicação lecanemabe, considerada como um tratamento modificador, e o primeiro nesta classe”.

Ao analisar o mérito , o relator assim se manifestou:

Estou em negar provimento ao agravo de instrumento.

A agravante postula medida liminar no sentido de compelir a operadora do plano de saúde a cobrir o custeio do medicamento LECANEMAB, indicado para tratamento de enfermidade que lhe acometeu, tendo em vista o diagnóstico de Alzheimer em fase inicial.

Nos termos do art. 300 do Código de Processo Civil, para a concessão da tutela provisória de urgência devem estar presentes dois requisitos cumulativos, a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo:

Art. 300. A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.

 

  • 1º Para a concessão da tutela de urgência, o juiz pode, conforme o caso, exigir caução real ou fidejussória idônea para ressarcir os danos que a outra parte possa vir a sofrer, podendo a caução ser dispensada se a parte economicamente hipossuficiente não puder oferecê-la.

 

  • 2º A tutela de urgência pode ser concedida liminarmente ou após justificação prévia.

 

3º A tutela de urgência de natureza antecipada não será concedida quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão.

 

A tutela de urgência, disciplinada no supracitado dispositivo legal, possibilita a proteção antecipada de direitos cuja demora na apreciação poderia causar prejuízos irreparáveis. Para sua concessão, é imprescindível que se atendam a dois requisitos cumulativos: a probabilidade do direito e o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo. Estes requisitos, longe de serem alternativos, devem coexistir para que a tutela seja concedida, e sua análise deve ser feita à luz da natureza e função da medida de urgência pretendida.

 

Assim é a doutrina de José Miguel Garcia Medina1:

“Interação entre fumus boni iuris e periculum in mora . Os pressupostos para a concessão da liminar de urgência não são examinados separadamente e, depois, somados, como se se estivesse diante de uma operação matemática. Há mútua influência, verdadeira interação entre eles (podem-se aplicar, também aqui, as ideias de bidirecionalidade, circularidade, não somatividade e globalidade a que nos referimos no comentário ao art. 2.º do CPC/2015, ainda que em outro contexto). A proeminência do fumus pode justificar a concessão da liminar, ainda que menos ostensivo o periculum, e vice-versa. Assim, os requisitos não são absolutamente independentes, mas se inter-relacionam.”

O primeiro requisito, a probabilidade do direito, exige mais do que uma simples possibilidade ou plausibilidade do direito invocado; trata-se da necessidade de demonstração de elementos convincentes que apontem para a veracidade do direito alegado. Este juízo de probabilidade é uma cognição sumária, ou seja, uma análise preliminar e superficial que, no entanto, precisa ser suficientemente robusta para convencer o magistrado da provável existência do direito pleiteado.

Sobre a probabilidade do direito, assim lecionam Sérgio Cruz Arenhart e Luiz Guilherme Marinoni2:

 

  1. Probabilidade do direito

 

Mas o perigo de dano não é suficiente quando a tutela final não é provável. Trata-se da probabilidade relacionada à conhecida locução “fumaça do bom direito” ou fumus boni iuris. Para obter a tutela de urgência – cautelar ou antecipada – o autor deve convencer o juiz de que a tutela final provavelmente lhe será concedida. A admissão de uma convicção de probabilidade como suficiente à concessão da tutela urgente decorre do perigo de dano, a impor solução e tutela jurisdicional imediatas. As tutelas antecipada e cautelar são incompatíveis com o aprofundamento do contraditório e da convicção judicial, uma vez que estes demandam porção de tempo que impede a concessão da tutela de modo urgente. Note-se que o juízo de probabilidade é inerente à tutela de urgência. Se a tutela do direito não depende da elucidação de fatos ou se, para tanto, é desnecessária a produção de prova diversa da documental, o juiz – após ouvir o réu –, mais do que poder formar convicção de probabilidade, tem convicção que que lhe permite decidir sobre a própria tutela final. Fala-se que o juiz, ao formar convicção de probabilidade, funda-se em uma cognição sumária, que é uma cognição menos aprofundada em sentido vertical, constituindo uma etapa do caminho do magistrado rumo à cognição exauriente da matéria fática envolvida no litígio. O provimento jurisdicional baseado em cognição exauriente garante a realização plena do princípio do contraditório e, desta forma, aguarda o tempo necessário para que as partes apresentem alegações e produzam provas. Tal provimento não admite a postecipação da discussão do litígio e, por assim dizer, da busca da “verdade e da certeza”. Mas se é indiscutível que a probabilidade é suficiente para a tutela de urgência, é indispensável perceber que a probabilidade se relaciona com os pressupostos da tutela que se pretende obter ao final. Ou seja, tanto para a tutela cautelar quanto para a tutela antecipada é imprescindível ter em consideração os verdadeiros pressupostos da tutela final – dano, inadimplemento, probabilidade de ilícito, ilícito já praticado etc. Embora isso seja óbvio, o certo é que as decisões judiciais costumam apenas afirmar que há probabilidade ou fumus boni iuris – sem invocar quaisquer pressupostos da tutela final. Como é evidente, quando a norma se refere a “elementos que evidenciem a probabilidade do direito”, há de se ter presente a necessidade de tomar em conta as provas, presunções, regras de experiência e argumentos que evidenciam a probabilidade dos pressupostos para a tutela (final) do direito.

O segundo requisito, o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo, é igualmente crucial. Este elemento está relacionado ao risco de que a demora na prestação jurisdicional cause um dano irreparável ou de difícil reparação ao direito do requerente. Assim, o perigo de dano não exige a certeza de que o dano ocorrerá, mas sim a probabilidade de sua ocorrência. Para configurar esse requisito, não basta um mero temor infundado; deve-se demonstrar que, objetivamente, a situação de fato apresenta um risco real de prejuízo significativo e irreparável. Ademais, o dano deve ser grave e irreparável, significando que não pode ser adequadamente remediado por medidas compensatórias, como a indenização pecuniária. No ensinamento de Humberto Theodoro Júnior3:

“Ademais, a parte deverá demonstrar fundado temor de que, enquanto aguarda a tutela definitiva, venham a faltar as circunstâncias de fato favoráveis à própria tutela. E isto pode ocorrer quando haja o risco de perecimento, destruição, desvio, deterioração, ou de qualquer mutação das pessoas, bens ou provas necessários para a perfeita e eficaz atuação do provimento final do processo. O perigo de dano refere-se, portanto, ao interesse processual em obter uma justa composição do litígio, seja em favor de uma ou de outra parte, o que não poderá ser alcançado caso se concretize o dano temido. Ele nasce de dados concretos, seguros, objeto de prova suficiente para autorizar o juízo de grande probabilidade em torno do risco de prejuízo grave. Pretende-se combater os riscos de injustiça ou de dano derivados da espera pela finalização do curso normal do processo. Há que se demonstrar, portanto, o “perigo na demora da prestação da tutela jurisdicional” (NCPC, art. 300). Esse dano corresponde, assim, a uma alteração na situação de fato existente no tempo do estabelecimento da controvérsia – ou seja, do surgimento da lide –, que é ocorrência anterior ao processo. Não impedir sua consumação comprometerá a efetividade da tutela jurisdicional a que faz jus o litigante”.

Portanto, a concessão da tutela provisória de urgência depende de uma análise rigorosa desses dois requisitos, que são cumulativos e devem ser cuidadosamente avaliados. A probabilidade do direito e o perigo de dano, juntos, formam a base necessária para que a tutela seja concedida, garantindo que o direito do requerente seja protegido de maneira eficaz e justa, sem causar prejuízos indevidos à parte contrária. Essa análise deve ser feita com base em uma cognição sumária, que deve ser suficientemente robusta para fundamentar a decisão.

No caso ora examinado, entendo que, pelo menos nessa etapa processual, se mostra frágil o conjunto probatório trazido pela parte agravante, sendo que, em sede de cognição sumária, não se mostra possível assegurar a certeza do seu direito. A questão ainda pende da devida instrução. A cognição sumária, por sua natureza, é limitada e superficial, destinada a avaliar se existem elementos suficientes para conceder, de forma provisória, a tutela de urgência pretendida. Neste caso, a prova apresentada pelo agravante não é robusta o suficiente para configurar o seu direito.

A questão envolve uma análise mais aprofundada, que demanda a produção de provas adicionais, que possam esclarecer as circunstâncias do caso. Até que a instrução seja concluída, não é possível, com base nos elementos atualmente disponíveis, afirmar categoricamente a existência do direito da parte autora. A matéria ainda carece de um exame mais minucioso, o que deverá ser realizado no curso regular do processo, após a completa instrução dos autos.

Embora esteja sensível à situação do agravante, não vislumbro, neste momento, probabilidade de provimento do recurso, o que afasta a possibilidade de concessão do efeito suspensivo ativo.

É incontroverso o fato de o fármaco postulado não possuir registro na ANVISA, sendo, portanto, o pedido de cobertura contrário à tese firmada no julgamento do Tema 990 do STJ nos seguintes termos:

“As operadoras de plano de saúde não estão obrigadas a fornecer medicamento não registrado pela ANVISA.”

Ao fundamentar a negativa o relator apresentou os seguintes precedentes: 53733054320238217000, 52103280720238217000, 50436925120238217000, todos do TJRS.

E finalmente observa o relator “ Para fins de prequestionamento, observo que a solução da lide não passa necessariamente pela restante legislação invocada e não declinada, seja especificamente, seja pelo exame do respectivo conteúdo. Equivale a dizer que se entende estar dando a adequada interpretação à legislação invocada pelas partes. Não se faz necessária a menção explícita de dispositivos, consoante entendimento consagrado no Eg. Superior Tribunal de Justiça, nem o Tribunal é órgão de consulta, que deva elaborar parecer sobre a implicação de cada dispositivo legal que a parte pretende mencionar na solução da lide”.

 

Nº 5199404-97.2024.8.21.7000

 

 

Deixe uma resposta

Iniciar conversa
Precisa de ajuda?
Olá, como posso ajudar