Valores de tutela antecipada devem ser devolvidos, caso julgamento negue direito

Os ministros da Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) consolidaram entendimento de que valores recebidos a título de tutela antecipada devem ser restituídos, caso o julgamento posterior do mérito decida pela improcedência do pedido.

O processo incialmente foi discutido na Quarta Turma do tribunal, e levado à seção devido à discussão sobre a devolução ou não dos valores. O ministro Raul Araújo abriu divergência ao entender que os montantes recebidos na antecipação de tutela são referentes a verbas alimentares, não passíveis, portanto, de devolução.

No caso discutido, um aposentado questionou judicialmente o valor de seu benefício, fruto de contribuição em previdência privada. Inicialmente o pedido de tutela antecipada foi concedido, aumentando a aposentadoria.

Inexistência

Ao analisar a questão, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) julgou pela improcedência do direito, caçando os efeitos da tutela antecipada e determinando a restituição dos valores, limitados a 10% da aposentadoria mensal do beneficiário.

Ao recorrer ao STJ, o aposentado alegou que as verbas recebidas são de natureza alimentar, necessárias para a sua subsistência. Ele defende a impossibilidade de devolução dos valores.

Para o ministro relator do recurso, Luis Felipe Salomão, não há irregularidades no acórdão que determinou a restituição dos valores. Para ele, as verbas pleiteadas eram de caráter complementar à aposentadoria, e não meramente alimentares. Salomão complementa que a restituição é apenas uma consequência lógica da decisão.

“A obrigação de indenizar o dano causado pela execução de tutela antecipada posteriormente revogada é consequência natural da improcedência do pedido, decorrência ex lege da sentença, e por isso independe de pronunciamento judicial, dispensando também, por lógica, pedido da parte interessada”, afirma o ministro.

Para o magistrado, a não devolução dos valores configura um caso de enriquecimento ilícito, já que o complemento não era devido ao aposentado.

O ministro Raul Araújo não votou na seção por ser o presidente do colegiado (vedação imposta pelo Regimento Interno do STJ), mas apresentou os argumentos divergentes aos colegas. No seu entendimento, as verbas recebidas eram de natureza alimentar e não poderiam ser restituídas.

Os demais ministros acompanharam a posição do relator, pela legitimidade da restituição dos valores. O ministro João Otávio de Noronha disse que é necessário fazer uma ampla análise a respeito da natureza da verba alimentar.

Para ele, no caso discutido, não se trata de verba alimentar. Noronha entende que não é possível afirmar que o valor integral da aposentadoria seria uma verba de caráter alimentar, visto que apenas uma parte é considerada necessária para a subsistência.

O recurso ficou assim ementado:

PROCESSUAL CIVIL E PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR. RECURSO ESPECIAL. APRECIAÇÃO DE MATÉRIA CONSTITUCIONAL, EM SEDE DE RECURSO ESPECIAL. INVIABILIDADE. JULGAMENTO AFETADO À  SEGUNDA SEÇÃO PARA PACIFICAÇÃO DE MATÉRIA NO ÂMBITO DO STJ. ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA. REPARAÇÃO DE DANO, DECORRENTE DE MEDIDA DEFERIDA NOS AUTOS. POSSIBILIDADE. RESPONSABILIDADE PROCESSUAL OBJETIVA. RECONHECIMENTO POSTERIOR DA INEXISTÊNCIA DO DIREITO. OBRIGAÇÃO DE REPARAR O DANO PROCESSUAL. DECORRE DA LEI, NÃO DEPENDENDO DE PRÉVIOS RECONHECIMENTO JUDICIAL E⁄OU PEDIDO DO LESADO. POSSIBILIDADE DE DESCONTO, COM ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA, DO PERCENTUAL DE 10% DO MONTANTE DO BENEFÍCIO SUPLEMENTAR, ATÉ QUE OCORRA A COMPENSAÇÃO DO DANO. UTILIZAÇÃO DE ANALOGIA. LEI N. 8.112⁄1990.

1. Os danos causados a partir da execução de tutela antecipada (assim também a tutela cautelar e a execução provisória) são disciplinados pelo sistema processual vigente à revelia da indagação acerca da culpa da parte, ou se esta agiu de má-fé ou não. Com efeito, à luz da legislação, cuida-se de responsabilidade processual objetiva,   bastando a existência do dano decorrente da pretensão deduzida em juízo para que sejam aplicados os arts. 273, § 3º, 475-O, incisos I e II, e  811 do CPC⁄1973 (correspondentes aos arts. 297, parágrafo único, 520, I e II, e 302 do novo CPC).

2. Em linha de princípio, a obrigação de indenizar o dano causado pela execução de tutela antecipada posteriormente revogada é consequência natural da improcedência do pedido, decorrência ex lege da sentença, e, por isso, independe de pronunciamento judicial, dispensando também, por lógica, pedido da parte interessada. A sentença de improcedência, quando revoga tutela antecipadamente concedida, constitui, como efeito secundário, título de certeza da obrigação de o autor indenizar o réu pelos danos eventualmente experimentados, cujo valor exato será posteriormente apurado em liquidação nos próprios autos.

3. É possível reconhecer à entidade previdenciária, cujo plano de benefícios que administra suportou as consequências materiais da antecipação de tutela (prejuízos), a possibilidade de desconto no percentual de 10% do montante total do benefício mensalmente recebido pelo assistido, até que ocorra a integral compensação da verba percebida. A par de ser solução equitativa, a evitar o enriquecimento sem causa, cuida-se também de aplicação de analogia, em vista do disposto no art. 46, § 1º, da Lei n. 8.112⁄1990 – aplicável aos servidores públicos.

4. Ademais, por um lado, os valores recebidos precariamente são legítimos enquanto vigorar o título judicial antecipatório, o que caracteriza a boa-fé subjetiva do autor; entretanto, isso não enseja a presunção de que tais verbas, ainda que alimentares, integram o seu patrimônio em definitivo. Por outro lado, as verbas de natureza alimentar do Direito de Família são irrepetíveis, porquanto regidas pelo binômio necessidade-possibilidade, ao contrário das verbas oriundas da suplementação de aposentadoria. (REsp 1555853⁄RS, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 10⁄11⁄2015, DJe 16⁄11⁄2015)

5. Recurso especial não provido.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1548749

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