Valor pago a título de arras, mesmo superior a 50% do negócio, pode ser retido integralmente

A quantia dada como garantia de negócio (sinal ou arras) pode ser retida integralmente em razão de inadimplência contratual, mesmo nos casos em que seja superior a 50% do valor total do contrato.

Com esse entendimento, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) que permitiu a retenção de R$ 48 mil pagos como sinal na negociação de um imóvel que, na ocasião, seria comprado por R$ 90 mil.

A ministra relatora do recurso no STJ, Nancy Andrighi, destacou que o contrato de compra e venda foi rescindido devido a inadimplência dos compradores, motivo que respalda a decisão de reter integralmente o valor pago em arras, de acordo com as regras do Código Civil.

O recorrente buscou limitar o valor a ser retido, alegando que o valor superior a 50% do imóvel era exorbitante e seria fonte de enriquecimento sem causa do vendedor.

Nancy Andrighi lembrou que não houve, no caso, exercício do direito de arrependimento, mas inadimplência contratual, situação prevista na legislação e que justifica a retenção integral dos valores.

“Do regramento constante dos artigos 417 a 420 do Código Civil, verifica-se que a função indenizatória das arras se faz presente não apenas quando há o lícito arrependimento do negócio, mas principalmente quando ocorre a inexecução do contrato”, ressaltou a ministra.

Valores razoáveis

Nancy Andrighi afirmou ser possível a redução equitativa dos valores pagos em arras, já que é uma forma de restabelecer o equilíbrio contratual. Entretanto, no caso analisado, não há como limitar a retenção dos valores pagos, já que os vendedores sofreram embaraços com o descumprimento do contrato.

“Observa-se que a perda integral do valor do sinal pelos promitentes cessionários não se mostra desarrazoada, haja vista os prejuízos sofridos pelos promitentes cedentes, que foram privados da posse e usufruto do imóvel desde outubro de 2009, sem qualquer contrapartida”, afirmou a relatora.

Na hipótese de inadimplência, segundo a ministra, as arras funcionam como cláusula penal compensatória, indenizando a parte não culpada pela inexecução do contrato. Na visão dos ministros que compõem a Terceira Turma, não há exagero no valor retido, tendo em vista as particularidades do caso, como a necessidade de reintegração de posse decorrente da quebra de contrato, o que demonstra a indisponibilidade do bem por período significativo.

O recurso ficou assim ementado:

DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE RESOLUÇÃO DE PROMESSA DE CESSÃO DE DIREITOS AQUISITIVOS SOBRE IMÓVEL, C⁄C PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR PERDAS E DANOS E REINTEGRAÇÃO DE POSSE. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. ARRAS. FUNÇÃO INDENIZATÓRIA NA HIPÓTESE DE INADIMPLEMENTO. ART. 418 DO CC⁄02. REDUÇÃO EQUITATIVA. POSSIBILIDADE, EM TESE. MANIFESTA DESPROPORÇÃO NÃO VERIFICADA NOS AUTOS. REINTEGRAÇÃO DE POSSE. CONSEQUÊNCIA NATURAL DA RESOLUÇÃO DO CONTRATO. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. ANÁLISE PREJUDICADA.
1. Ação ajuizada em 13⁄12⁄2011. Recurso especial interposto em 30⁄03⁄2016 e distribuído em 21⁄11⁄2016.
2. Inexistentes os vícios de omissão, contradição, obscuridade ou erro material no acórdão recorrido, não se caracteriza a violação do art. 1.022 do CPC⁄2015.
3. As arras constituem a quantia ou bem móvel entregue por um dos contratantes ao outro, por ocasião da celebração do contrato, como sinal de garantia do negócio. Apresentam natureza real e têm por finalidades: a) firmar a presunção de acordo final, tornando obrigatório o ajuste (caráter confirmatório); b) servir de princípio de pagamento (se forem do mesmo gênero da obrigação principal); c) prefixar o montante das perdas e danos devidos pelo descumprimento do contrato ou pelo exercício do direito de arrependimento, se expressamente estipulado pelas partes (caráter indenizatório).
4. Do regramento constante dos arts. 417 a 420 do CC⁄02, verifica-se que a função indenizatória das arras se faz presente não apenas quando há o lícito arrependimento do negócio, mas principalmente quando ocorre a inexecução do contrato.
5. De acordo com o art. 418 do CC⁄02, mesmo que as arras tenham sido entregues com vistas a reforçar o vínculo contratual, tornando-o irretratável, elas atuarão como indenização prefixada em favor da parte “inocente” pelo inadimplemento, a qual poderá reter a quantia ou bem, se os tiver recebido, ou, se for quem os deu, poderá exigir a respectiva devolução, mais o equivalente.
6. Uma vez pactuadas as arras, segundo a autonomia negocial das partes, o efeito indenizatório decorrente do inadimplemento se opera ipso facto, ou seja, independentemente de previsão contratual que estipule a perda das arras se houver descumprimento do ajuste.
7. Na hipótese dos autos, embora as arras tenham sido taxadas de “penitenciais”, não houve o exercício do direito de arrependimento, mas sim o inadimplemento por parte dos promitentes cessionários. Logo, estão estes sujeitos à perda do sinal, na forma do art. 418 do CC⁄02.
8. É admissível a redução equitativa das arras quando manifestamente excessivas, mediante a aplicação analógica do art. 413 do Código Civil. No particular, contudo, o valor das arras passível de retenção (R$ 48.000,00) não se mostra desarrazoado, tendo em vista os prejuízos sofridos pelos promitentes cedentes, que foram privados da posse e usufruto do imóvel por quase 8 anos.
9. A resolução do contrato exige que se promova o retorno das partes ao status quo ante, com a devolução das parcelas pagas pelos promitentes cessionários – excluídas as arras – e, por outro lado, com a reintegração dos promitentes cedentes na posse do imóvel.
10. Em virtude do exame do mérito, por meio do qual foram afastadas as teses sustentadas pelos recorrentes, fica prejudicada a análise da divergência jurisprudencial.
11. Recurso especial conhecido e não provido.

Leia o acórdão.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1669002

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