Turma afasta hipossuficiência e confirma validade de eleição de foro pactuada em contrato de representação de seguro

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reformou acórdão do Tribunal de Justiça do Pará (TJPA) e confirmou a validade da eleição de foro pactuada em um contrato de representação de seguro.

O tribunal estadual, por reconhecer situação de hipossuficiência das empresas autoras da ação, havia rejeitado exceção de incompetência apresentada pela seguradora, a qual pretendia fazer valer a cláusula que elegeu a comarca de Brasília para a solução de litígios relacionados ao contrato de representação.

Para o STJ, a simples diferença de porte das empresas não é suficiente para afastar a cláusula de foro; além disso, o contrato de representação de seguro não é regido pela Lei 4.886/1965 (Lei do Representante Comercial), que prevê, em seu artigo 39, o domicílio do representante como o local competente para a análise de controvérsias sobre o contrato de representação.

O recurso teve origem em ação cautelar ajuizada por duas empresas para suspender os efeitos do contrato de representação firmado com a seguradora. A ação foi proposta em Marabá (PA), mas a seguradora ofereceu exceção de incompetência em que apontou a existência de cláusula contratual de eleição de foro em favor da capital federal.

A exceção de incompetência foi negada em primeiro grau – decisão mantida pelo TJPA. No acórdão, o tribunal considerou que, enquanto a seguradora tem grande porte e possui negócios no Brasil e no exterior, as empresas representantes desenvolviam suas atividades apenas no Pará e passavam por dificuldade financeiras.

Representação de seguro é espécie de contrato de agência

A relatora do recurso, ministra Nancy Andrighi, explicou que o contrato de representação de seguro é uma espécie de contrato de agência por meio do qual o agente, em sua região, assume a obrigação de promover a realização de contratos em nome de determinada empresa – no caso, a seguradora –, repassando-lhe as propostas que obtiver.

Para a magistrada, não se pode confundir o contrato de representação de seguro, que tem regulamentação própria, com o contrato de representação comercial regulado pela Lei 4.886/1965.

“Desse modo, não se aplica, nem por analogia, aos contratos de representação de seguro a disposição prevista no artigo 39 da Lei 4.886/1965, segundo a qual, para julgamento das controvérsias que surgirem entre representante e representado, são competentes a Justiça comum e o foro do domicílio do representante”, afirmou a ministra.

Ainda que essa regra incidisse no caso, Nancy Andrighi apontou que o dispositivo define hipótese de competência relativa – que pode, portanto, ser afastada pela vontade das partes, por meio de cláusula de eleição de foro.

Mera desigualdade econômica não caracteriza hipossuficiência

Em seu voto, a relatora citou precedentes do STJ no sentido de que, para o reconhecimento da nulidade da cláusula de eleição de foro, é essencial a constatação de especial dificuldade de acesso à Justiça ou hipossuficiência da parte, o que não pode ser aferido a partir da mera desigualdade econômica entre os contratantes.

“Tratando-se de contrato de representação de seguro – e não de representação comercial – e não restando caracterizada a hipossuficiência de qualquer das partes, é imperioso concluir que é válida e eficaz a cláusula de eleição de foro livremente pactuada”, concluiu a ministra.

O recurso ficou assim ementado:

RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. NATUREZA DO CONTRATO. REPRESENTAÇÃO DE CONTRATO DE SEGURO. COMPETÊNCIA. CLÁUSULA DE ELEIÇÃO DE FORO. VALIDADE E EFICÁCIA. INAPLICABILIDADE DO ART. 39 DA LEI N. 4.886⁄65. HIPOSSUFICIÊNCIA. AUSÊNCIA.
1- Recurso especial interposto em 29⁄11⁄2019 e concluso ao gabinete em 21⁄10⁄2020.
2- O propósito recursal consiste em dizer se é válida e eficaz cláusula de eleição de foro pactuada no âmbito de contrato de representação de seguro, ainda que estipule como competente foro diverso daquele previsto no art. 39 Lei n. 4.886⁄65.
3- Na hipótese em exame é de ser afastada a existência de omissões no acórdão recorrido, à consideração de que as matérias impugnadas foram enfrentadas de forma objetiva e fundamentada no julgamento do recurso, naquilo que o Tribunal a quo entendeu pertinente à solução da controvérsia.
4- Não há que se confundir o contrato de representação de seguro, que é espécie de contrato de agência, com o contrato de representação comercial regulado pela Lei n. 4.886⁄65, de modo que não se aplica, nem por analogia, àquele o disposto no art. 39 da referida lei.
5- Ainda que incidisse, na espécie, o art. 39 da Lei n. 4.886⁄65, deve-se ter presente que o mencionado dispositivo legal define hipótese de competência relativa, que pode, portanto, ser afastada pela vontade das partes por meio de cláusula de eleição de foro, como na hipótese dos autos.
6- Na espécie, a cláusula de eleição de foro somente poderia ser afastada se constatada a hipossuficiência de um dos figurantes do negócio entabulado, condição peculiar que diz respeito “à assimetria econômica e jurídica entre as partes contratantes, dificultando até mesmo a compreensão das condições naturais e jurídicas envolvidas na relação” (REsp 1761045⁄DF, TERCEIRA TURMA, julgado em 05⁄11⁄2019, DJe 11⁄11⁄2019).
7- Na hipótese dos autos, o Tribunal estadual afastou os efeitos da cláusula de eleição de foro pactuada em virtude de suposta hipossuficiência das recorridas. Tal conclusão fundou-se na diferença de porte econômico entre as sociedades empresárias, o que não é suficiente para caracterizar hipossuficiência apta a afastar a eficácia da mencionada cláusula contratual.
8-Tratando-se de contrato de representação de seguro e não restando caracterizada a hipossuficiência de qualquer das partes, é imperioso concluir que é válida e eficaz a cláusula de eleição de foro livremente pactuada.
9- Recurso especial provido.

Leia o acórdão no REsp 1.897.114. ​

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1897114

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