TRF1 decide que recusa de matrícula de pessoa com deficiência comprovada por meio diverso do exigido em edital constitui barreira ao direito à educação

A 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) reformou a sentença que negou provimento ao pedido de matrícula de aluna com deficiência visual que, aprovada em vaga para o curso de geografia da Universidade Federal do Piauí (UFPI), não logrou encaminhar o “Formulário Caracterizador de Deficiência Para Concorrência em Cota Para Pessoa Com Deficiência” previsto no edital.

O juízo sentenciante entendeu que a falta de envio do referido formulário descaracterizou a alegação da autora de que ao se deslocar até o polo da UFPI em Bom Jesus/PI, estava munida de toda a documentação necessária para efetivação de sua matrícula.

Sustentou a apelante que se apresentou ao local com os laudos médicos comprovando sua deficiência visual e afirmou que, por erro no sítio eletrônico da UFPI, não conseguiu enviar o formulário e a matrícula foi indeferida. Afirmou fazer jus a indenização por dano moral e pediu antecipação da tutela recursal (que é quando o juiz antecipa os efeitos da sentença ou acórdão) para poder começar a estudar imediatamente, uma vez que já se passou um ano desde a negativa da matrícula.

Ao analisar o processo, a relatora, desembargadora federal Daniele Maranhão Costa, frisou que a exigência de prévio encaminhamento pela internet de formulário específico reiterando uma condição demonstrável por outros meios idôneos, e a recusa da matrícula por entrave burocrático da Administração, constituem barreiras que impedem a participação social da autora e o exercício seu direito à educação, nos termos da Lei 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência).

Destacou a magistrada que a apelante continua sem estudar há mais de 1 ano da negativa de matrícula, fato que traduz inegável ofensa ao direito constitucional à educação do art. 205 da Constituição Federal de 1988 (CF/1988) a caracterizar o dano moral, indenizável no montante de R$ 5.000,00.

Concluindo, a relatora votou pelo deferimento da tutela recursal para determinar a matrícula da autora no curso e localidade em que foi aprovada, até decisão final, e pela inversão dos honorários de sucumbência do advogado da apelante.

O recurso ficou assim ementado:

ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE RITO ORDINÁRIO. ENSINO SUPERIOR. PESSOA COM DEFICIÊNCIA. MATRÍCULA. RECUSA. AUSÊNCIA DE PRÉVIO ENVIO PELA INTERNET DE FORMULÁRIO CARACTERIZADOR DA DEFICIÊNCIA. CONDIÇÃO DEMONSTRADA POR OUTRO DOCUMENTO IDÔNEO. DIREITO À EDUCAÇÃO. ENTRAVE BUROCRÁTICO. BARREIRA LIMITADORA À PLENA PARTICIPAÇÃO SOCIAL. ART. 3º, IV, DA LEI 13.146/2015. DANOS MORAIS. OCORRÊNCIA.  SENTENÇA REFORMADA.   ANTECIPAÇÃO DA TUTELA CONCEDIDA.

1. Nos termos do art. 1º da Lei 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), a norma se destina a “assegurar e a promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com deficiência, visando à sua inclusão social e cidadania.” Nesse contexto, o art. 3º, IV, classifica como barreiras  “qualquer entrave, obstáculo, atitude ou comportamento que limite ou impeça a participação social da pessoa, bem como o gozo, a fruição e o exercício de seus direitos à acessibilidade, à liberdade de movimento e de expressão, à comunicação, ao acesso à informação, à compreensão, à circulação com segurança, entre outros”.

2. Hipótese em que a autora, aprovada em processo seletivo para o curso de Licenciatura em Geografia da Universidade Federal do Piauí, em vaga destinada a pessoas com deficiência, na Cidade de Corrente/PI, dirigiu-se à cidade de Bom Jesus/PI, no segundo e último dia designado para a matrícula (12.03.2020), conforme o edital. No entanto, teve sua inscrição recusada por não ter enviado o “Formulário Caracterizador de Deficiência Para Concorrência em Cota Para Pessoa Com Deficiência”, que somente seria aceito  na plataforma digital da instituição.

3.  Considerando que a autora é pessoa  cega, que depende de auxílio de terceiros para se locomover, e que por ocasião da matrícula realizada em cidade distinta da qual reside,  portava laudo médico datado de 20.02.2020 comprovando sua deficiência visual, a exigência de prévio encaminhamento pela internet de formulário específico reiterando uma condição demonstrável  por outro meios idôneos, constitui barreira ao seu direito à educação a recusa da matrícula por entrave burocrático da Administração.

4. Em relação aos danos morais, para a sua configuração o fato deve gerar transtornos em dimensão que ultrapasse o mero aborrecimento ou dissabor. E  a indenização, por sua vez,  não deve ser inexpressiva nem proporcionar o enriquecimento sem causa do ofendido, de maneira que na fixação do seu valor deve-se levar em conta o tipo de dano, o grau de culpa com que agiu o ofensor e a situação econômica e social das partes envolvidas.

5. Dessa forma, consideradas as circunstâncias do caso concreto, afigura-se devida tal reparação, dado o comprometimento da esfera moral da autora, consistente na frustração do impedimento de seu ingresso no ensino superior, fundado em entraves burocráticos e barreiras sociais limitadoras do pleno gozo do seu direito à educação e à cidadania.  Tudo sopesado, mesmo que o ato lesivo decorra de regras do edital, é razoável o arbitramento da indenização no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais)

6. Apelação a que se dá provimento, para, reformando a sentença, assegurar a matrícula da autora na Universidade Federal Do Piauí (UFPI), no curso e na localidade para a qual foi aprovada em processo seletivo, e condenar a apelada ao pagamento de indenização por danos morais, nos termos do item 5.

7. Antecipação de tutela recursal concedida para determinar, sem prejuízo da apresentação dos documentos que comprovam os requisitos legais para o ingresso no ensino superior e sua condição de pessoa com deficiência, a matrícula da apelante, independente de eventualmente já ter expirado o prazo de matrícula ou da existência atual de vagas, até decisão final.

8. Invertidos os ônus de sucumbência, fixam-se os honorários advocatícios, por apreciação equitativa, em R$ 3.000,00 (três mil reais), nos termos do art. 85, §8º, c/c §2º, I a IV, do CPC, já considerado o trabalho adicional realizado pelo patrono da causa em grau recursal.

Por unanimidade, o colegiado deu provimento à apelação e concedeu antecipação da tutela recursal, nos termos do voto da relatora.

Processo 1002767-41.2020.4.01.4005

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