Trâmite de ação penal com impacto na esfera cível suspende prazo prescricional de pedido de indenização

Nas hipóteses de investigação ou processo criminal com impacto em demandas cíveis, há a suspensão do prazo prescricional para a propositura de processos na esfera cível, como ações de indenização. Nesses casos, o lesado pode optar por ingressar com o processo cível de forma antecipada, conforme prevê o artigo 935 do Código Civil de 2002, ou aguardar a solução da questão criminal para propor o pedido de ressarcimento, nos termos do artigo 200 do CC/2002.

Com base nesse entendimento, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve acórdão do Tribunal de Justiça de Sergipe (TJSE) que determinou o prosseguimento de ação de indenização por danos morais apresentada após arquivamento de inquérito penal sobre acidente automobilístico em São Cristóvão (SE). A decisão foi unânime.

“Em se tratando de responsabilidade civil ex delicto, o exercício do direito subjetivo da vítima à reparação dos danos sofridos somente se torna viável em toda plenitude quando não pairam mais dúvidas acerca do contexto em que foi praticado o ato ilícito, sobretudo no que diz respeito à definição cabal da autoria, que, de praxe, é objeto de apuração concomitante no âmbito criminal”, apontou o relator do recurso, ministro Villas Bôas Cueva.

Impacto cível

A ação de indenização foi ajuizada pelo filho de uma das vítimas fatais de acidente de trânsito causado, segundo o autor, por caminhão de transportadora que colidiu com o ônibus do qual sua mãe era passageira. O acidente ocorreu em 2002, e a ação foi proposta em 2006.

Acolhendo pedido da transportadora, o magistrado de primeira instância extinguiu o processo, sem resolução de mérito, por considerar prescrito o prazo de três anos para propositura da ação.

O TJSE afastou a prescrição sob o fundamento de que, conforme prevê o artigo 200 do Código Civil, houve a apuração de fatos relativos ao acidente na esfera criminal e, como o inquérito poderia ter impacto na esfera cível, o prazo prescricional ficou suspenso até 2003, quando foi determinado o arquivamento da investigação.

No recurso especial dirigido ao STJ, a transportadora alegou a impossibilidade de aplicação do artigo 200 do CC/2002 ao caso, pois não haveria vinculação entre o objeto de apuração no âmbito criminal e a pretensão de reparação dos danos morais.

Independência relativa

O ministro Villas Bôas Cueva ressaltou inicialmente que o acidente que vitimou a mãe do autor ocorreu poucos meses antes da entrada em vigor do Código Civil de 2002. Por isso, conforme regra de transição estabelecida no artigo 2.028 do código, o pedido indenizatório estava submetido ao prazo prescricional de três anos do CC/2002.

Conforme esclarece o voto, a incidência do regime do CC/2002 inclui a quantificação numérica do lapso prescricional em dias, meses ou anos, bem como sua forma de contagem, seu termo inicial ou suas causas suspensivas e interruptivas.

O relator explicou que o ordenamento jurídico brasileiro estabelece a independência entre as instâncias cível e criminal, conforme preveem o artigo 935 do Código Civil e o artigo 67 do Código de Processo Penal. Essa independência, contudo, é relativa, havendo repercussão daquilo que é comum às duas jurisdições, especialmente em relação à análise da materialidade e da autoria.

Reduzindo prejuízos

Como fruto desse princípio, acrescentou o ministro, a suspensão do transcurso do prazo de prescrição prevista pelo artigo 200 do Código Civil visa resguardar o direito das vítimas à reparação de danos decorrentes de ilícitos que são, concomitantemente, cíveis e criminais. O objetivo, observou o relator, é diminuir os prejuízos advindos da pendência de investigação a cargo da Justiça criminal, que costuma ser morosa.

De acordo com o relator, ao contrário do que alegou a transportadora, o fato de algumas vítimas terem optado por ajuizar a ação de indenização antes do término da investigação criminal não afasta o direito de que os demais lesados aguardem o desfecho do inquérito para propor os processos de ressarcimento.

Assim, recordou que, nos termos da jurisprudência do STJ, o artigo 200 do CC/2002 somente é afastado quando, nas instâncias ordinárias, ficou consignada a inexistência de relação de prejudicialidade entre as searas cível e criminal ou quando não houve a instauração de inquérito policial ou de ação penal.

O recurso ficou assim ementado:

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. ACIDENTE AUTOMOBILÍSTICO. PRESCRIÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. INSTAURAÇÃO DE INQUÉRITO PENAL. ART. 200 DO CC⁄2002. INCIDÊNCIA. PRAZOS PRESCRICIONAIS DO CC⁄2002. ART. 2.028 DO CC⁄2002. VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO TEMPUS REGIT ACTUM. INEXISTÊNCIA. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. NÃO CONFIGURAÇÃO. AUSÊNCIA DE SIMILITUDE FÁTICA.
1. Nos termos da jurisprudência desta Corte, o art. 200 do CC⁄2002 somente é afastado quando, nas instâncias ordinárias, ficou consignada a inexistência de relação de prejudicialidade entre as searas cível e criminal ou quando não houve a instauração de inquérito policial ou de ação penal.
2. Em se tratando de responsabilidade civil ex delicto, o exercício do direito subjetivo da vítima à reparação dos danos sofridos somente se torna plenamente viável quando não pairam dúvidas acerca do contexto em que foi praticado o ato ilícito, sobretudo no que diz respeito à definição cabal da autoria, que é objeto de apuração concomitante no âmbito criminal.
3. Desde que haja a efetiva instauração do inquérito penal ou da ação penal, o lesado pode optar por ajuizar a ação reparatória cível antecipadamente, ante o princípio da independência das instâncias (art. 935 do CC⁄2002), ou por aguardar a resolução da questão no âmbito criminal, hipótese em que o início do prazo prescricional é postergado, nos termos do art. 200 do CC⁄2002.
4. A incidência do prazo prescricional previsto no CC⁄2002, por força da interpretação sistemática do seu art. 2.028, significa a aplicação do regime do diploma corrente, o que inclui a quantificação numérica do lapso prescricional em dias, meses ou anos, bem como sua forma de contagem, seu termo inicial ou suas causas suspensivas e interruptivas.
5. Inexiste violação de ato jurídico perfeito ou do princípio “tempus regit actum” em decorrência da aplicação da lei nova, haja vista que a incidência do art. 200 do CC⁄2002 posterga o próprio início do prazo prescricional e, antes que este tenha decorrido por inteiro, o prescribente possui mera expectativa de direito à prescrição, não direito adquirido.
6. A  divergência  jurisprudencial  com fundamento na alínea “c” do permissivo constitucional, nos termos do Código de Processo Civil de 1973  e  do  Regimento  Interno  desta  Corte,  exige  comprovação e demonstração  da  similitude  fática entre os casos apontados, o que não ocorreu na hipótese.
7. Rever as conclusões do acórdão recorrido acerca da existência de relação de prejudicialidade concreta entre o inquérito penal arquivado na origem e o exercício da pretensão reparatória do autor demandaria o exame de matéria fático-probatória que sequer consta dos autos, o que é vedado em recurso especial, nos termos da Súmula nº 7 do Superior Tribunal de Justiça.
8. Recurso especial não provido.
Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1631870

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