A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) acolheu recurso da Nestlé S/A e, por unanimidade, julgou improcedente pedido da empresa Sorvetes Colorê de Campinas Ltda. – titular da marca Colorê – para a anulação da marca Yopa Colores, de propriedade da Nestlé.
Para o colegiado, além de as expressões Colores e Colorê terem, isoladamente, perceptíveis diferenças fonéticas, o elemento nominativo Colores não desempenha função dominante no conjunto da marca da Nestlé – fatos que, segundo a turma, afastam o perigo de confusão ao consumidor e permitem que as marcas coexistam no mesmo mercado.
O pedido de anulação da marca Yopa Colores havia sido julgado procedente em primeira instância, com sentença mantida pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2). De acordo com o tribunal, as empresas atuam no mesmo ramo de produção de sorvetes, e o registro da marca Colorê foi concedido antes pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial.
Ainda segundo o TRF2, a mera acentuação do verbete na marca Colorê e o acréscimo de “s” na marca Yopa Colores não seriam suficientes para garantir uma distinção entre os dois nomes, o que poderia levar o consumidor a confusão na escolha dos produtos.
Marca originada de canção infantil
A ministra Nancy Andrighi destacou que, para que seja caracterizada a violação de uma marca, é necessário que o uso dos sinais distintivos impugnados na ação possa causar confusão no público consumidor ou associação indevida, em prejuízo ao titular da marca supostamente infringida.
Além disso, a relatora citou precedentes do STJ no sentido de que, caso seja constatado que se trata de “marca fraca” (ou seja, com baixo grau de distintividade), seu titular pode ter que suportar o ônus da coexistência, pois optou por desfrutar da facilidade decorrente da incorporação a elementos nominativos de uso generalizado ou relacionado ao próprio produto ou serviço.
No caso dos autos, Nancy Andrighi lembrou que a expressão Colorê, registrada pela autora da ação de nulidade, possui baixo grau distintivo, pois, além de não ter sido criada pela empresa, corresponde à conhecida canção popular infantil, gravada em várias músicas, sobretudo nos anos 1980 e 90 (“uni-duni-tê, salamê minguê, sorvete colorê“).
“Sobreleva destacar que a solução da controvérsia não pode se restringir à análise isolada das expressões Colores e Colorê, pois, se assim fosse, estar-se-ia relegando a um segundo plano o importante fato de que, se o primeiro signo é apenas um dos elementos da marca nominativa da recorrente (Yopa Colores), o segundo constitui o único elemento nominativo de uma marca mista – que congrega, portanto, também elementos figurativos com forte poder distintivo”, concluiu a ministra ao reformar o acórdão do TRF2 e julgar improcedente a ação de nulidade.
O recurso ficou assim ementado:
RECURSO ESPECIAL. PROPRIEDADE INDUSTRIAL. AÇÃO DE NULIDADE DE REGISTRO DE MARCA E DE ABSTENÇÃO DE USO. COLORÊ ⁄ YOPA COLORES. ANÁLISE DO CONJUNTO MARCÁRIO. TODO INDIVISÍVEL. POSSIBILIDADE DE CONVIVÊNCIA. AUSÊNCIA DE RISCO DE CONFUSÃO OU ASSOCIAÇÃO INDEVIDA. DIFERENÇA FONÉTICA. FAMÍLIA DE MARCAS. FUNÇÃO SECUNDÁRIA DA EXPRESSÃO COLORES. MARCA MISTA X MARCA NOMINATIVA. DISTINGUIBILIDADE SUFICIENTE. NULIDADE DO ACÓRDÃO. PREJUDICIALIDADE. PRIMAZIA DO JULGAMENTO DO MÉRITO.1. Ação ajuizada em 5⁄5⁄2017. Recurso especial interposto em 26⁄6⁄2019. Autos conclusos à Relatora em 29⁄10⁄2020.2. O propósito recursal, além de analisar eventual negativa de prestação jurisdicional, é verificar a higidez do ato administrativo que concedeu a marca YOPA COLORES à recorrente.3. Prejudicialidade da alegação de negativa de prestação jurisdicional, tendo em vista o princípio da primazia da decisão de mérito.4. Para que fique configurada a violação de marca, é necessário que o uso dos sinais distintivos impugnados possa causar confusão no público consumidor ou associação errônea, em prejuízo ao titular da(s) marca(s) supostamente infringida(s). Precedentes.5. Nos termos da jurisprudência desta Corte, marcas dotadas de baixo poder distintivo, formadas por elementos de uso comum, evocativos, descritivos ou sugestivos, podem ter de suportar o ônus de coexistir com outras semelhantes.6. A expressão COLORÊ, registrada pela recorrida, possui baixo grau distintivo, pois consiste em vocábulo que, além de não ter sido criado por ela, corresponde à conhecidíssima parlenda, consagrada junto ao público, sobretudo infantil, em razão de gravações musicais realizadas desde os anos 80.7. A solução da controvérsia não pode se restringir à análise isolada das expressões COLORES e COLORÊ, pois, se assim fosse, estar-se-ia relegando a um segundo plano o importante fato de que, se o primeiro signo é apenas um dos elementos da marca nominativa da recorrente (YOPA COLORES), o segundo constitui o único elemento nominativo de uma marca mista – que congrega, portanto, também elementos figurativos com forte poder distintivo.8. Não se pode fragmentar a análise da marca a ponto de quebrar sua unidade e a forma pela qual o público consumidor a percebe, sendo de rigor que se proceda a uma análise global do conjunto. Doutrina.9. Além do fato de as expressões isoladas (COLORES x COLORÊ) possuírem perceptível diferença fonética, haja vista a tonicidade específica de cada signo, o elemento nominativo COLORES não desempenha função dominante no conjunto marcário de titularidade da recorrente, haja vista que sua família de marcas possui como elemento principal a expressão YOPA.10. A simples circunstância de os produtos nos quais utilizadas as marcas em exame serem gêneros da mesma natureza não faz presumir, por si só, que o consumidor venha a confundi-los ou considerá-los como de mesma origem. Precedentes.11. Assim, diante do contexto dos autos, e a partir da interpretação conferida à legislação de regência pela jurisprudência desta Corte, impõe-se concluir pela possibilidade de convivência das marcas em confronto.RECURSO ESPECIAL PROVIDO.