O Supremo Tribunal Federal (STF) referendou, em parte, a liminar concedida na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 2831) ajuizada pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), em face da Lei Complementar (LC) fluminense 106/ 03. A liminar suspende a eficácia dos artigos 82, inciso V, alínea “d”; 86, parágrafo único; 91, inciso V; e 186, parágrafo único, da Lei Complementar.
Segundo a AMB, a LC 106 conferiu ao Ministério Público (MP) estadual autonomia financeira, e essa prerrogativa seria exclusiva dos Poderes da República. Argumentou, também, que não haveria isonomia constitucional entre o Poder Judiciário e o Ministério Público, posto que o MP é um órgão integrante do Poder Executivo. Tal fato seria razão determinante da impossibilidade de extensão ao MP das prerrogativas do Judiciário, com exceção das previsões constitucionais nos artigos 129, parágrafo 4º; e 93, incisos II e VI.
Sobre a previsão remuneratória a Associação sustentou a impossibilidade de vinculação dos vencimentos dos membros do MP e dos juízes, pois o artigo 37, inciso XIII, da CF/88 proíbe tal fato. Do mesmo modo, a AMB sustentou que a possibilidade de pagamento de gratificação a juiz eleitoral implicaria em invasão da competência da União, por tratar-se de um dos segmentos dos poderes constitucionais. Alegou, por fim, que o artigo 163 da LC limita o exercício da autonomia administrativa reservada pela Constituição ao Judiciário, em especial no que toca à administração dos prédios em que funcionam seus serviços.
Ao votar, o ministro relator, Maurício Corrêa, reconheceu a legitimidade ativa da AMB, para propor a Ação de Inconstitucionalidade. “Tenho por preenchido o requisito da pertinência temática, uma vez que os textos impugnados promovem equiparação de vencimentos e prerrogativas entre o Ministério Público e a Magistratura”, afirmou Corrêa.
O ministro, ao iniciar o exame do mérito da ADI, analisou individualmente os dispositivos impugnados pela AMB. Corrêa ponderou que o artigo 82 da Lei 106/03 concedeu prerrogativas protocolares e jurídicos aos membros do MP iguais às da magistratura.
O relator entendeu que a impugnação desses dispositivos teria como pressuposto as prerrogativas da magistratura extensíveis aos membros do MP, sendo permitidas apenas as fixadas na Constituição Federal. Para Corrêa novas concessões violam o princípio da igualdade, especialmente em face da distinção entre as carreiras.
O ministro lembrou que a União, no exercício de sua competência, editou a Lei 8625/93, que estabeleceu as normas gerais para a organização do Ministério Público dos Estados. Tal legislação contém disposições semelhantes às da Lei fluminense (artigo 41, incisos I, VI, “a”, e XI).
O ministro entendeu haver reprodução literal da norma federal, não remanescendo dúvidas de que no caso dos incisos I e X, a essência foi mantida. Ponderou que é competência do estado disciplinar o estatuto do MP local, sendo permitido o estabelecimento de condições de igualdade de tratamento entre os membros das carreiras, como procedeu a lei federal na fixação de normas gerais, não ocorrendo afronta ao princípio constitucional da isonomia.
Sobre a alínea “d” do inciso V, do artigo 82 o ministro entendeu haver violação à autonomia e independência reconhecidas ao Judiciário, enquanto Poder da República. O livre trânsito dos membros do MP nas salas de sessões de Tribunais, mesmo além dos limites que separam a parte reservada aos juízes, não seria possível.
Segundo Corrêa, poderia haver riscos à autonomia das questões internas do Judiciário e dos próprios magistrados, a exemplo de reuniões administrativas e encontros de classe bem como de outras atividades que não guardam nenhuma coerência com as funções do Ministério Público.
Ao apreciar o artigo 86 da LC 106/03, o ministro ponderou que a questão da equiparação remuneratória entre membros do MP e da Magistratura seria inconstitucional, pois a jurisprudência do Supremo entende não ser correto a vinculação ou equiparação de quaisquer espécies remuneratórias para o efeito de remuneração de pessoal do serviço público, exceto no caso de situações previstas na própria Constituição.
Ao analisar o inciso V, do artigo 91, que versa sobre a gratificação eleitoral dos membros do MP, o ministro Maurício Corrêa entendeu ser inconstitucional. Tal dispositivo impõe ao Tribunal Regional Eleitoral o dever de pagar a gratificação, fixando despesa para órgão do Poder Judiciário Federal, ferindo os princípios de independência e autonomia administrativa e financeira do Poder Judiciário previstas na Constituição.
Por fim, Maurício Corrêa analisou o artigo 163 e seu parágrafo único. Tais dispositivos estabelecem restrições administrativas ao Poder Judiciário em relação aos imóveis em que instalados seus respectivos órgãos.
Segundo o ministro esse dispositivo invade a competência reservada ao Judiciário de administrar e dispor de seus próprios, com violação à autonomia administrativa prevista no artigo 99 da CF/88. “Sem embargo dos imóveis pertencerem ao Estado, enquanto destinados ao funcionamento dos órgãos do Judiciário estão sob administração deste, vedada a ingerência administrativa do Parquet ou qualquer outro órgão dos demais Poderes”, afirmou o ministro. Por fim o ministro suspendeu a vigência dos artigos 82, inciso V, alínea “d”; 86, parágrafo único; 91, inciso V; e 186, parágrafo único, da Lei Complementar.
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Processo relacionado: ADI 2831
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