Sequestro de bens em âmbito penal prevalece sobre penhora decretada em juízo cível ou trabalhista

A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabeleceu que o sequestro de bem determinado em âmbito penal prevalece em relação à penhora do mesmo bem ordenada em processo não criminal, pois a medida, no primeiro caso, tem o objetivo de assegurar o interesse público.

Com esse entendimento, o colegiado declarou a competência do juízo penal para a prática de atos expropriatórios em relação a um veículo que havia sido apreendido durante a investigação de um caso de corrupção, mas acabou sendo penhorado pela Justiça do Trabalho.

“Considerando a natureza peculiar da medida assecuratória penal de sequestro – verificada a partir do interesse público (aquisição com proventos da infração penal) e do fato de que a expropriação ocorre na seara penal –, deve ser reconhecida a primazia da referida constrição frente àquela decretada por juízo cível ou trabalhista (penhora), sendo indiferente qual constrição foi decretada primeiro”, disse o relator do conflito de competência, ministro Sebastião Reis Júnior.

Medidas constritivas

O ministro explicou que o sequestro é medida voltada para a retenção de bens móveis e imóveis do indiciado ou acusado, ainda que em poder de terceiros, quando adquiridos com proventos de crime, para que não se desfaça deles durante o curso da ação penal. O objetivo é assegurar a indenização da vítima ou impossibilitar que o agente fique com o lucro da atividade criminosa.

Segundo o magistrado, após o trânsito em julgado da ação penal e não havendo pedido de indenização, os proventos do delito são confiscados em favor da Fazenda Pública (artigo 133, parágrafo 1°, do Código de Processo Penal e artigo 91, “b”, do Código Penal) e submetidos a alienação judicial ou transferidos diretamente ao ente público.

A hipoteca legal (artigo 134 do CPP) e o arresto (artigo 136 do CPP), por sua vez, são destinados à constrição de patrimônio lícito do acusado, a fim de que dele não se desfaça, garantindo a reparação do dano causado à vítima, ao final do processo.

Natureza distinta

De acordo com o relator, tais medidas assecuratórias penais têm natureza distinta: enquanto o sequestro ostenta um interesse público – retenção e confisco de bens adquiridos com proventos de infração –, o arresto e a hipoteca se relacionam a interesse privado – constrição do patrimônio lícito para fins de reparação de dano, sendo expropriado no juízo cível (artigo 143 do CPP).

Contudo, o ministro esclareceu que, caso haja a expropriação de bem sequestrado por juízo diverso do penal, como no caso, não deve ser declarada a nulidade do ato, mas sim revertida a quantia levantada na alienação em prol da constrição decretada pelo juízo penal.

O recurso ficou assim ementado:

CONFLITO   POSITIVO   DE   COMPETÊNCIA.   PLURALIDADE   DE CONSTRIÇÕES PATRIMONIAIS (SEQUESTRO PENAL E PENHORA TRABALHISTA). POSSIBILIDADE. CIRCUNSTÂNCIA QUE NÃO ENSEJA CONFLITO.  ANTECIPAÇÃO, POR UM DOS JUÍZES, DA PRÁTICA DE ATO   EXPROPRIATÓRIO.   DISSENSO   VERIFICADO.   POSSÍVEL USURPAÇÃO DE COMPETÊNCIA. BEM OBJETO DE SEQUESTRO NO JUÍZO   PENAL   E   ALIENADO   JUDICIALMENTE   NA   JUSTIÇA TRABALHISTA, APÓS PENHORA. PRIMAZIA DA MEDIDA CONSTRITIVA PENAL (SEQUESTRO) EM DETRIMENTO DA PENHORA EM RECLAMAÇÃO TRABALHISTA.  INTERESSE PÚBLICO EVIDENCIADO (AQUISIÇÃO COM PROVENTOS DA INFRAÇÃO) E INTELIGÊNCIA DO ART. 133 DO CPP (EXPROPRIAÇÃO NA SEARA PENAL). DECLARAÇÃO DE COMPETÊNCIA DO JUÍZO PENAL PARA PRÁTICA DE ATOS EXPROPRIATÓRIOS REFERENTES AOS BENS SEQUESTRADOS, SEM DECLARAÇÃO DE NULIDADE DO ATO PRATICADO PELO JUÍZO TRABALHISTA, MAS COM DETERMINAÇÃO DE REVERSÃO DA QUANTIA OBTIDA COM A ALIENAÇÃO EM PROL DA CONSTRIÇÃO PENAL. LIMINAR CASSADA.

  1. É possível a coexistência de múltiplas constrições patrimoniais sobre um mesmo bem, decretadas por Juízes diversos, sem implicar em usurpação de competência por quaisquer deles, sendo possível cogitar de conflito positivo apenas nas  hipóteses  em  que  verificada  a  antecipação,  por  um algum dos Juízes, da prática de ato expropriatório.

  2. No caso, o Juízo trabalhista alienou judicialmente bem objeto de penhora (reclamação trabalhista) na pendência de medida assecuratória (sequestro) decretada por Juízo penal.

  3. O sequestro ostenta natureza distinta das outras medidas assecuratórias penais (arresto e hipoteca legal), ante o interesse público verificado a partir da natureza dos  bens  objetos  dessa  constrição  –  adquiridos  com  os proventos da infração – e do procedimento para expropriação desses bens, que transcorre na seara penal (art. 133 do CPP).

  4. Considerando a natureza peculiar do sequestro, há primazia da referida medida assecuratória frente  à constrição  patrimonial  decretada  por  Juízo cível ou trabalhista (penhora), incorrendo em usurpação de competência o Juízo  trabalhista  que  pratica  ato  expropriatório  de  bem  sequestrado  na seara penal, mormente considerando o interesse público verificado a partir da natureza dos bens – adquiridos com os proventos da infração -, e do procedimento para expropriação, que transcorre na seara penal.

  5. Conquanto verificada  a  usurpação  de  competência,  não  deve  ser declarada  a  nulidade  do  ato  expropriatório  praticado  pelo  Juízo Trabalhista, pois os  bens  submetidos  à  alienação  judicial  gozam  de presunção (juris tantum), estabelecida pelo próprio Poder Judiciário e pela lei (art. 903 do CPC), de que são desembaraçados, ou seja, livres de ônus, sendo que a declaração de nulidade implicaria em descrédito de um instituto que depende de sua credibilidade para adesão dos arrematantes.

  6. Mantida a alienação,  deve  ser  observado,  no  entanto,  que  a  quantia obtida  com  a  alienação  judicial promovida  perante  o  Juízo  incompetente (Trabalhista) deve ser revertida em favor da constrição decretada pelo Juízo penal,  a  fim  de  mitigar  o  prejuízo  causado  com  a  inobservância  do direcionamento estabelecido na lei penal e processual penal (art. 133, § 1º, do CPP e art. 91, II, b, do Código Penal).

  7. Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo da 11ª Vara Federal de Goiânia – SJ/GO para a prática de atos expropriatórios dos bens sequestrados nos Processos  n.  2016-15.2016.4.01.3500  e  n.  27740-11.2018.4.01.3500,  sem  declaração  de  nulidade  do  ato  expropriatório praticado pelo Juízo da 18ª Vara do Trabalho de Goiânia/GO – relacionado ao veículo arrematado pelo interessado Megavox Auto-Falantes Ltda -, mas com  determinação  de  reversão  da  quantia  obtida  com  a  alienação judicial em  prol  da  constrição  patrimonial decretada  pelo  Juízo  penal, cassada a liminar.

Veja o acórdão.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): CC 175033

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