O Plenário do Supremo Tribunal Federal manteve, por maioria (9 x 1), a validade da Resolução nº 7/2005 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que vedou a contratação de parentes de magistrados, até o terceiro grau, para cargos de chefia, direção e assessoramento no Poder Judiciário.
Com a liminar, proferida com efeito retroativo, vinculante e com eficácia para todos (erga omnes), perdem a eficácia todas as decisões concedidas pela Justiça que garantiam aos parentes a permanência no cargo. A questão foi definida no julgamento da medida cautelar na Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 12, ajuizada pela Associação dos Magistrados Brasileiros.
A AMB pediu ao Supremo que confirmasse a constitucionalidade da norma do CNJ, para pacificar entendimentos divergentes em tribunais de todo o país que concederam liminares favoráveis à permanência dos parentes em cargos de confiança, contrariando a determinação do Conselho.
Voto do relator
O ministro Carlos Ayres Britto iniciou seu voto ressaltando a competência conferida ao CNJ pela Emenda Constitucional nº45/04 para fiscalizar os atos do Poder Judiciário. Segundo o ministro, a emenda constitucional da Reforma do Judiciário “deixa claro extrema relevância do Conselho Nacional de Justiça como órgão central de controle administrativo e financeiro do Judiciário”.
Ayres Britto, ao iniciar seu voto, considerou importante o tema tratado na ação, devido à controvérsia judicial que tem gerado diversas liminares contra a aplicabilidade da resolução do CNJ.
Na avaliação do ministro Carlos Ayres Britto, o CNJ “não invadiu seara reservada ao Poder Legislativo, mas limitou-se a exercer as competências constitucionais que lhe foram reservadas”. O ministro fez uma comparação com as medidas provisórias, ao lembrar que elas também têm força de lei, com aplicação imediata, e destacou que, em respeito aos princípios da moralidade, da eficiência, da impessoalidade e da igualdade “deve-se tomar posse nos cargos, e não dos cargos”.
O relator considerou assim que o CNJ cumpre o papel previsto no artigo 103-b da Constituição Federal. Salientou ainda que a resolução do conselho está em conformidade com o disposto no artigo 37 Constituição Federal.
Nesse sentido, o ministro votou pela concessão da liminar na Ação Declaratória de Constitucionalidade para considerar válida a resolução do CNJ e suspender, com efeito retroativo (ex tunc), os efeitos das liminares concedidas, que permitiam aos parentes de magistrados a permanência no cargo.
Pelo voto do ministro Ayres Britto, as ações relativas ao questionamento da norma contra o nepotismo ficam suspensas e os juízes também ficam impedidos de conceder novas liminares contra a Resolução nº 7 do CNJ, até o julgamento final da Ação Declaratória de Constitucionalidade.
Acompanharam o voto do relator os ministros Eros Grau, Joaquim Barbosa, Cezar Peluso, Gilmar Mendes, Ellen Gracie, Celso de Mello, Sepúlveda Pertence e Nelson Jobim. Ficou vencido o ministro Marco Aurélio, que divergia do relator.
Maioria acompanha relator
O ministro Eros Grau seguiu o voto do relator. Disse que o rompimento das relações de trabalho dos nomeados para cargos de confiança no Poder Judiciário, dentro das regras estabelecidas na resolução do CNJ, atenderá às imposições da moralidade e da impessoalidade administrativas.
Segundo o ministro, a própria Constituição Federal atribui ao CNJ o exercício da função normativa regulamentar (art. 103, 4º, I). “Já é tempo de afastarmos as concepções que os liberais do século XIX nutriam a respeito dos regulamentos, dos quais alguns dos nossos publicistas ainda fazem praça. A classificação das funções estatais, segundo o critério material – função normativa, jurisdicional, administrativa – ainda não chegou aos ouvidos desses doutrinadores, o que nos faz crer que não há ninguém mais conservador do que um liberal”, afirmou Grau.
O ministro Joaquim Barbosa também votou a favor da constitucionalidade da Resolução do CNJ. Afirmou que cabe ao conselho a função de assegurar a observância dos princípios constitucionais regentes da ação administrativa do Judiciário. Assim, “é curial que se entenda lícita a imposição, por ato próprio, de obrigações neste específico sentido”.
De acordo com Barbosa, a legitimidade da resolução é inquestionável, pois estabelece regras que buscam dar efetividade aos princípios da moralidade e da impessoalidade administrativas.
“Não é legítimo classificar como persecutória a resolução por discriminar parentes, já que a Resolução excepciona aqueles ocupantes de cargos de provimento efetivo nas carreiras judiciárias, admitidos por concurso público”, afirmou Barbosa.
Segundo o ministro, a resolução obedece plenamente os princípios da igualdade e da moralidade. Ele salientou que vê na ADC proposta uma das funções de uma Corte constitucional, “a quem cabe o papel de estreitar, eliminar o fosso que às vezes existe entre a sociedade e o microcosmo jurídico, que todos nós sabemos forja as suas próprias realidades, suas hipocrisias, porque não sua moralidade, às vezes manca, como cotidianamente temos a oportunidade de assistir”, acentuou.
Cezar Peluso alegou, ao também votar pela constitucionalidade da resolução, que cabe ao conselho não apenas remediar os danos causados pela prática do nepotismo, “mas prevenir os riscos de que esse dano venha a se atualizar, o que pode apenas ser feito mediante a edição de um diploma de caráter normativo e de sentido geral”.
Peluso classificou o nepotismo como uma prática perniciosa ao interesse público. Ele salientou que a questão deve ser tratada sob o princípio constitucional da impessoalidade. Esse princípio, segundo o ministro “está ligado à idéia da eficiência da administração pública e atua, sobretudo, como uma limitação ao exercício do poder discricionário de nomear funcionários em cargos em confiança”.
O ministro Gilmar Mendes, que também votou favoravelmente à Resolução, disse que o CNJ não extrapolou sua competência determinada pela Constituição Federal. Ele salientou não haver ofensa ao princípio da legalidade pois a Carta Magna confere ao Conselho poderes de fiscalização da atividade administrativa do Judiciário. “Se é da competência do Conselho zelar pelo cumprimento dos princípios da moralidade e da impessoalidade na fiscalização dos atos administrativos do Poder Judiciário não há dúvida, a meu ver, de que os atos que impliquem a prática do nepotismo ofendem diretamente os princípios da moralidade e da impessoalidade”, afirmou Gilmar Mendes.
Em seu voto pela concessão da liminar, a ministra Ellen Gracie afirmou que é indiscutível a força interventiva do CNJ no âmbito do Poder Judiciário, podendo o Conselho expedir atos regulamentares. “O Tribunal dá, com a decisão, mais uma importante contribuição na direção da construção de um Estado Democrático de Direito verdadeiro ao afastar uma prática de natureza aristocrática cujas origens podem ser encontradas em nossas raízes coloniais”, sustentou.
O ministro Celso de Mello, por sua vez, esclareceu que o CNJ definiu, ao editar a Resolução, normas destinadas a impedir a formação de grupos familiares visando à patrimonialização do poder governamental. Ele acrescentou que a Resolução justifica-se plenamente em função da necessidade fundamentada na essencial distribuição que se impõe entre o espaço público e o privado.
“Vale dizer, a ilegítima apropriação da res (coisa) pública por núcleos familiares, alternando-se em verdadeiras sucessões dinásticas, constitui situação de inquestionável anomalia a que esta Corte Suprema não pode permanecer indiferente”, disse Celso de Mello, que finalizou reafirmando voto proferido na ADI 1521, ao comentar que “quem tem o Poder e a força do estado em suas mãos não tem o direito de exercer, em seu próprio benefício, a autoridade que lhe é deferida”.
O ministro Sepúlveda Pertence acompanhou integralmente o voto do relator, Carlos Ayres Britto. O ministro também considerou que é da competência do Conselho Nacional de Justiça “rever ação administrativa dos órgãos judiciários a ele submetidos”. Pertence ressaltou que não há direito fundamental em discussão quando se trata da validade da resolução, nem violação aos princípios da impessoalidade e da isonomia, previstos no artigo 37 da Constituição.
O presidente da Corte, ministro Nelson Jobim, anunciou no início da sessão que não estaria impedido de manifestar seu voto. O ministro explicou que, embora seja presidente também do Conselho Nacional de Justiça, ele não vota nas sessões do CNJ, salvo quando há necessidade de desempate. Assim, ao votar, Jobim acompanhou integralmente o voto do relator da ação e registrou que durante duas décadas (80 e 90) tentou-se implantar no país uma norma de proibição ao nepotismo.
Voto dissidente
O ministro Marco Aurélio votou pelo indeferimento da liminar na ADC 12. Segundo o ministro, o Conselho Nacional de Justiça não tem poder normativo e não poderia substituir-se ao Congresso Nacional. “O CNJ, ao editar a Resolução, o fez totalmente à margem das atribuições previstas na Constituição Federal, e não vejo possibilidade de se deferir uma liminar que acaba potencializando a Resolução do próprio Conselho”, justificou.
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