A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) rejeitou o pedido de trancamento da ação penal que apura indícios de corrupção passiva na campanha de reeleição do ex-prefeito de São Carlos (SP) Oswaldo Baptista Duarte Filho, que teria recebido recursos não declarados da empreiteira Odebrecht. Segundo o Ministério Público Federal (MPF), o esquema teria contado com a intermediação do então deputado federal Newton Lima Neto, antecessor de Oswaldo Filho na prefeitura.
A ação penal foi aberta com base em informações colhidas na Operação Lava Jato.
No recurso em habeas corpus, os investigados alegaram que, na esfera civil, uma ação de improbidade administrativa relativa aos mesmos fatos foi julgada improcedente, motivo pelo qual seus efeitos deveriam atingir a esfera penal.
Além disso, sustentaram que, como a ação apura o suposto pagamento de propina a candidato a prefeito, não haveria interesse da União que justificasse a atuação do MPF no caso, motivo pelo qual o processo – se não fosse trancado – deveria ir para a Justiça estadual.
Esferas independentes
O relator do recurso, ministro Joel Ilan Paciornik, destacou que o Tribunal Regional Federal da 3ª Região confirmou a competência da Justiça Federal em razão – entre outros fundamentos – dos indícios de participação do então deputado federal Newton Lima no esquema de captação ilícita de recursos.
Em relação à possível conexão entre as ações civil e penal, o magistrado lembrou que os procedimentos civis, criminais e administrativos são, como regra, independentes entre si, de modo que cada um pode investigar responsabilidades dentro de suas atribuições, ressalvados os casos previstos em lei para a decretação de prejudicialidade nas demais esferas.
“Tendo em mente que os bens jurídicos tutelados pelas normas de natureza civil, administrativa e penal são distintos, evidente que as penalidades também o são. Portanto, a apuração das responsabilidades se dá no âmbito de cada jurisdição”, esclareceu o ministro.
Pretensão impossível
Paciornik assinalou que, nos termos da jurisprudência do STJ, apenas repercutem na esfera administrativa as sentenças penais absolutórias que atestem a inexistência dos fatos ou a negativa de autoria. Entretanto, apontou o relator, a defesa pretendia que uma decisão prolatada em ação de improbidade administrativa tivesse efeitos na jurisdição penal, o que é impossível.
“Portanto, em se tratando de penalidades de distintas naturezas – muito embora originadas de um único fato –, remanesce a viabilidade de apuração em distintos âmbitos de julgamento, não havendo que se falar em bis in idem“, concluiu o ministro ao negar provimento ao recurso em habeas corpus.
O recurso ficou assim ementado:
PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. CORRUPÇÃO ATIVA E PASSIVA. NOTÍCIA DE FATO INSTAURADA A PARTIR DE DELAÇÃO PREMIADA OBTIDA NA CHAMADA OPERAÇÃO “LAVA-JATO”. DOAÇÕES ELEITORAIS NÃO CONTABILIZADAS DURANTE CAMPANHA ELEITORAL. INEXISTÊNCIA DE CONEXÃO OU PREVENÇÃO. TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL. EXCEPCIONALIDADE NÃO DEMONSTRADA. IMPETRANTE QUE, À ÉPOCA DOS FATOS, EXERCIA MANDATO PARLAMENTAR. ALEGADA INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. NÃO OCORRÊNCIA. ARQUIVAMENTO DE INQUÉRITO ELEITORAL. AUSÊNCIA DE INDÍCIOS DE COMETIMENTO DE CRIME ELEITORAL. EXCEPCIONALIDADE NÃO DEMONSTRADA. EM SE TRATANDO DE PENALIDADES DE NATUREZAS DISTINTAS, AINDA QUE ORIGINADAS DE UM MESMO FATO, PERSISTE A VIABILIDADE DE APURAÇÃO EM CADA QUAL DAS SEARAS, NÃO HAVENDO QUE SE FALAR EM BIS IN IDEM. RECURSO NÃO PROVIDO.
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A circunstância de ter sido instaurada notícia de fato com base em conteúdo obtido decorrente de colaborações premiadascelebradas na operação lava-jato, por si só, não gera conexão com aquela operação. Apuração, nestes autos, de crimes de corrupção ativa e passiva que não possuem verba federal, tampouco oriunda da PETROBRÁS, pois relacionados ao pagamento, no ano de 2012, de vantagens ilícitas na forma de doações eleitorais não contabilizadas, a fim de assegurar “posições privilegiadas” em procedimentos licitatórios que seriam realizados no Município de São Carlos/SP. Fatos que não estão relacionados à PETROBRÁS e sem conexão ao REsp 1.840.416/PR. Conexão e prevenção afastadas.
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Segundo jurisprudência sedimentada nesta Corte Superior, a propositura da ação penal exige tão somente a presença de indíciosmínimos e suficientes de autoria e materialidade. A certeza será comprovada ou afastada durante a instrução probatória, prevalecendo, na fase de oferecimento da denúncia, o princípio do in dubio pro societate.
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O trancamento da ação penal constitui medida excepcional, justificada apenas quando comprovadas, de plano, sem necessidade de análise aprofundada de fatos e provas, a atipicidade da conduta, a presença de causa de extinção de punibilidade ou a ausência de prova da materialidade ou de indícios mínimos de autoria, o que não ocorre na espécie.
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Cediço que a ocorrência de um fato jurídico pode possuir efeitos e reflexos no âmbito penal, civil, administrativo, eleitoral, além de muitos outros, sendo que os processos e procedimentos no âmbito civil, criminal e administrativo, via de regra, são independentes entre si e, cada qual, poderá seguir investigando responsabilidades, dentro de suas respectivas atribuições, concomitantemente, com as ressalvas previstas em lei para os casos em que haverá prejudicialidade nas demais esferas.
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In casu, como também restou consignado na ementa do aresto reprochado, “como já houve denúncia, caberá ao juízo competenteaferir se há, ou não, justa causa para a ação penal, bem como analisar a validade das provas e, oportunamente, formar sua convicção sobre os fatos com base nas provas produzidas em contraditório judicial,observando o disposto no art. 155 do Código de Processo Penal e no art. 4º, § 16, da Lei nº 12.850/2013”.
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Outrossim, não obstante o processo em trâmite na justiça eleitoral tenha sido arquivado e a ação de improbidade administrativa julgada improcedente, certo é que tais ocorrências, ainda que efetivamente havidas na exata forma em que foram noticiadas pelos Defensores, não possuem o condão de, por si só, provocar reflexos fatais e imediatos na ação penal em trâmite na origem.
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Em se tratando de penalidades de distintas naturezas, ainda que originadas de um mesmo fato, persiste a viabilidade de apuração em cada qual das searas, não havendo que se falar em bis in idem.
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8. Recurso desprovido.
Leia o voto do relator.