Ela fingiu ser empregada para prejudicar varejista que havia encerrado contrato com a empresa.
A Subseção II Especializada em Dissídios Individuais (SDI-2) do Tribunal Superior do Trabalho rejeitou o recurso de uma advogada contra decisão que identificou conluio na ação ajuizada por ela contra a empresa do próprio marido, simulando relação de emprego, com o intuito de responsabilizar subsidiariamente a Via Varejo S.A pelo pagamento de créditos trabalhistas. O objetivo, na verdade, era retaliar ato da varejista de rescindir o contrato de prestação de serviços com a Centrão Montagens e Móveis Ltda., empresa da família. Para os ministros, foi correta a decisão que anulou a sentença que deferira créditos à advogada, pois ficou comprovada a união das partes do processo para fraudar direitos de terceiros.
Condenação
Identificando-se como auxiliar de escritório, a esposa do sócio da Centrão obteve, em reclamação trabalhista ajuizada na 23ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte (MG), a condenação da Centrão ao pagamento de cerca de R$ 50 mil. O juízo responsabilizou também a Via Varejo pelo pagamento, caso a montadora de móveis não cumprisse a condenação.
Conluio
Após o esgotamento das possibilidades de recurso, o Ministério Público do Trabalho (MPT) apresentou ação rescisória, a fim de anular a sentença. Em inquérito civil público, o MPT havia constatado que, após o rompimento do contrato da Via Varejo (que reúne as lojas Ponto Frio e Casas Bahia) com empresas montadoras de móveis, várias ações trabalhistas foram ajuizadas por pessoas que não eram empregadas das prestadoras de serviços, com a pretensão de responsabilização subsidiária da tomadora. Para o órgão, o processo da suposta auxiliar de escritório era uma dessas ações simuladas.
Intuito de fraudar
O Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (MG) julgou procedente a ação rescisória, mas a advogada recorreu ao TST. O relator do recurso ordinário, ministro Agra Belmonte, explicou que ficou evidenciado, por meio de depoimento testemunhal, que a então auxiliar era casada com o sócio da prestadora de serviços e que, na verdade, ela atuava como advogada de empregados contra a Via Varejo. Outra contradição é ela ter relatado que foi empregada da Centrão de 1º/10/2008 a 30/7/2011, mas ter atuado como preposta (representante da empresa) em ação trabalhista ajuizada pelo esposo em 2012.
Fraude em outras reclamações
O relator também destacou que, a partir dos ofícios expedidos ao MPT para apuração das fraudes noticiadas, parentes da advogada e do sócio da empresa, “curiosamente”, desistiram ou requereram o arquivamento de ações trabalhistas ajuizadas contra a Centrão e a Via Varejo. Para o ministro, ficou demonstrada a colusão entre as partes, para cuja caracterização basta a existência de indícios que levem o julgador ao convencimento de que as partes se uniram para fraudar direitos de terceiros.
O recurso ficou assim ementado:
RECURSO ORDINÁRIO DA RÉ EM AÇÃO RESCISÓRIA AJUIZADA NA VIGÊNCIA DO CPC/73. PRELIMINAR DE NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO ORDINÁRIO ARGUIDA EM CONTRARRAZÕES. RÉ BENEFICIÁRIA DA JUSTIÇA GRATUITA. DESERÇÃO NÃO CONFIGURADA. Em contestação à ação rescisória proposta pelo MPT, a Ré requereu os benefícios da gratuidade de justiça e juntou declaração de pobreza. O art. 4º da Lei 1.060/50 assegura o benefício da justiça gratuita à parte que, “mediante simples afirmação, na própria petição inicial, de que não está em condições de arcar com as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo próprio ou de sua família“. Também o art. 790-A da CLT e Súmula 463 desta Corte isentam o beneficiário da justiça gratuita do pagamento das custas processuais. O fato de ter levantado vultosa quantia nos autos do processo subjacente não elide, por si só, a presunção relativa de veracidade da declaração de pobreza apresentada. Preliminar rejeitada.
LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO PARA, NOS AUTOS DA AÇÃO RESCISÓRIA, FUNDADA NO ART. 485, III, DO CPC/73, PLEITEAR A DEVOLUÇÃO DOS VALORES LEVANTADOS NOS AUTOS DO PROCESSO MATRIZ. 1. O art. 487, III, “b”, do CPC/73, vigente à época da propositura da ação rescisória, confere legitimidade ao Ministério Público “quando a sentença de colusão das partes, a fim de fraudar a lei”.
- Diversamente do que alega a Ré, ainda que haja pedido do parquet, em juízo rescisório, de extinção do processo, sem resolução do mérito, com determinação de devolução os valores já levantados no processo primitivo, isso não traduz defesa de interesse patrimonial privado, nem atrai a aplicação da Orientação Jurisprudencial 237, I, da SBDI-1/TST.
- Reconhecida a hipótese de rescindibilidade alegada pelo MPT, o pedido de devolução dos valores indevidamente recebidos no feito matriz decorre da finalidade desconstitutiva da ação rescisória, com efeitos ex tunc. Afinal, conforme lecionam Marinoni e Daniel Mitidiero, “o que a ação rescisória faz é rasgar a coisa julgada, cortando-a, eliminando os seus efeitos desde o momento da sua formação. Trata-se de traço que a acompanha desde a restitutio in integrum, cujo principal efeito estava na viabilização do retorno ao status anterior à grave violação à equidade que a restitutio se propunha a reparar”. (in Ação Rescisória – Do Juízo Rescindente ao Juízo Rescisório, Ed. Revista dos Tribunais, pág. 89). Preliminar rejeitada.
DA ALEGADA NULIDADE DO INQUÉRITO CIVIL INSTAURADO PELO MPT.
- Nas razões de recurso ordinário, a Ré – reclamante do feito matriz alega o não cabimento de ação rescisória, amparada no art. 485, III, do CPC/73, sob o argumento de que a colusão teria sido constatada a partir de inquérito civil nulo. Diz que, embora o juízo da 2ª Vara de Belo Horizonte tivesse enviado ofício ao MPT para apuração das denúncias narradas em audiência, o eg. TRT prolator da decisão recorrida teria deixado de observar que o ofício foi posteriormente cassado, estando, assim, o inquérito civil instaurado pelo MPT baseado em ato viciado.
- Verifica-se dos autos, no entanto, que o inquérito civil foi efetivamente instaurado pelo MPT a partir de informações de fraude extraídas de reclamações trabalhistas diversas daquela que originou o ofício.
- 3. Dessa forma, e tendo em vista que, nos termos do art. 2º da Resolução 69, de 12/12/2007, do Conselho Superior do MPT, o inquérito civil pode ser instaurado, mesmo de ofício, sempre que o parquet tiver conhecimento de fatos que, em tese, constituam lesão aos interesses ou direitos “a cargo do MPT nos termos da legislação aplicável, servindo como preparação para o exercício das atribuições inerentes às suas funções institucionais” (art. 1º), não há se falar em inquérito civil instaurado a partir de ato viciado. Preliminar rejeitada.
AÇÃO RESCISÓRIA FUNDADA NO ART. 485, III, DO CPC/73. COLUSÃO. VÍNCULO DE EMPREGO FORJADO. LIDE SIMULADA PARA FRAUDAR DEVEDOR SUBSIDIÁRIO. DECISÃO RECORRIDA QUE SE MANTÉM. 1.Trata-se de ação rescisória ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho da 3ª Região, fundada no art. 485, III, do CPC/73, com o objetivo de desconstituir sentença, ao argumento de que a então reclamante e a reclamada, em conluio, forjaram vínculo de emprego para o fim de obter, mediante lide simulada, o reconhecimento da responsabilidade subsidiária de outra empresa e o pagamento de parcelas trabalhistas de alto valor.
- Em conformidade com o art. 129 do CPC/73, são duas as hipóteses que autorizam o julgador a impedir a concretização do intuito fraudulento: quando constatar a prática de ato simulado ou quando notar que o intuito é o de fraudar a lei. Ocorre que, embora referido dispositivo coíba o processo simulado, tal como ensina o saudoso Ministro Coqueijo Costa, citado por Francisco Antonio de Oliveira, a rescisória, entre nós, se justifica na hipótese de processo fraudulento, não assim de processo simulado. Apenas a colusão para fraudar a lei é contemplada no art. 485, III, do CPC.
- No caso concreto, ficou demonstrado que, após rompido o contrato da Via Varejo com empresas montadoras de móveis, várias ações trabalhistas foram ajuizadas por pessoas que não eram empregados da prestadora de serviços, com a pretensão de responsabilização subsidiária da Via Varejo. Ficou evidenciado, por meio de depoimento testemunhal, que a então reclamante era casada com o sócio da prestadora de serviços; que essa reclamante atuava como advogada de empregados contra a Via Varejo; que também ajuizou ação trabalhista contra a Centrão (prestadora de serviços) e que, embora tivesse alegado ter sido empregada dessa empresa apenas no período de 01/10/2008 a 30/7/2011, atuou como preposta em ação trabalhista ajuizada pelo seu esposo em 2012.
4.Também há registro de que, a partir dos ofícios expedidos ao MPT, para apuração das fraudes noticiadas, parentes da então reclamante e do sócio da empresa prestadora de serviços curiosamente desistiram ou requereram o arquivamento de suas ações trabalhistas ajuizadas contra a Centrão e Via Varejo.
-
5. Tendo em vista que, para a configuração da colusão, é suficiente a existência de indícios que levem o julgador ao convencimento de que as partes se uniram para fraudar direitos de terceiros, entende-se por configurada a hipótese de rescindibilidade descrita pelo art. 483, III, do CPC/73, tal como reconhecido na decisão recorrida. Recurso ordinário conhecido e desprovido.
A decisão foi unânime.
Processo: RO-10894-41.2014.5.03.0000